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Viajar com o coração nas mãos!

Viajar com o coração nas mãos!

Vinte anos depois, embora de forma ilegal, o recurso às camionetas de caixa aberta para o transporte de passageiros retornou à zona urbana de Maputo. @Verdade acompanhou os dramas e os riscos a que milhares de munícipes se sujeitam para chegar ao destino: são viagens feitas com o coração nas mãos.

O filme repete-se todos os dias úteis nas horas de ponta. Os protagonistas são sempre os mesmos e os cenários também: homens, mulheres e crianças digladiam-se para encontrar um transporte que os leve ao destino.

Esperam por um chapa normal, mas viajam em camionetas de caixa aberta, concebidas para o transporte de mercadorias, sem condições de segurança e geralmente em estado avançado de degradação. Tem sido assim, nos últimos anos, principalmente desde 2008.

Todos sabem dos perigos que correm. Mas não há alternativas viáveis. Os autocarros normais demoram tanto e nalgumas vezes nunca chegam. Estão cada vez mais raros e não se cansam de encurtar as rotas. São histórias que acontecem em qualquer paragem.

Antes, estas camionetas de caixa aberta eram mais comuns nos bairros periféricos. Agora a acção decorre na zona urbana, particularmente nos terminais do Museu da História Natural, Anjo Voador e da Praça dos Trabalhadores na baixa de Maputo.

O Governo deve agir de imediato Terça-feira. São 17 horas e estamos na paragem Anjo Voador. Entre as demais pessoas encontramos Titos Alfredo. Como tantos outros, Alfredo, de 35 anos, residente em Albasine e balconista numa loja na baixa da cidade de Maputo, gostaria de viajar em boas condições, mas sabe que tal não passa de utopia. “Não me importa como irei para casa.

Interessa-me apenas que chegue lá. Apesar de ser difícil já me habituei à situação”, desabafa conformado. No mesmo diapasão alinha Aguiar Tembe morador de Zimpeto. De 28 anos, não espera dias melhores nos transportes urbanos e responsabiliza o actual Executivo pelas difi culdades.

“Tínhamos esquecido estes carros. Faz tempo que não víamos crises assim”, diz e acrescenta: “algo deve estar a falhar em torno das políticas de transporte. Não faz sentido, 35 anos depois da independência, continuarmos a carecer de condições tão básicas. A meu ver o Governo deve agir logo com acções concretas e não com as rotineiras falsas promessas”.

Pouco passava das 18 horas e a noite caía. A pouco e pouco a paragem fi cava vazia. Antes de abandonarmos, ouvimos Julieta dos Santos, uma mulher de 24 anos, activa e simpática. Diariamente apanha o transporte por ali. Segundo as suas palavras, a rotina é sempre a mesma.

“Nada me surpreende. Aliás, é sempre assim em todas paragens da cidade. Mesmo com os riscos que representam, as carrinhas de caixa aberta têm sido a alternativa ideal. Graças à iniciativa dos seus proprietários chegamos em boa hora nas nossas casas. Não sei o que seria se tivéssemos de depender só dos chapas”, comenta.

Enquanto conversamos, ao lado uma camioneta de marca Toyota recolhe passageiros. “Tenho de partir com este automóvel. Pode ser o último e não devo ficar mais”, disse a jovem em jeito de despedida.

Eram 19h15 quando cada um de nós seguiu o seu rumo. No dia seguinte, como sempre, Julieta voltará à cidade com o coração nas mãos.

É um passatempo “Não olho para isto como um negócio sério porque as autoridades governamentais não deixam. De momento sirvo esta actividade só para passar o tempo. O que ganho daqui é muito pouco, mas consigo resolver alguns problemas pontuais”, quem o diz é Dionisio Afonso, proprietário de uma viatura branca de marca Toyota Canter.

Além de pessoas, nas horas vagas transporta material de construção, principalmente areia e blocos. Tal como Dionísio, outro motorista disse igualmente que o transporte de pessoas serve apenas para ocupar o tempo, pois tem outras tarefas.

“Só faço isto às segundas, quartas e quintasfeiras quando estou livre”. Há também quem o faça por altruísmo. Que o diga Xavier, um funcionário público de 50 anos, proprietário de uma carrinha ligeira.

“Fico muito sensibilizado quando vejo as paragens superlotadas e para ajudar a minimizar o sofrimento dou boleia. Cobro cinco meticais por cada indivíduo”, justifica, sorridente, Xavier.

O retorno

Concebida para pouco mais de 900 mil habitantes, a cidade de Maputo alberga actualmente, dois milhões de pessoas, segundo o censo populacional de 2007. Muitas delas trabalham ou estudam na zona urbana. Os transportes públicos quase não existem, por isso nasceram os “chapas”, uma rede de transportadores privados que minimizam a escassez dos autocarros.

Num universo de aproximadamente um milhão de munícipes que diariamente se sujeitam às mais adversas condições para se deslocar de um sítio para o outro, os TPM, Transportes Públicos de Maputo, transportam apenas 75 mil, o equivalente a 8,3%.

“Nos próximos dias, com o reforço da frota, a nossa perspectiva é aumentar para 80 mil passageiros por dia”, afi rma o presidente do Conselho de Administração da empresa acrescentando a seguir que, “para minimizarmos o problema, precisaríamos mais ou menos de um reforço de 180 autocarros”.

Com pouco menos de 2.500 viaturas, contra os actuais 189 autocarros dos TPM, apesar da anarquia que reina nos “transportes semicolectivos de passageiros”, sobretudo o encurtamento de rotas, mas também na forma arbitrária como tratam os utentes, quase sempre sem o mínimo de respeito pela dignidade humana, o transporte de passageiros na cidade de Maputo é suportado pelos operadores privados, na sua maioria em veículos de 15 e alguns poucos de 27 lugares.

Por via de um diploma legal de 14 de Setembro, em 2004, o Governo proibiu o transporte de passageiros por viaturas de 15 lugares e, desde essa altura, estas têm vindo a escassear paulatinamente.

É nesse contexto que a partir de 2008, cerca de 20 anos depois de estarem fora de circulação da urbe, surgem novamente as carrinhas de caixa aberta enchendo as avenidas da cidade.

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