Causou embaraço no regime moçambicano, em particular na ala conotada com Armando Guebuza, a divulgação pública, pela WikiLeaks, de relatórios da embaixada dos EUA em Maputo implicando vários responsáveis políticos, incluindo o próprio Presidente da República e outros, em negócios ilícitos, corrupção e narcotráfico.
O embaraço, real, mas iludido por atitudes destinadas a aparentar sentimentos diversos, é alimentado por temores como os seguintes:
– A reputação externa de Moçambique foi afectada; podem advir consequências negativas, nomeadamente no plano das ajudas.
– Alas do regime da FRELIMO opositoras do actual PR tenderão a explorar o sucedido no seu activismo.
Por meio de iniciativas discretas, algumas das quais com o recurso a terceiros, as autoridades moçambicanas puseram em marcha um forcing com o fim de limitar danos do episódio; o argumento invocado é o de que as “impressões” constantes dos relatórios norte-americanos não são rigorosas e/ou empolam problemas existentes.
2. No seguimento das últimas eleições e de mudanças internas que têm vindo a fazer, Guebuza reforçou o seu poder, que se previa poder aumentar no congresso da FRELIMO, marcado para 2011.
A divulgação dos documentos (Moçambique é o país africano mais atingido), pode ter constituído um revés. Os danos a que o episódio expôs Armando Guebuza só não são maiores porque os relatórios também desfavorecem Joaquim Chissano e a ex-Primeira-Ministra, Luísa Diogo, com ele conotada.
Ao contrário, a ala dita machelista, que recrimina a corrupção no regime, ganhou terreno – evidência traduzida em intervenções de Graça Machel, Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo.
Chissano, enquanto PR, gozou de reputação externa superior à que Guebuza conseguiu alcançar.
A imagem do actual PR tem sido especialmente ofuscada pela ideia generalizada de que exerce o poder em ligação com negócios privados e capta apoios internos através de lógicas de concessão de oportunidades e de favorecimentos pessoais.
3. O receio das autoridades de que a divulgação dos relatórios pode vir a dar lugar a consequências nefastas radica em considerações segundo as quais o episódio anuviou ainda mais um clima do antecedente, alimentado por factos de natureza diversa, mas convergentes em relação a dúvidas sobre a integridade do regime e seus responsáveis. A saber:
– Um relatório validado pelo Banco Mundial segundo o qual a pobreza e a exclusão social cresceram
– com repercussões negativas do mesmo na predisposição de doadores internacionais para manterem as suas ajudas.
– A agitação social violenta que recentemente estalou em Maputo, fruto de descontentamentos populares.
– A identificação de Muhamad Bashir Suleman, magnata apoiante da FRELIMO, como “barão da droga”.
– As repercussões públicas de registo de irregularidades nos processos eleitorais, especialmente notórias no último.
– A circulação constante de notícias e rumores sobre casos de enriquecimento fácil ou ilícito envolvendo responsáveis do regime.
Em Dezembro de 2007, a Conferência Episcopal de Moçambique, em comunicado público, manifestou preocupação face a realidades da situação no país tais como “a pobreza, a degradação dos valores morais e do tecido social, a insegurança, a corrupção galopante, desavergonhada e impune”.
A identificação de responsáveis políticos com práticas de corrupção e com o narcotráfico não constitui novidade face a convicções ou noções enraizadas internamente. A projecção agora conferida ao assunto adveio da circunstância de se tratar de matéria constante em relatórios da embaixada dos EUA.
4 . O conteúdo dos relatórios ora divulgados, subscritos pelo então encarregado de negócios, Todd Chapman, é compatível com uma “impressão” considerada “menos positiva” que Moçambique tem hoje em dia no Departamento de Estado; o fenómeno remonta à passagem pelo país do embaixador Denis Jett.
A principal reserva dos EUA não é tanto a corrupção no regime enquanto tal, mas as suas eventuais imbricações como narcotráfico, especialmente no que toca à lavagem de dinheiro; a DEA-Drug Enforcment Administration considera Moçambique placa giratória do narcotráfico na costa oriental de África.
A DIA-Defense Intelligence Agency identifica desde há muito o Norte de Moçambique como área desprovida de controlo político administrativo por parte do Governo; considera tal realidade permeável a actividades clandestinas de eventual proveito para o terrorismo internacional.
As águas marítimas não são controladas e fiscalizadas; é sabido que os portos de Nacala e Angoche, bem como locais-ermo da costa, são usados para desembarque de droga proveniente de países da Ásia, traficada localmente, com lavagem dos respectivos lucros, ou encaminhada para outros destinos.