Chama-se Angelina Chilaúle e tem 9 anos. É uma das crianças que engrossam as estatísticas quando se fala da mão-de-obra infantil em Moçambique. Encontrámo-la a vender água para beber no Terminal de Transportes da Praça dos Combatentes, vulgo Xiquelene.
Ela faz parte daquelas crianças que abdicaram da oportunidade de gozar a infância para trabalhar e, deste modo, aliviar a carga financeira de quem as cuida. A diferença é que a Angelina ainda vai à escola e consegue separar o trigo do joio (entenda-se escola e trabalho).
@V: Estudas?
AC: Sim, frequento a quinta classe na Escola Primária Completa de Hulene.
@V: Há quanto tempo vendes água?
AC: Há dois anos. Comecei em 2009.
@V: O que te levou a optar por esta actividade?
AC: A pobreza e o sofrimento a que eu e a minha família estávamos votados. Não tínhamos o que comer e eu vi-me na obrigação de fazer algo para mudar aquele triste cenário.
@V: E conseguiste?
AC: É-me difícil responder a essa pergunta, mas pelo menos conseguimos ter uma refeição por dia.
@V: Com quem vives?
AC: Vivo com a minha mãe, a minha avô e os meus irmãos. Eu sou a mais nova. @V: A tua mãe trabalha? AC: Sim, trabalha.
@V: Ela sabe que tu estás aqui?
AC: Sabe sim.
@V: E o que ela pensa disso?
AC: Não posso responder por ela, mas não tem nenhuma objecção. Ela só quer que eu estude, coisa que eu faço com amor.
@V: Consegues conciliar as duas coisas?
AC: Consigo sim. Vou à escola de manhã e de tarde venho vender.
@V: Para além de vender, fazes alguma coisa em casa?
AC: Faço sim. Lavo a loiça e faço outros trabalhos de casa. Não faço muita coisa porque entro às 7.
@V: Quanto é que consegues vender por dia?
AC: Depende dos dias, mas consigo ter um lucro de 10 meticais por dia. Há dias em que a Polícia Municipal “aperta o cerco” e não conseguimos vender.
@V: O que fazes com o dinheiro?
AC: Faço um chitique de cinco meticais por dia e recebo 150 meticais no fim de cada mês. É com este dinheiro que compro vestuário, calçado e material escolar.
@V: Onde é que congelas a água?
AC: A água é congelada numa casa e pagámos cinco meticais por cada recipiente de cinco litros. Eu congelo dois recipientes, o que significa que tenho que pagar dez meticais.
@V: Por quanto vendes o copo?
AC: O copo de água custa um metical.
@V: Que dificuldades tens encarado no teu dia-a-dia?
AC: O nosso maior obstáculo é a Polícia Municipal. Eles arrancam os nossos produtos, partem os recipientes e batem-nos. Para estarmos no passeio a vender temos de pagar dez meticais. Há pessoas que pagam 50 meticais por dia para vender no interior do parque, embora seja proibido. Quando confiscam os nossos produtos, não os levam à Administração do mercado, comem-nos ou levam para casa.
@V: Qual é o teu sonho?
AC: É ser polícia.
@V: Porquê polícia?
AC: Quero acabar com a criminalidade e com a corrupção de que enferma a nossa polícia. O meu desejo é recolher todos os criminosos à cadeia.