O voleibol em Moçambique é uma modalidade que aparenta estar conturbada devido à falta de união entre os seus fazedores que, vezes sem conta, lavam a “roupa suja” na esfera pública, desnudando o problema de gestão com que o edifício se debate. Nesta edição temos como entrevistado Camilo Antão, presidente da Federação Moçambicana de Voleibol (FMV), que, dentre outros assuntos, fala da saúde da modalidade e da instituição que dirige, para além de responder aos críticos que dizem que ele devia demitir-se, alegadamente por estar há bastante tempo na condução dos destinos do vólei no país.
@Verdade – Qual é o estado actual do voleibol em Moçambique?
Camilo Antão – No nosso entender, como federação, o vólei no país está num bom caminho no que diz respeito à promoção e à massificação. Mas temos o factor de rendimento que ainda é um grande obstáculo.
@V – Por que razões faz esse paralelismo?
CA – Por um lado, esta modalidade é praticada a nível de base onde temos o mini-vólei. Estamos também a desenvolvê- la nos diversos escalões como juvenis, juniores e seniores. Igualmente, é praticado com regularidade na disciplina de voleibol de praia, assim como o parco voleibol ou o de recreação.
Existe também no país o voleibol para deficientes. Por outro lado, temos a questão da profissionalização e da alta competição, duas abordagens que devem ser impulsionadas.
@V – Pretende dizer que não há profissionalismo no país?
CA – Neste momento não há. Precisamos de atletas que vivem somente para o vólei e que levem esta modalidade mais a sério. Temos falta de infra-estruturas, bem como de um pessoal que esteja a servir o voleibol a tempo inteiro. Refiro-me aos treinadores e ao pessoal técnico no geral. Mas tudo isto parte dos clubes.
@V – E o que pode ou deve ser feito para que tenhamos esse profissionalismo no país?
CA – Mudar as circunstâncias. Os clubes, por exemplo, precisam de campos e sedes. Porém, esta mudança passa necessariamente por uma reflexão conjunta no sentido de analisar o que tem de ser feito para despertar as pessoas para o vólei. É necessário que haja um trabalho de união a partir dos clubes até à própria federação, passando pelos governos locais e pelos municípios.
@V – Mas por quem deve ser construídas as infra-estruturas?
CA – Pelo próprio Governo.
@V – Qual é o ponto de situação das províncias nesta modalidade?
CA – O vólei existe no país. Nas províncias de Manica, Nampula, Zambézia, Sofala e cidade de Maputo as competições são regulares. Nos restantes pontos existe uma tendência de desenvolvimento da modalidade como, por exemplo, na província nortenha de Cabo Delgado, onde há o mini-vólei de praia.
@V – E qual é o ponto de situação nas províncias onde não se pratica o vólei?
CA – Estão a trabalhar ainda na iniciação e algumas ainda na recreação. Na província de Maputo o voleibol está concentrado ainda na iniciação das duas disciplinas (praia e de sala).
Em Gaza e Inhambane temos uma situação similar. Situação complicada está em Tete e Niassa, onde não existem associações provinciais.
@V – Significa que a visão do voleibol nacional é a formação?
CA – Sim.
@V – E porque não apostar nos seniores?
CA – Temos de garantir o futuro. Não pretendo com isto dizer que pusemos os seniores de lado. Não. Trabalhamos com eles e alguns estão a dar resultados desejáveis, mas é preciso garantir que mais pessoas daqui a alguns anos estejam a praticar o vólei.
@V – E qual tem sido o papel da federação neste capítulo da massificação e formação de novos talentos?
CA – A federação investe muito mais em material, como bolas, equipamento e redes. Temos muito material por oferecer.
@V – De onde vem esse material?
CA – Foi-nos oferecido pela Federação Internacional de Voleibol. Porém, dentro do nosso território, temos sérias dificuldades em tirar esse material do porto uma vez que temos tido falta de fundos para o desalfandegamento.
@V – Quais são neste momento os problemas que assolam o vólei a nível nacional?
CA – Os problemas partem da própria federação que não tem sede para o seu funcionamento. Não tem um secretário técnico que trabalhe a tempo inteiro e não tem sequer um campo ou pavilhão para a prática do voleibol.
@V – E os desafios?
CA – Massificar a modalidade para encontrar novos talentos, embora já estejamos a trabalhar nesse sentido; melhorar o marketing para encontrar mais patrocinadores ou seja, vender cada vez mais o nosso produto; melhorar a qualidade de treino dos clubes porque precisam de levar a sério a modalidade; aumentar o número de competições nacionais bem como a nossa participação internacionalmente; leccionar cursos variados sobre o vólei de praia; lutar para termos árbitros internacionais; colocar atletas de ponta a jogarem fora do país sobretudo onde o voleibol é mais a sério; ter instalações permanentes, como sejam campos onde se pratica vólei com o tapete original da modalidade e melhorar as condições das nossas praias no capítulo da limpeza e bancadas.
@V – A federação, como instituição, respira boa saúde?
CA – Ela é estável. Temos os órgãos deste organismo a funcionar devidamente. Há união, harmonia entre os membros de direcção e há trabalho. Porém, há que frisar que a federação sente a falta de um secretário técnico.
@V – E como é que funciona sem essa figura?
CA – Através de voluntários. Mas também dentro do corpo directivo há quem acumula as funções de modo a não parar com os nossos projectos.
@V – E para que serviria um secretário técnico?
CA – Para os aspectos técnicos, como lidar com a organização dos eventos, trabalhar directamente com as selecções. Não que isto tenha uma ligação directa com a falta de um secretário técnico, mas a federação não tem uma página na Internet e não tem como enviar comunicados de imprensa por via electrónica, o que dificulta a nossa publicidade e articulação com os media.
@V – E a nível de contas?
CA – Temos dinheiro mas não o suficiente. Temos patrocinadores mas não o desejável. Contamos também com apoio do Fundo de Promoção Desportiva (FPD).
@V – Por falar no FPD, quanto é que recebem daquela instituição?
CA – Neste momento não posso precisar, não sou bom a fixar números.
@V – Ainda assim, tem sido suficiente?
CA – De 2011 a esta parte não. No ano passado foi gasto no âmbito da nossa preparação e participação nos X Jogos Olímpicos. Aliás, o Comité Organizador dos Jogos Africanos (COJA) deve-nos dinheiro. Tivemos de usar o nosso dinheiro para custear uma série de despesas.
Em 2012, o fundo que recebemos do FPD serviu para a participação do país nos torneios internacionais qualificativos para os Jogos Olímpicos na cidade de Maputo, na Namíbia, na Argélia, no Ruanda e no Marrocos. Utilizámo- lo também para o nosso estágio no Brasil. Algumas dessas despesas foram suportadas por mim.
@V – Quanto é o que COJA deve à federação de vólei?
CA – Cerca de 300 mil meticais.
@V – E o dinheiro disponibilizado pelo FPD custeou somente essas actividades?
CA – Não. Vamos leccionar um curso de voleibol de praia e adquirir mais equipamento desportivo, para além de pagar os direitos aduaneiros. Temos em vista também a realização do Campeonato Nacional de Voleibol em Janeiro.
@V – E como tem sido a relação com os patrocinadores? Será que a FMV tem apoio que não seja do Governo?
CA – É preciso perceber a génese da própria federação. Ela nasceu só com o apoio de patrocinadores e até hoje continuamos a trabalhar com eles. Realizámos recentemente o Campeonato Nacional de Voleibol apenas com o apoio dos nossos parceiros.
@V – A FMV é sustentável?
CA – Sem o apoio do Governo nós podemos existir só com os nossos patrocinadores. O único obstáculo estaria na participação internacional das nossas selecções.
@V – Quem são os patrocinadores da FMV?
CA – Nós já tivemos bons momentos neste capítulo. Mas neste momento trabalhamos com a Mcel, o Standard Bank, a TVSD, a Coca-Cola e com tantos outros.
@V – Existe algum segredo para a federação contar com tanto apoio do sector privado?
CA – Vender o nosso produto que neste momento é o voleibol de praia.
@V – Qual é a abordagem que faz das competições internas?
CA – Precisamos de melhorar. Há necessidade de se trabalhar mais a nível provincial e nacional. Precisamos de mais eventos como o intercâmbio que existe entre as províncias de Manica e Sofala, que regularmente põem as suas equipas a competir entre si.
Há que referir que temos os campeonatos nacionais que temos organizado regularmente com o envolvimento de todas as camadas nas disciplinas de sala e de praia. Neste momento estamos a pensar em introduzir a Taça de Moçambique e a Supertaça.
@V – Para quando a introdução dessas competições e porque até hoje não as temos?
CA – A partir do próximo ano. Tudo passa por uma questão de planificação e estarmos bem financeiramente. Mas como deve saber, o nosso elenco gosta mais de trabalhar do que de falar, portanto, quando tivermos o apoio necessário, voltaremos para anunciar esses dois eventos.
@V – E as competições internacionais?
CA – Temos participado nos campeonatos regionais da Zona IV e recentemente nas qualificações para os Jogos Olímpicos. Não voámos mais por falta de fundos. Neste momento estamos a preparar a participação de quatro clubes nacionais, três masculinos e um feminino no torneio Clube dos Campeões de África, que vai decorrer na capital da Zâmbia, Lusaka, entre os dias 17 do mês em curso a 25 de Novembro.
@V – E qual tem sido a prestação de Moçambique nessas participações no que concerne aos resultados?
CA – Temos conquistado várias medalhas a nível da Zona IV. Conquistámos recentemente a medalha de bronze numa competição mundial e hoje estamos em terceiro lugar no ranking africano do voleibol de praia feminino.
@V – Mas porque não marcámos presença nas Olimpíadas de Londres?
CA – O nosso nível de rendimento ainda é muito baixo comparativamente aos nossos adversários.
@V – No voleibol de praia?
CA – Logicamente.
@V – Há uma percepção de que a FMV aposta mais no vólei de praia. Porquê?
CA – O vólei de praia é uma disciplina menos dispendiosa. Jogam apenas dois atletas por cada equipa.
@V – Quais são neste momento os projectos da federação?
CA – Continuar com os cursos de formação de treinadores, dos árbitros em matérias de voleibol de praia e de sala. Um vai decorrer na cidade de Maputo a partir do dia 30 do mês corrente até ao dia 06 de Novembro.
Pretendemos também realizar um curso de mini-vólei nacional em Maputo, mas estamos reféns da falta de dinheiro para a deslocação e estadia dos participantes das províncias na cidade capital, Maputo. O mesmo será leccionado por dois treinadores da Inglaterra.
Queremos promover ainda mais o mini-vólei, sobretudo o de sala, e introduzir no desporto moçambicano um patrocinador internacional com interesses económicos no país. Queremos ainda trazer a Moçambique o campeonato do mundo da modalidade e atingirmos os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016.
@V – Fala de falta de fundos, mas diz que a federação é sustentável. Não é um paradoxo?
CA – Os nossos patrocinadores apoiaram recentemente a organização do campeonato nacional. Entendemos que eles também têm limitações.
@V – O que é que esse parceiro internacional irá trazer de novo?
CA – Vamos formar uma selecção juvenil de vólei de praia, descobrir mais talentos nas escolas e nos clubes para fortificar as nossas selecções. Poderemos profissionalizar o voleibol nacional, desenvolver protocolos com as universidades de modo a desenvolver o desporto com bolsas de estudo e massificar ainda mais o vólei nas comunidades. Iremos colocar os nossos jogadores fora do país.
Com essa parceria, poderemos também realizar estágios de pré-temporada antes do início de grandes competições internacionais bem como realizar vários jogos amigáveis com equipas e selecções brasileiras. Existe a possibilidade de desenvolver o vólei para os deficientes e o Brasil poderá contratar atletas moçambicanos.
@V – E quem é esse parceiro?
CA – Não posso revelar o nome.
@V – É brasileiro?
CA – Sim.
@V – Para quando a formalização da parceria?
CA – Devia ser este ano, mas ainda não nos encontrámos, estamos à espera deles. Devem chegar ao país brevemente.
@V – E o que ele ganha com esta parceria?
CA – Com a publicidade e com os resultados que vamos alcançar.
@V – Está orgulhoso do trabalho que faz?
CA – Estou.
@V – Indicadores?
CA – De tudo quanto disse de positivo, acrescento a boa organização das competições de voleibol dos Jogos Africanos, a implementação do voleibol de praia, a boa relação de trabalho com o Ministério da Juventude e dos Desportos, FPD, Instituto Nacional Desporto, Comité Olímpico de Moçambique e com o Conselho Nacional dos Desportos.
Firmámos uma parceria com a Universidade Pedagógica e hoje podemos continuar a contar com os nossos patrocinadores. Congratulo-me também pela boa relação de trabalho que mantemos com a maioria dos associados. Graças à minha influência, temos hoje boas relações de trabalho com a Confederação Africana de Voleibol e com a própria Federação Internacional da modalidade.
@V – O elenco do Camilo Antão na direcção da FMV tem sido duramente criticado e é acusado de estar a amortecer a modalidade no país. O que tem a dizer?
CA – É muito fácil criticar do que ver as coisas positivas que acontecem e elogiá-las. Os que nos criticam destrutivamente não dão nenhum exemplo de trabalho e, felizmente, nós somos de trabalho e menos polémicas. Somos reconhecidos internacionalmente como bons gestores do voleibol e demos o exemplo nos Jogos Africanos. Eu convido os críticos a colaborarem e a trabalharem profissionalmente.
@V – É dos mais antigos dirigentes federativos que o país jamais viu. Para quando será a próxima assembleia- geral da federação para a eleição de novos órgãos?
CA – Em Fevereiro do próximo ano.
@V – Vai recandidatar-se?
CA – Quando foi criada a lei que obriga os dirigentes federativos a serem reeleitos apenas uma vez, decorria o actual mandato. Vou submeter a minha recandidatura.