Parece difícil de acreditar mas a calma exterior de Danny Jordaan esconde uma frenética agitação interior. Afinal, ele é o Chief Executive Officer (CEO) do Comité sul-africano da organização do Campeonato do Mundo da FIFA – o homem que tem de garantir que tudo fique pronto, dentro dos prazos e principalmente com alto padrão de qualidade do primeiro Mundial de Futebol que acontece no continente africano. Enquanto as 32 selecções aterram na África do Sul e as últimas peças do torneio são colocadas nos devidos lugares, este antigo activista da luta anti-apartheid, com 58 anos de idade, que teve um curta carreira como jogador profissional, é a imagem da serenidade. “Trabalhamos muito para aqui estarmos”, afirma com simplicidade.
Jordaan será recordado como, provavelmente, um dos poucos que conseguiu agradar a “gregos e a troianos”. Desde 2004, quando a África do Sul se apurou para a organização do Mundial, após perder a organização do Mundial de 2006, ganha pela Alemanha, o antigo presidente a Federação de Futebol tem estado numa cruzada para agradar e calar os estrangeiros cépticos e os seus compatriotas que o acusam de ceder à vontade da poderosa FIFA– até a escolha dos artistas que vão actuar na cerimónia de abertura foi controversa.
Como é que se agrada a todos? “Existem objectivos claros que têm de ser cumpridos, algumas vezes é preciso ser intransigente outras vezes deve-se ser mais flexível” responde Jordaan, que acrescenta “para mim a vida é parecida com um carro, quatro mudanças para a frente e uma marcha atrás para usar quando se sofre um imprevisto. Importante é não esquecer, enquanto se lida com o imprevisto, que existem quatro mudanças para ir em frente. Os carros são construídos para irem para frente, os imprevistos são temporários”.
Danny continua a afirmar que “ a estratégia é importante mas é preciso também ser um executivo. Algumas pessoas queixam-se de que eu gosto de gerir até as coisas mais pequenas. Bem, às vezes é preciso, este trabalho é muito complexo, com diferentes desafios e vários parceiros e accionistas a quem prestar contas – FIFA, parceiros comerciais, políticos, empreeteiros, patrocinadores, media –, conseguir pôr todos a trabalhar na mesma direcção com democracia é muito complicado”.
Um dos oito irmãos duma família mestiça na zona sul da cidade de Port Elizabeth, agora Nelson Mandela Bay, Jordaan nasceu três anos depois da chegada ao poder do Partido Nacional e sentiu na pele o preconceito racial ainda na tenra idade. A sua família foi classificada como “de cor” pelo governo do apartheid e forçada a mudar-se do centro da cidade para a periferia quando aquela zona foi declarada área “apenas para brancos”. “Eu era um adolescente e vi os camiões do governo chegarem e levarem a nossa mobília e depois vieram os bulldozers que destruíram a nossa casa” partilha connosco Danny.
Alguns anos depois, ele filia-se na organização de estudantes sul-africanos, no comité local da Consciência Negra liderado por Steve Biko, e participou em numerosos boicotes e manifestações que levaram à sua detenção pela polícia. “Eram tempos difíceis e perigosos”, recorda. Biko, com 30 anos, foi brutalmente torturado pela polícia e abandonado até morrer sozinho na sua cela em 1977. “Foi por essa altura que foi criado o Conselho Sul-Africano dos Desportos”. Afirmando que não poderia haver “desporto normal numa sociedade anormal” Jordaan e outros líderes do Conselho fizeram campanha internacional e conseguiram o banimento da África do Sul em competições de rugby, futebol, atletismo e outros desportos.
A luta, como ele chama, culminou com a libertação de Nelson Mandela em 1990 e a democracia quatro anos depois. “Mas não terminou aí”, diz Jordaan, que como membro do ANC serviu no Parlamento entre 1994 e 1997 e depois foi liderar a Federação de Futebol da África do Sul. “A promessa de fazer da África do Sul um país melhor está ainda longe de ser uma realidade, acolher o Campeonato do Mundo de futebol é parte da estratégia para alcançar essa promessa, usando o evento para canalizar investimentos para o desenvolvimento de infra-estruturas” afirma.
Mas será que vai correr tudo bem?
Os dez estádios que foram construídos ou renovados pelo país ficaram prontos antes dos prazos, em Johannesburg o novo sistema de transportes está a funcionar, apesar de pequenos focos de protestos dos operadores informais. O Aeroporto Internacional Oliver Tambo foi muito mais do que remodelado e equipara-se a qualquer outro no primeiro mundo, em Durban um novo aeroporto internacional foi erguido, centenas de quilómetros de estradas foram construídas e renovada pelo país inteiro. O crime é talvez a maior incógnita.
Até que ponto será seguro para os turistas visitarem um país com um dos índices mais altos em crime violento?
O ex-professor normalmente responde a estas perguntas em cada conferência de imprensa pacientemente, apontando para o registo do país em sediar grandes eventos desportivos, falando nos investimentos feitos na polícia não só em meios de combate ao crime mas também na formação e mudança de estratégias. O plano nacional de segurança foi aprovado por especialistas internacionais desde a Interpol até ao FBI. Calmo e com um sorriso nos lábios, Danny responde, pela enésima vez à mesma pergunta. “Realizar o Campeonato do Mundo é um projecto grandioso que envolve muitos actores, hoje não temos problemas mas amanhã pode haver. Cada problema será tratado quando surgir, entretanto durmo bem todas as noites e sem pesadelos”.
Em 1998, uma greve de pilotos de uma companhia aérea francesa deixou a FIFA preocupada às vésperas da Copa do Mundo na França. No final, tudo correu bem e o país acolhedor ainda se sagrou campeão. Em 2010, todos os dias a África do Sul vê trabalhadores a ameaçar parar de trabalhar e, assim, evitar a realização do torneio.
Jordaan responde “ Sempre que um evento com esta dimensão acontece há várias negociações. Isso faz parte do processo para colocar pressão, para ter uma solução. Eles querem as melhores condições de trabalho, vimos isso noutras ocasiões e noutros países.” Não obstante, Jordaan acredita que a África do Sul vai realizar o Campeonato do Mundo da FIFA mais rentável de sempre – as previsões de ganhos rondam os 3,5 biliões de dólares americanos – cerca de 1 bilião mais do que rendeu o Mundial da Alemanha.
O processo de mudança da imagem do país, que está intrinsecamente relacionado com o legado desde evento, e de como o seu sucesso resultará num melhor ambiente de negócios para o país e numa indústria de turismo mais lucrativa, são alguns dos assuntos que estão muito próximos do coração de Danny. “Para a maioria do mundo quando se pensa na África do Sul pensa-se num país que existia antes de 1994. Existe muito negativismo associado que tem de ser eliminado. O Campeonato do Mundo dá -nos a oportunidade de destacar as coisas boas do país como os nossos hotéis de classe mundial ou as nossas telecomunicações, que nos permitem ter TV de alta definição e infra-estruturas bancárias sofisticadas. Estamos a mostrar uma África do Sul que funciona e cumpre as suas promessas”.
Jordaan afirma que depois do Mundial o continente poderá começar a preparar-se para receber os Jogos Olímpicos. O que vai acontecer com Danny Jordan depois do Mundial? “Tenho tido pouco tempo para pensar no futuro” diz a sorrir Jordaan, “compreendo claramente que depois de 11 de Julho (final do Mundial) este trabalho estará terminado. Foi um percurso de 16 anos que percorri. Pela primeira vez na minha vida terei tempo para pensar e a seguir o que faço? Sempre tive trabalhos que me obrigaram a trabalhar muitas horas todos os dias” complementa.
Jordaan nega um futuro ligado à política ou que esteja nos seus planos disputar a presidência da FIFA no próximo ano. “Talvez deva procurar um emprego nos correios” brinca “onde posso entrar às 9 da manhã, tomar chá as 11 horas, almoçar às 13 horas e ir para casa às 16 horas”.
Bilhete de identidade
Nome completo: Daniel Alexander “Danny”Jordaan
Estado civil: casado com Roxanne Filhos: Luana (25) e Mikhail (21)
Primeito emprego: professor
Primeiro carro: Volkswagen
Carro actual: Mercedes Benz S Class
O mais importante da sua vida: família e saúde
Férias: as últimas que teve foram em 2004 em que realizou um cruzeiro no Caribe