Conheci-te em 2008, quando o sol duro e inclemente da Munhava fritava as nossas cabeças. O colete cinzento, essa indumentária que torna os jornalistas em campanha imediatamente reconhecidos, desmascarou-nos e, antes de sabermos qualquer coisa um do outro, soubemos que éramos colegas. “Amin Nordine”, disseste tu estendendo-me a mão. E acrescentas-te, como se fosse preciso: “Também estou no jornalismo.”
Sim porque não se é jornalista, está-se no jornalismo, como se fosse um mundo em que se pudesse entrar e sair quando se quisesse.
Puro engano teu, caro Nordine. Neste mundo, este bicho terrível que é o jornalismo, não nos sai do corpo assim por dá cá aquela palha. Do teu só se apartou naquela madrugada de sábado, dia 5. Do meu há-de sair também um dia quando chegar a minha hora.
Mas, naquela manhã de Novembro na Munhava, a temperatura política subia pelo menos tanto no termómetro como a temperatura ambiente.
Os dois esperávamos a chegada do candidato independente, Daviz Simango, que dali, da improvisada sede, iria sair para mais um intenso dia de campanha. Tu irias em reportagem para o ‘Vertical’. Eu para este jornal onde me mantenho até hoje.
Fomos falando e, pela conversa, ou não fosses tu um rebelde, percebi que simpatizavas com o candidato que pela primeira vez desafi ava os dois maiores partidos deste país.
Este ineditismo provocador era, aliás, a tua cara, uma cara que nunca teve duas caras. E, provavelmente por isso, acabaste como acabaste: só, alcoólico, doente, de mal com a vida e com o mundo.
Perguntaste-me se eu precisava de um correspondente na Beira. Fiz-te saber que já estava servido mas tu não desististe e telefonaste-me várias vezes.
Dizias com desdém do alto dos teus livros publicados: “Esses pretos não sabem escrever!” Acedi e prometi-te publicação mas os teus textos nunca chegaram.
Depois, fiquei muito tempo sem saber de ti até apareceres em Maputo, onde passei a ver-te em lançamentos de produtos culturais de todos os géneros. Nessas ocasiões eras daqueles que, após dois copos – e nessas circunstâncias havia sempre copos – tornavas-te incómodo, inconveniente, e até desagradável.
Estivesse quem estivesse, falavas alto, de uma forma destemida e desassombrada. Não me esqueço dos impropérios que dirigiste ao Primeiro-Ministro e a outros altos dignitários na inauguração da exposição fotográfi ca dos 35 anos da independência nacional.
Quem te mandou calar recebeu ainda mais insultos. Depois, viraste-te para a assistência como quem diz: – ‘Vocês só não falam assim por medo’.
No final berraste para o outro lado da sala onde eu me encontrava: – ‘Ó Almada! Dá-me cinco paus para o chapa’! Dei-te dez com a promessa de ser mesmo para o chapa.
É certo que desapareceste imediatamente na escuridão da noite mas até hoje não sei se realmente apanhaste o chapa ou foste para a barraquinha mais próxima mergulhar as mágoas no álcool como frequentemente fazias. E, agora que partiste, fiquei sem ninguém para desvendar o mistério.