Na próxima quarta-feira, os sul-africanos, tal como em 1994, vão às urnas inseguros. Se nas primeiras eleições multirraciais pairava no ar o receio de um banho de sangue – os radicalismos, especialmente do Inkhata e dos grupos brancos de extrema-direita ainda estavam muito à flor da pele – hoje a eleição praticamente garantida de Zuma poderá colocar, num futuro próximo, as instituições do Estado num descrédito generalizado, sobretudo o poder Judicial, subjugando-o completamente ao poder Executivo.
A teoria da separação de poderes como base fundamental para o garante de um Estado de direito e democrático não é de hoje. Ela tem pelo menos 250 anos. Na obra “O Espírito das Leis”, publicada em meados do século XVIII, Montesquieu analisa as relações que as leis têm com a natureza e os princípios de cada governo, desenvolvendo a teoria de governo que alimenta as ideias do constitucionalismo, que, em síntese, busca distribuir a autoridade por meios legais, de modo a evitar o livre arbítrio e a violência.
São estas ideias que levam à separação dos poderes, hoje uma das pedras angulares do exercício do poder democrático. A rapidez com que o processo foi arquivado pelo Ministério Público, as declarações à imprensa do seu mais alto responsável – “Não é possível nem desejável a NPA (Procuradoria-Geral da República) continuar o processo contra Zuma” – e sobretudo o timing – três semanas antes das eleições – dão que pensar. “É difícil ver uma solução que não enfraqueça de alguma forma as nossas instituições, não só aos olhos do país, mas aos olhos do mundo”, referiu um analista político local ao tomar conhecimento da decisão do Ministério Público.
E tem toda a razão. É evidente que a forma como o processo foi encerrado não prestigia em nada a Justiça sul-africana, principalmente quando se sabe que este país é considerado a âncora democrática do continente. Independentemente de ser culpado ou inocente, Zuma nunca poderia ter-se apresentado ao pleito do dia 22.
As acusações foram graves demais para permanecerem no limbo. Antes de tudo o mais, e deveria ser seu ponto honra, Zuma tinha de provar a sua inocência, sem a qual não deveria nunca propor-se ao mais alto cargo da nação. Como é que se vai exigir que os sul-africanos não sejam corruptos se sobre o seu presidente pendem graves acusações de compadrio, esquemas ilícitos, desvios de fundo e corrupção?
Se é este o exemplo que vem de cima o que se pode esperar dos que estão em baixo? Porque, para ocupar um cargo com as responsabilidades com que Zuma vai assumir nos próximos dias tem de se ser como a mulher de César: não basta ser sério é preciso parecer.