Moçambique ainda não se refez das cheias que no início de 2015 deixaram o país inundado e sitiado e já se avizinha uma nova época de chuvas, a partir de Outubro, com previsão de cheias, entre os meses de Janeiro e Março de 2016, nas bacias hidrográficas de Mutamba e Inhanombe (na província de Inhambane), Púnguè (na província de Sofala) e do Licungo (na província da Zambézia). “O importante é nós aprendermos como sociedade que nós estamos num país vulnerável tanto às cheias como às secas”, afirmou ao @Verdade a directora nacional de águas, à margem do 2º Fórum Nacional de Antevisão Climática onde algumas das instituições que lidam com a gestão da época chuvosa deixaram a descoberto que além de obras de emergência muito pouco foi feito pelo Governo moçambicano para prevenir mais uma calamidade natural que se avizinha.
Os residentes do município de Mocuba tentam apagar da sua memória o dia 12 de Janeiro de 2015 nas estradas, pontes e mesmo nas linhas de transporte de energia eléctrica continuam visíveis os danos causados pelas cheias que deixaram restos de destruição em toda província da Zambézia, e afectando directamente 150.839 pessoas, destruindo completamente 8.797 habitações e causando a morte de 137 moçambicanos.
Na província de Nampula 195.386 pessoas foram directamente afligidas pelas chuvas, que causaram a morte de cinco pessoas e danificaram totalmente 17.905 casas.
As províncias de Cabo Delgado e Niassa também foram maltratadas pelas cheias e inundações que em todo o país afectaram 421.557 pessoas e mataram 163.
O rasto de destruição começa em dezenas de milhares de habitações, passa por pelo menos três mil escolas danificadas, e danos em várias pontes e centenas de quilómetros de estradas. Pelas contas do Governo a reconstrução pós-cheias de 2015 custará pelo menos nove milhões de meticais que não estavam previstos no Orçamento do Estado.
EN1 na Zambézia só será reparada a partir de Outubro
A reconstrução definitiva das infra-estruturas destruídas tarda mesmo na única estrada que permite a ligação sul-centro-norte de Moçambique.
As obras nas pontes sobre os rios Licungo, Namilate, Mutuasse, Nivo e Mudora, na Estrada Nacional nº1(EN1) só devem iniciar com a nova época chuvosa, em Outubro, e deverão alongar-se durante o pico das chuvas, referiu em entrevista telefónica o delegado na Zambézia da Administração Nacional de Estradas(ANE), Daniel dos Santos, que entretanto tem confiança na capacidade dos empreiteiros de solucionarem uma eventual situação que uma nova cheia possa originar. “As obras no corredor Nampevo/Ile/Gurúe/Magige/Cuamba estão em curso neste momento, e boa parte delas já estará em grande medida feita na época chuvosa (2015-2016)”, afirmou o Daniel dos Santos que ainda esclareceu que neste momento o corredor, na Estrada nacional nº103(EN103), está transitável.
De acordo com a fonte, neste troço serão também montadas cinco pontes metálicas em Mutuasse, Ualasse, Icípua, Cogola e Nuhusse onde a EN103 havia ficado cortada.
Entretanto, o distrito de Namarrói continua sitiado devido a danos em quatro infra-estruturas. O delegado ANE na Zambézia assegurou que ainda durante o mês de Setembro será reaberto o tráfego rodoviário no corredor Ile/Namarrói.
A nossa fonte acrescentou que serão também reparadas as vias de acesso aos distritos de Molumbo, Mulevala e Derre.
Diques indefesos
Vulneráveis à força da água estão também os diques de defesa em alguns rios onde se esperam novas cheias.
Dos 30 quilómetros do dique de Nante, no rio Licungo, apenas 2,8 quilómetros foram reabilitados enquanto se mobiliza financiamento para a intervenção de toda a extensão da represa. O açude de Nicoadala, no Zambeze, ainda aguarda pela reabilitação dos seus 42 quilómetros para a reposição do nível de protecção. “Nós acreditamos que no mês de Novembro já teremos fundos para continuarmos o reconstruir o dique de Nante”, afirmou em entrevista ao @Verdade a directora nacional de águas, Susana Saranga.
“Os diques fazem parte das medidas que nós temos que desenvolver para reduzir a nossa vulnerabilidade às cheias”, esclareceu Susana Saranga que justificou o atraso com a demora na mobilização dos recursos financeiros necessários. A título de exemplo, só este ano foram repostos os 168 quilómetros dos diques do Chókwè e Xai-Xai, na bacia do Limpopo.
“O atraso no desembolso de fundos” é também uma preocupação do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), manifestada durante o 2º Fórum Nacional de Antevisão Climática, que decorreu na semana passada em Maputo, pois “afecta o pré-posicionamento dos meios de busca e salvamento”. A directora nacional de águas explicou ainda que “o problema principal com as cheias em Moçambique não se resolve só com infra-estruturas, resolve-se também com atitude que nós (moçambicanos) temos com relação a este ciclo hidrológico. Se eu sei que o baixo Nante é uma zona naturalmente vulnerável porque é que mantemos a população ali? Se a população está ali então vamos educar a população para quando vier o aviso de cheias ter de se retirar imediatamente e ir para as zonas seguras”.
Formação e educação das populações e órgãos locais, a todos os níveis, como medidas de mitigação do impacto das cheias (e de outras calamidades naturais) foram as conclusões apresentadas igualmente pelo INGC neste Fórum.
Risco de cheias nas bacias de Mutamba, Inhanombe, Púnguè e Licungo
Moçambique está sob influência do fenómeno climático conhecido por El Niño, que deverá durar até Março de 2016, e que é associado à queda irregular (com tendência para abaixo do normal) de chuvas sobretudo nas zonas centro e sul do país.
O Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) prevê, para os meses de Outubro, Novembro e Dezembro, a possibilidade de ocorrência de “chuvas normais com tendência para acima do normal em toda a extensão das províncias de Niassa, Cabo Delgado, Nampula, e norte da província da Zambézia; Chuvas normais com tendência para abaixo do normal em toda a extensão das províncias de Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza, Maputo e sul da província da Zambézia”.
O INAM divulgou no 2º Fórum Nacional de Antevisão Climática que para os meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2016, há uma maior probabilidade de ocorrência de “Chuvas normais com tendência para acima do normal nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e norte a leste do Niassa; Chuvas normais com tendência para abaixo do normal para a parte oeste da província do Niassa e a totalidade das províncias de Tete, Zambézia, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo”.
À margem do Fórum o @Verdade questionou o director do INAM as razões da falta de informação sobre o tempo diariamente nos distritos e municípios, e nem mesmo naqueles mais vulneráveis às calamidades naturais. Atanásio Manhique explicou que a informação diária do tempo ainda se limita às capitais provinciais devido à falta de estações meteorológicas nesses locais, cada uma delas implica um investimento de 10 a 20 mil dólares norte-americanos (cerca de 400 a 800 mil meticais), mas está previsto até 2019 alargar para 90 o número de estações para a previsão do tempo em Moçambique.
Campanha agrícola deverá ser boa nas regiões Centro e Norte
Depois de as cheias de 2014 e 2015 terem causado danos em 176.500 hectares, dos 5.547.476 semeados, o Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), analisando a previsão climática para 2015/2016, espera “uma campanha agrícola relativamente boa nas regiões Centro e Norte”; porém, não descarta a ocorrência de situações extremas.
Entre Outubro e Dezembro deste ano o MASA prognostica que, devido ao índice baixo de satisfação das necessidades hídricas das culturas, tal situação poderá “originar stress hídrico e influenciar negativamente” a campanha agrícola.
Já nos primeiros três meses de 2016 o MASA espera um “impacto positivo da precipitação nas culturas” particularmente nas províncias de Manica, Sofala e Zambézia.
O Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar recomenda aos camponeses da região Sul “sementeiras tardias e uso de variedades de ciclo curto, principalmente no período Janeiro, Fevereiro e Março”.
Para os agricultores nas regiões Centro e Norte de Moçambique o MASA recomenda o “uso de variedades de ciclo médio e longo e sementeira normal a partir do mês de Novembro/Dezembro”, sem no entanto esquecer as zonas onde podem eclodir pragas/doenças.
O Fórum Nacional de Antevisão Climática (FNAC) é constituído pelo Instituto Nacional de Meteorologia, pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, pela Direcção Nacional de Águas, pela Direcção nacional de Saúde Pública e ainda pela Direcção Nacional de Agricultura e Silvicultura.