Chama-se Lídia António da Silva Tembe, e nasceu no dia 25 de Junho de 1952 no bairro da Malhangalene, na antiga cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo. Pode-se dizer que o seu nome está ligado à história da aviação moçambicana, não fosse ela uma das primeiras assistentes de bordo negras a trabalhar na antiga Direcção de Exploração dos Transportes Aéreos (DETA), as actuais Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).
A sua história começa em 1972 quando se candidata ao preenchimento das vagas anunciadas pela DETA, embora não soubesse que era para ser assistente de bordo. Quando teve conhecimento disso, desistiu dos exames psicotécnicos, que era a última fase do processo de selecção, por uma razão muito simples e nobre: “não estava interessada em deixar de estudar”.
Mas quis o destino que assim o fosse. A DETA contactou o Gabinete de Urbanização, onde ela fazia trabalhos extras no período da tarde (de manhã ia à escola), para “saber porque é que eu tinha desistido dos exames psicotécnicos. Convenceram-me a fazer os exames e fizeram-me acreditar que podia ter uma carreira brilhante. Falei com a minha mãe e ela apoiou-me”.
“Passei nos exames e no dia 25 de Junho de 1972, justamente no dia em que fazia 20 anos, fomos submetidas a uma formação de três meses, que decorreu em Inhambane. Éramos duas mas a outra, a Juvenália Muthemba, actual deputada da Assembleia da República, desistiu”, conta.
O primeiro voo
Após a conclusão do curso, em Setembro, era chegada a altura de começar a voar, o que aconteceu em Outubro do mesmo ano. O primeiro dia de trabalho de todo o ser humano é caracterizado por momentos de muita ansiedade e de nervosismo. Mas com ela foi diferente.
“O primeiro voo foi maravilhoso, não senti medo e muito menos nervosismo. Já tinha viajado de avião uma vez. Acho que isso ajudou-me bastante”.
A discriminação
Lídia Tembe afirma que a sua inserção na empresa não foi fácil, uma vez que o sector da aviação era, na altura, dominado por pessoas de cor branca e de elite, para além da discriminação que existia, afinal estávamos no período colonial.
“Houve fases difíceis pelas quais tive de passar. Chegou uma altura em que eu queria desistir. Havia algumas colegas que não gostavam de me ver a trabalhar, embora não me dissessem directamente. A única pessoa com quem podia contar era a minha chefe. Ela avaliava as pessoas em função do trabalho, competência, e não da cor ou extracto social. As minhas colegas eram filhas de polícias e de gente importante. Eu vinha do subúrbio”.
Esta fase só passou em 1974 quando foi constituído o governo de transição, que tinha Joaquim Chissano como Primeiro-Ministro, não porque as pessoas tinham mudado de comportamento, mas porque havia o receio de perder o emprego pois o país estava a dar passos rumo à independência.
“Com o aproximar da independência, elas (as colegas), começaram a temer pelos seus postos de trabalho e pensavam: esta a quem estamos a discriminar será a nossa chefe amanhã. Temos de tratá-la bem”.
Os episódios marcantes
“Eu sobrevivi por um milagre”, foi assim que Lídia Tembe respondeu quando questionada sobre se já tinha passado por momentos de tensão durante os trinta anos em que trabalhou como assistente de bordo.
Segundo conta, o pior episódio foi no dia 5 de Outubro de 1998 quando, durante a descolagem no Aeroporto Internacional de Mavalane, o motor do avião (Boeing747) começou a arder.
“Os passageiros não ficaram em pânico, o que nos ajudou bastante. O avião teve de voltar ao aeroporto. Os peritos da Boeing disseram que tínhamos sobrevivido por um milagre, pois naquelas circunstâncias a probabilidade de não acontecer uma tragédia é ínfima. O piloto e os passageiros foram heróis”
O outro momento não menos marcante deu-se durante uma transferência de presos para Nampula, no âmbito da Operação Produção. “Eu era a chefe das assistentes. Quando descolámos, um deles quis entrar na cabine de pilotagem. Agarrei o interfone e disse ao piloto para que não abrisse a porta”.
Do espaço para o banco da escola
Quando passou à reforma, em 2002, Lídia Tembe decidiu continuar a fazer aquilo que a natureza do seu trabalho não permitia: estudar. Concluiu o curso médio de Hotelaria e Turismo em 2005 e, em 2011, obteve o grau de licenciatura em Turismo e Gestão de Empresas Turísticas. Actualmente, é docente do Instituto Médio Politécnico, para além de ser delegada da 20LAM.
Houve alguma coisa de que não gostasse na altura em que era assistente de bordo?
Claro. Não suportava a ideia de ter de fazer a mala todos os dias. Quando a pessoa viaja, por mais que seja por umas horas, nunca sabe quando é que volta. Isso não é só com a tripulação, acontece também com os passageiros. Lembro-me de ter ficado três dias na cidade da Beira em 1974. Temos de estar preparados para pernoitar. Sempre sonhou em ser assistente de bordo?
O meu sonho foi lutar sempre pela vida. A minha mãe ensinou- nos a dar e a definir prioridades na vida, a não forçar as coisas, a lutarmos para alcançar os nossos objectivos, sem, no entanto, usar as pessoas como trampolim.
Qual é o seu prato preferido?
Bacalhau. Gosto também de cacana, embora não saiba preparar. Mas sempre que posso peço ajuda à minha mãe.
O que gosta de fazer nos tempos livres?
Gosto de cozinhar e cuidar da minha casa.
É casada?
Não, sou divorciada.
Tem filhos?
Sim, dois. O mais velho tem 28 anos e o mais novo vai fazer 21.
Foi fácil criá-los tendo em conta a natureza do seu trabalho?
Não foi fácil nem difícil. Gosto de comunicar e exijo humildade. Mas contei e ainda conto com a ajuda do pai. Apesar de estarmos separados continuamos a unir os nossos esforços em prol da educação dos nossos filhos. Não os disputamos. Conseguimos, ambos, dizer a mesma coisa à mesma pessoa, nunca coisas diferentes.
Passatempo
Ler, dançar e ir à praia. Uma coisa que eu prezo é conviver com os meus amigos e familiares.
Qualidade
Amor ao próximo.
Defeito
Sou muito perfeccionista. Gosto de ver as coisas certinhas. Acho que se deve ao facto de eu ter sido assistente de bordo. No avião tudo deve estar no seu devido lugar.
O que é que odeia?
O racismo e a mentira.
Uma figura
Joaquim Chissano. Ele marcou uma época das nossas vidas, e a mulher moçambicana. Admiro todas as mulheres, quer sejam do campo, da cidade, pobres, ricas, …