De manhã, como sempre, Nhamizinga engoliu amargamente o pequeno-almoço e foi para a machamba que os seus pais deixaram de herança. A caminho, com a enxada no ombro, olhava para o planalto ligeiramente vegetado, os pássaros a cantar, e o sol escondido por detrás das nuvens espreitava como que não queria ser visto. Lamuriava, com a sua enxada, a difícil vida que levava.
A rua estava deserta, ouvia-se barulho de animais que ali caçavam as suas presas, mas ele continuava a andar pensativo, nada atormentava a sua cabeça, pois estava completamente cheia de sonhos. Chegado à machamba, sentou-se numa pedra enorme que ali havia.
O tempo já estava ensolarado e quente, o sol batia-lhe nas costas. Posou a enxada no chão e colocou as suas mãos na cabeça. Olhou timidamente para o céu, como quem não esperava algo vindo do além. “Que raio de vida eu levo! “, disse com olhar sombrio. Levantou-se, pegou na enxada e pos-se a cultivar. O trabalho que ele fazia para tornar fértil a terra parecia desnecessário, a terra estava seca, parecia que haviam algamassado. Fazia anos que não chovia. O ódio pela terra elevava-se a cada esforço que fazia para torná-la fértil. Por alguma razão Nhamizinga acreditava que os seus antecessores estavam zangados, por isso é que não chovia. Decidiu então buscar ajuda do seu melhor amigo, o padre João de Deus que o tornou esse homem de sonhos utópicos que era.
– Bom dia, sr. padre – cumprimentou a um padre que estava ajoelhado dentro da igreja – posso falar com o padre João de Deus? – Bom dia, filho – respondeu o padre – o padre João está no sacrário. Talvez esteja a conferir as hóstias. Senta-te ali, vou chamá-lo. – Obrigado – agradeceu Nhamizinga com um ar triste e preocupado. Sentou-se , observava outros padres que ali estavam. Olhava a roupa que traziam, reparava na sua pele escura como a madrugada do inverno e comparava com as dos padres. Em certo instante pensou em tornar-se um padre, pois assim não se preocuparia com a sua família e muito menos trabalharia na machamba. As horas passavam, o padre João não aparecia e Nhamizinga entontecia. Olhava para os lados, levantou-se e foi para perto de uma imagem da Imaculada.
Tocou na estátua, como quem esperava uma reacção. Aproximou-se do padre que acendia as gigantescas velas e perguntou-lhe: – Sr. padre, esse vosso deus é branco como vocês, né? O padre, perplexo com a pergunta, perguntou-lhe: – Porquê essa pergunta? – Olhe só para estas imagens que vocês têm por aqui – dizia Nhamizinga apontando para as estátuas que decoravam a igreja – são pessoas brancas como vocês. Embaraçado, o padre olhou para cima, como quem pedia sabedoria do alto para lhe convencer. – Bem…filho. Hem, hum … essas informações não dizem respeito a um sacristão como eu. Portanto, não sou a pessoa indicada para falar disso. Com olhar desconfiado, Nhamizinga pronunciou distintamente:
– O vosso deus deve ser branco e é por isso que não me ouve. O padre injuriado, disse: – Isso é um sacrilégio – as palavras do padre soaram como um estrondo e acordaram o silêncio que dormia no sono profundo e tranquilo. O padre virou as costas, levantou as mãos para o céu e disse para a batina castanha: “Ó meu Deus, perdoe este analfabeto, para além de ser preto, é ignorante”, e pôs-se a andar. Nhamizinga, pasmado, olhou perplexo para o padre perguntando- se: “O que foi que eu disse demais?”