Moçambique apresenta um quadro político e legislativo genericamente favorável à liberdade de expressão, pluralismo e diversidades dos média, embora prevaleçam alguns constrangimentos para a aplicação prática das leis e políticas.
Esta é uma das conclusões do estudo sobre o panorama do desenvolvimento da comunicação social em Moçambique, apresentado na quarta-feira, em Maputo, durante uma conferência nacional sobre o assunto, promovido pelo capitulo moçambicano do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISAMoçambique). O estudo avança vários constrangimentos que vão desde a prevalência de leis antimedia, omissões legislativas, falta de transparência e clareza sobre as funções de várias instituições que operam no sector, existência de instituições de formação mais teóricas devido a falta de infraestruturas, entre outros.
Segundo este relatório, há necessidade de revogar e/ ou rever algumas leis no país, como dos Crimes contra o Segurança do Estado e do Segredo de Estado, por serem extremamente anti-media e bloquearem o direito dos cidadãos à informação. De referir que a Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado foi aplicada recentemente num caso relacionado com o Semanário Zambeze que escreveu, em várias edições, artigos que punham em causa a nacionalidade da antiga Primeira ministra moçambicana, Luísa Diogo, por ter contraído o matrimónio com um cidadão português, à luz da Constituição de 1990.
Para Tomás Vieira Mário, coordenador da pesquisa, esta lei derroga a maior parte dos artigos da lei de imprensa, para além estar fora do contexto. “Esta lei encontra-se desactualizada por considerar a difamação um crime contra o Estado, incluindo a difamação de membros de partidos políticos, o que não faz sentido. Por isso, recomendamos a revogação das cláusulas anti-media contidas na Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado”, frisou.
No que refere a Lei do Segredo do Estado, o estudo sublinha que não há clareza de que tipo de informação constitui segredo do Estado e nem o limite desse mesmo segredo. Em relação ao acesso à informação, o estudo sublinha que a Constituição da República consagra o direito dos cidadãos à informação, porém ela deixa uma lacuna quanto ao conteúdo desse mesmo direito, facto agravado pela ausência de uma lei especifica sobre o assunto. Outra lacuna está relacionada com o sistema de licenciamento da radiodifusão, incluindo a gestão do espectro radioeléctrico que se encontra sob o controlo exclusivo do Governo, não sendo, por conseguinte, independente e transparente.
Vieira Mário acrescentou que a legislação aplicada para se atribuir o alvará esta dispersa, facto que complica todo o processo. “Para se ter um alvará de radiodifusão há um trabalho complicado, porque existem cinco leis e decretos que devem ser consultados”, frisou. Outros constrangimentos apontados pelo estudo estão relacionados com a limitação de monopólios e capitais estrangeiros à apenas 20 por cento. O estudo conclui que a limitação de capitais estrangeiros não faz sentido no contexto actual.
Ainda, existem constrangimentos ligados à falta de transparência da propriedade dos órgãos de comunicação, e um exemplo claro é o Jornal Noticias, em que não se conhece claramente qual é a sua estrutura accionista. Entre outros tantos constrangimentos, segundo Vieira Mário, há ainda a destacar a discriminação da política de publicidade do Estado, que deve ir para o jornal de maior circulação, porém, no país, não se sabe qual é, uma vez que não existem estudos actualizados.
“Na comunicação social moçambicana ainda reina a cultura de boato, sobretudo nos média privados.Há cada vez mais auto-censura e fraca presença de mulheres nas redacções e ausência de línguas nacionais na Televisão de Moçambique, entre outros constrangimentos”, disse Vieira Mário, que também é presidente do MISAMoçambique.
O estudo apresentado na quarta-feira foi solicitado pelo Governo à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) com objectivo de avaliar, de forma exaustiva e abrangente, o panorama pluralístico dos media em Moçambique e as tendências do seu desenvolvimento tendo em conta o quadro político, legal, económico, educacional e infra-estrutural.
O mesmo baseou-se em indicadores dos Media da UNESCO, nomeadamente política e legislação, pluralismo, diversidade e transparência de propriedade, media como plataforma para o discurso democrático, capacitação profissional e instituições de apoio, disponibilidade de uso de recursos técnicos, bem como a questão dos medias comunitários sob proposta do MISAMoçambique.
De referir que na conferencia participaram representantes das empresas jornalísticas, jornalistas, académicos, religiosos, membros do Governo e da sociedade civil, bem como parceiros internacionais.