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A Ntyiso wa wansati: Num Passo de Tango

Quando passar o Natal, meto-me num avião e vou passar quinze dias a Cuba. Estou farto do frio, da chuva, das horas a fio na trânsito com as crianças lá atrás a porem-me as patas nos vidros embaciados do hálito a Chocapic e os sapatos no tecto do meu Audi 4 que comprei quando a Luísa se foi embora com um argentino de cabelo comprido chamado Victor que ela conheceu nas aulas de tango às quintas-feiras à noite. Eu topei-o logo, com aquele andar dengoso e escorregadio e as sobrancelhas claras, unidas num fio de perversidade, mas achei-o tão bimbo que me pareceu inofensivo.

A Luísa sempre foi uma burguesa acabada, relógios de marca e pulseiras com três corações, o meu, o do António e o da Luisinha, mas agora os corações estão em Buenos Aires, dentro de uma caixa que dorme dentro de uma cómoda, trancados e esquecidos para sempre e eu é que fiquei com a casa, as contas e os miúdos para criar.

Dizem que agora é moda elas pirarem-se com gajos mais novos e largarem os filhos como se fossem peixes num aquário, também aconteceu o mesmo ao Daniel lá do banco, mas o gajo foi atrás da mulher e acabou por conseguir trazê-la de volta, não faço ideia onde é que a encontrou, acho que contratou um detective e que aquilo lhe custou uma fortuna, mas quando voltaram nada foi como dantes, por isso quando a notícia do suicídio dele chegou ao banco ninguém ficou espantado.

As pessoas quando se matam, já estão mortas há muito tempo, só falta cumprir a logística. Eu nunca tive vontade de contratar um detective nem de a ir buscar, nunca acreditei que se possa obrigar as pessoas a fazer o que quer que seja e se uma mulher troca um marido porreiro, um duplex na Lapa e dois filhos encantadores por um bailarino de tango não pode estar boa da cabeça, por isso quando ela me ligou outro dia a pedir para lhe mandar fotos dos pequenos por email até lhe fiz a vontade. E era isto uma menina de boas famílias, educada num colégio de freiras, aluna exemplar do curso de gestão da Universidade Católica a fazer um bom lugar no maior banco português.

No melhor pano cai a nódoa. E como nada faz sentido e me sinto o Rei do Absurdo, vou aos fins-de-semana para o Jardim da Estrela brincar com os miúdos e ver se engato uma mãe que ande por lá sozinha, quem sabe por causa de um marido que fugiu com a melhor amiga. Estas coisas acontecem todos os dias e há por lá muitas mulheres com aqueles olhar esvaziado da tristeza absoluta, numa delas pode ser que encontre alguma paz e um novo porto de abrigo.

Quanto à Luísa, espero que se torne uma grande bailarina e até pode ser que um dia a vá ver ao CCB numa exibição de tango com o seu Victor de cabelos compridos e sobrancelhas unidas, a ser sacudida ao som do Gardel, mano a mano com o destino e a desgraça de quem segue sem critério o chamamento da carne e deixa pelo caminho o coração.

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