Tem 17 anos, veio da Macia, província de Gaza, e estava sentada no chão chorando amarga e desesperadamente. Entre as lágrimas e a angústia, falou dos momentos cruéis por que passou ao lado de um marido que começou por ser um príncipe encantado e acabou como um monstro.
Era manhã de um domingo em plena baixa da cidade de Maputo, local onde muitos moçambicanos se refugiam em busca de soluções para travar os duros combates da vida. Estou na paragem “vitória” junto à avenida Guerra Popular assistindo ao vaivém de pessoas e viaturas, quando dou de caras com uma jovem com uma criança recémnascida e um saco contendo roupa.
Enquanto tremia e definhava, disse que não tinha forças, pelo facto de ter passado três dias e noites ao relento, sem comer e com um filho de poucos dias por alimentar. “O meu marido expulsou-me de casa”, diz ela para depois acrescentar que “preciso de comer para dar de mamar ao meu filho que não come, não defeca e não urina há dois dias”.
Por sorte, o tom triste com que as palavras lhe saíam do peito comoveu as senhoras que estavam por ali e logo intervieram, servindo-lhe chá e alguns mantimentos existentes. Momentos depois, com a ajuda de um polícia, Vânia foi encaminhada à primeira esquadra, onde o seu caso foi recusado, alegadamente porque era domingo.
Um dia de descanso, segundo fez saber o oficial em serviço na altura. Contando a sua trajectória, a moça diz ter sido desalojada quando tinha sete meses de gravidez, contudo sempre resistiu. Dois dias após o parto, devido ao estado fraco em que se encontrava para resistir, recebeu a sentença final acompanhada por golpes severos. Como consequência, o seu corpo ficou profundamente marcado por enormes cicatrizes, visto que os golpes eram feitos por meio de um cinto de cabedal.
“Não sei porque fez aquilo, mas acho ser por causa das bebidas e drogas que consumia nos últimos dias”, conta ela. Quando o filho nasceu, a jovem usou as suas pouquíssimas economias e comprou alguns artigos, nomeadamente, calças, três fraldas e uma camisola. Do marido nunca recebeu ajuda. “Eu não compro nada, pede aos teus pais”, dizia o esposo Aurélio Sitoi, enquanto lhe esbofeteava no mesmo dia em que a expulsou do convívio conjugal.
Nessa data a jovem dormiu ao relento e, logo pela manhã, um indivíduo deu-lhe boleia da Matola ao bairro do Benfica. Ali, o indivíduo, após ter ouvido a sua história, ofereceu-lhe dez meticais, uma quantia que usou para se deslocar até a baixa da cidade, onde tentou encontrar ajuda. Naquele dia, após algumas diligências, uma mulher decidiu, então, prestar solidariedade à Vânia, hospedando- lhe nos seus aposentos, algures no bairro da Polana Caniço enquanto procuravam os familiares da jovem.
Pouco tempo depois localizaram a tia que logo comunicou os familiares de Macia. Dessa forma, regressou às suas raízes, onde tudo começou quando conheceu Aurélio Sitoi, este que primeiramente foi o seu príncipe encantado e, mais tarde, viria a revelarse um autêntico algoz.
O princípio
A história deste casal começou em 2008 algures no distrito da Macia.Vânia vivia com o seu tio Lopes Chiulela desde 1997, após a morte do pai vitimado por um acidente de viação corria o ano de 1996. Quando conheceu Aurélio Sitoi frequentava a oitava classe numa escola local, ao passo que o jovem vivia na África do Sul com o seu progenitor onde ambos trabalhavam e regularmente regressavam às origens.
Desses movimentos, um dia o jovem conheceu Vânia. A partir daí, os dois começaram a namorar e decidiram oficializar a relação. Além das festas, foram dados os passos necessários, acompanhados de promessas de mundos e fundos. A África do Sul foi o lugar escolhido para realizar os sonhos. Cumpridas as formalidades, o casal seguiu o caminho do “paraíso”.
Vânia diz que se sentia muito feliz sobretudo porque tinha o consentimento dos tios e iria viver com o homem que amava. Ao que tudo indica, os dias na RSA decorreram de forma imprevista. O lar começou a entrar em colapso. Assim sendo, mandaram-na de volta para Gaza onde viveu com a madrasta do esposo. No entanto, como na África do Sul, o ambiente em Macia revelou-se difícil.
A convivência tornava-se cada vez mais insustentável, até ao dia em que o marido lhe foi lhe buscar, desta vez tendo como destino a província de Maputo, particularmente a Matola. Ali, tudo correu sem sobressaltos, pelo menos, até aos dias em que ficou grávida. “Tínhamos tudo para dar certo e as coisas corriam muito bem. Mas, o meu marido começou a ser um monstro a partir do momento em que concebi.
Começou a beber e sempre que ficava com os sentidos embotados vinha com golpes para cima de mim. Quando a minha gravidez atingiu os sete meses expulsou-me de casa, mas eu resisti. Só depois de dar o parto é que não consegui aguentar”, revela. Após estes problemas e com o regresso à Macia, os tios mandaram-na para Caia, a localidade em que nasceu.
Neste momento, diz-se que o filho está gravemente doente, um problema que deve ser provavelmente causado pelas crises por que passou. Enquanto isso, Lopes Chiulela, tio da jovem, chora pelo leite derramado lamentando não ter feito algo para defender a sobrinha.
“Ela esteve sempre sob os meus cuidados e não a protegi. O que mais me dói ainda é o facto de o Aurélio ter-lhe feito desistir da escola”, desabafa. Até a data desta edição, tentámos em vão ouvir o visado, para podermos colher a sua versão dos factos.
Tudo indica que, excepto a sua mulher, ninguém possui o seu contacto. Diz-se simplesmente que o casal vivia na Matola e provavelmente o jovem more por lá. De Lopes Chiulela, tio da vítima, ficou a promessa de que vai fazer de tudo para mandar a criança para junto dos familiares do seu pai, para facilitar os estudos da sobrinha.