A Presidente da Assembleia da República (AR), Verónica Macamo, que chegou ao Parlamento de um carro comum à tomada de posse, vai passar a deslocar-se de um Mercedes Benz S500 topo de gama que vai custar cerca de 500 mil dólares (14 milhões de meticais) aos cofres da AR. Uma exuberância permitida num contexto em que os moçambicanos são transportados como gado.
O discurso é de contenção, mas os actos dos dirigentes revelam outra coisa. Uma fonte do parlamento referiu ao @Verdade que se trata de um carro protocolar e que a actual Presidente da Assembleia desloca-se num veículo muito abaixo daquilo a quem tem direito. “Agora usa um Mercedes Benz S300”, refere. Acrescenta: “o normal seria usar o S500 e deixar o actual para as suas saídas de campo”.
O valor para adquirir o S500 dava para comprar, na Tata Moçambique, quatro autocarros. Porém, no mercado internacional o número subiria para seis. Portanto, o luxo de Verónica Macamo priva os moçambicanos de quatro autocarros que poderiam transportar 320 moçambicanos. @Verdade teve acesso ao documento que solicita a viatura para o conforto pessoal de Verónica Macamo.
“O Secretariado-Geral da Assembleia da República solicitou a V.Excia a disponibilização de uma viatura protocolar, de marca Mercedes Benz S500, blindada, para a sua Excelência Presidente da Assembleia da República”, lê-se.
Esperava-se, contudo, maior contenção nos gastos que visam dar conforto à Presidente da AR. Até porque, no início do corrente ano, a Comissão Permanente da Assembleia da República chegou a dar uma conferência de imprensa para anunciar austeridade.
Não se trata, no entanto, de um gasto acima do previsto. É um carro que a Presidente da AR tem direito por inerência de funções. Porém, é algo que vai contra o discurso vigente, sobretudo numa altura em que os moçambicanos enfrentam dificuldades extremas no que aos transportes públicos diz respeito.
Uma reportagem do @Verdade, na semana passada, dava conta do drama que enfrentam os residentes de Marracuene.
A simulação do impacto do custo de transporte para os residentes daquele populoso bairro constatou que uma pessoa gasta 40 meticais por dia. E no final do mês gasta qualquer coisa como 1200 meticais. Isso sem contar, para quem tenha, com os custos de transporte gerados pela escola dos filhos.
Actualmente, a maior parte dos bairros de Maputo debate- se com o mesmo problema: falta de transportes. Porém, por outro lado os dirigentes viajam no maior conforto.
Dava para comprar 80 autocarros
Recorde-se que, recentemente, o Estado gastou 304.805.827 meticais na aquisição veículos de “luxo” para os deputados da Assembleia da República em plena época de austeridade. Para aquisição de autocarros para transporte público não há soluções e os moçambicanos podem aguardar. Os deputados, ministros e PCA’s, esses, não podem esperar. O preço do transporte vai subir enquanto, do outro lado, há quem nem sequer compra o combustível para o carro comprado com os impostos dos contribuintes e dinheiro dos doadores.
Estes veículos foram adquiridos numa altura em que duas ambulâncias aguardavam pelo desalfandegamento para servir as populações de Chiúre e Ancuambe.
Na última legislatura (VI), o Estado comprou 250 viaturas de marca Ford Ranger, cabine dupla, para igual número de deputados da AR. Alguns deputados reclamaram alegando que as viaturas não eram resistentes para o tipo de trabalhos que desenvolviam no campo, no âmbito da fiscalização das acções do Executivo.
Aliás, “o Governo, mesmo com as ondas de choque da crise económica” anuiu à reclamação dos “representantes do povo”, oferecendo-lhes a prerrogativa de cada um escolher uma viatura de campo a seu gosto. O tecto está fixado em USD 17.500. Deste valor, o deputado paga durante a legislatura USD 7 mil (40%) para a alienação da viatura. Os remanescentes 60% são suportados pelo Estado. Em casos em que o preço da viatura está acima do chamado valor residual (USD 17.500), a diferença é paga pelo deputado. A directora nacional substituta do património do Estado, Argentina Maússe, informou que o processo de compra de viaturas para deputados para a presente legislatura iniciou em 2010. Segundo explicou, na primeira estão abrangidos os deputados que cumprem o seu primeiro mandato. “Nestes dois anos (2010 e 2011) vamos comprar 124 viaturas para igual número de deputados. Em 2012 vamos comprar mais 126 para outro grupo de deputados que neste momento estão a usar as viaturas recebidas na última legislatura”, referiu.
A compra de viaturas de forma faseada deve-se, segundo a interlocutora, às dificuldades financeiras que o país atravessa. Ou seja, o Estado não está em condições de desembolsar o montante necessário para a compra, de uma só vez, de 250 viaturas para igual número de deputados.
O luxo criou debates nas redes sociais
Depois do artigo publicado no Savana (primeiro semanário independente) – com o título “Deputados de luxo”, o qual informou que o Estado investiu, em plena época de austeridade, 304.805.827 meticais em meios circulantes para os deputados ‘fiscalizarem’ o Executivo –, despoletou um debate aceso nas redes sociais, sobretudo no Facebook e no Twitter.
O analista político Egídio Guilherme Vaz Raposo defende que os deputados têm direito a tais benefícios. Essas regalias, diz, não devem assustar ninguém. Aliás, “são uma ninharia comparadas com os outros da região e não só: comparado com outros cargos de direcção em que não é preciso ser eleito”, afirma.
Raposo vai mais longe e diz que há uma grande diferença entre regalias de ministros (pessoas não eleitas) e deputados (pessoas eleitas); a diferença entre deputados e presidentes de concelhos de administração (PCA) de empresas públicas ou a diferença entre o orçamento alocado para a manutenção, lubrificação e combustíveis dos carros da Presidência com o orçamento para aquisição dos carros dos deputados.
Outros usuários contrapõem alegando a mudança de mentalidade. Até porque, diz Nelson Scott: “Foram eleitos para servir e não para se servir! Deveriam ter os mesmos direitos e deveres de qualquer outro cidadão (…) É fácil aumentar impostos para os outros e isentar para si”. Ou seja, “Devem utilizar os seus próprios rendimentos para o consumo e investimentos (casa, carro, etc)”.
O jornalista Emídio Beúla, autor da peça que despoletou o debate, afirma que “a prerrogativa dada aos deputados de escolherem uma viatura a seu gosto merece a nossa preocupação. ”Justifica: “os deputados estão mais expostos à nossa crítica justamente por serem deputados: ou seja, são eles que devem fiscalizar o Executivo. Quando começam a exteriorizar os mesmos sinais de despesismo típicos do executivo e que deviam merecer a sua interpelação creio que não devemos calar.”
Edmundo Galiza Matos Júnior foi o único deputado que entrou no debate. O mesmo referiu que “há um orçamento que foi aprovado pelo Governo que inclui uma viatura para que o deputado justifique a sua presença no eleitorado durante os cinco anos do seu mandato.” Porém, “nunca ou pouco se fala das centenas de viaturas em ministérios, direcções provinciais, nacionais e distritais”.