Na conversa que se segue, a conceituada bailaria moçambicana, Pérola Jaime, fala da sua experiência como artista, acabando por revelar as razões pelas quais nutre uma paixão especial pela mulher moçambicana. A motivação é profunda. Descubra-a…
Como se define a bailarina Pérola Jaime?
É uma batalhadora. Uma mulher atenta em relação à sociedade em que vive para que – na dança, a sua expressão artística – possa conseguir ler e interpretar os acontecimentos. Mas, também, Pérola Jaime é uma pessoa que se identifica com a mulher moçambicana – e as suas causas – pois, nos dias que correm, indefesa, esta classe social sofre.
Como é que a sua acção artística contribui para o desenvolvimento social?
Penso que no seu todo, a arte contribui imenso para a construção do Homem, na sua contextualização no tempo e no espaço, exaltando os seus valores como uma entidade portadora de cultura. Mas, no exemplo da dança, podemos afirmar que se trata de um conjunto de movimentos do corpo que nos ligam ao nosso ego – o nosso interior. Ela toca os nossos sentimentos e, assim, pode transformar o nosso carácter.
Tenho percebido que o povo moçambicano é rico em termos de diversidade cultural – o que, às vezes, nos dificulta a comunicação. Ora, se, com base num bailado, criarmos uma comunicação para informar os moçambicanos de diversas partes do país sobre um tema – como, por exemplo, as eleições que se aproximam – é possível atrairmos o público e transmitirmos essa mensagem. Com a dança, nós associamos o útil – a disseminação da informação – ao agradável, o entretenimento e animação cultural. É assim que, também, conseguimos informar e formar o Homem.
Como é que olha para a dança nos dias actuais no país?
Sinto que ao longo dos anos houve muitas transformações que se operaram gerando um impacto positivo na dança. Por exemplo, hoje, já existem centros culturais que apostam nessa expressão artística. Mas também há mais artistas que se dedicam à arte de bailar. Esse movimento desenvolvimentista manifesta-se um pouco por todas as formas de arte. Por isso, para mim, quem alega que não faz arte não é por falta de espaço, mas de vontade.
Criou um bailado com esse tema: o que significa Khapula Mulher?
A primeira expressão é Changana e na língua portuguesa significa Apressa-te Mulher. Trata-se de uma coreografia em que se pretende não só sublimar o papel da mulher, mas também estimulá-la para que acelere os seus passos com destino à total libertação dos males com que se debate.
A que males se refere?
Refiro-me à submissão perante o género oposto pois, para mim, a mulher que vive no campo não acompanha o desenvolvimento que a urbana está a alcançar. Ela, infelizmente, ainda tem um défice de informação referente aos seus (próprios) direitos e deveres. Em resultado disso, não tem como se defender das atrocidades que se lhe acometem.
Entre as mulheres, quem é a sua fonte de inspiração?
Não tenho dúvidas de que as mulheres moçambicanas – no seu todo –são batalhadoras. De qualquer modo, inspiro-me na Graça Machel e na Luísa Diogo.
Nessa luta pela emancipação da mulher, que resultados já foram alcançados?
A existência de personalidades como Graça Machel e Luísa Digo que, em vários momentos, demonstraram, meritoriamente, as suas capacidades, liderando várias frentes de desenvolvimento e tomando decisões, sempre que for necessário, é um exemplo de algumas conquistas.
Mas, nos dias actuais, a mulher moçambicana está presente em vários sectores. Ela é mecânica, jornalista, jurista, professora, o que dantes – nessa sociedade machista – dificilmente acontecia.
O que mais a impulsionou a direccionar as suas coreografias para a temática da mulher?
Eu sou filha de camponeses do distrito de Chibuto, na província de Gaza. A minha luta contra a escravidão feminina tem a ver com a minha experiência. Eu sofri muito!
Para dar uma vida melhor a mim e à minha família, o meu pai teve de partir para a África do Sul, de onde nunca mais voltou. Desde aquela época, comecei a enfrentar dificuldades. A minha vida foi dura porque, na minha casa, não havia homens para nos garantir a subsistência.
A minha mãe passou a dedicar-se às actividades de homens, fazendo tectos para palhotas. Ela fazia tudo, incluindo a agricultura, para garantir a subsistência da família. A minha solidariedade para com a mulher moçambicana partiu daí.
Então apoia a opinião segundo a qual a mulher não pode ser um objecto sexual?
Exactamente! A primeira razão é que acredito que ninguém é de ninguém, mas também, para mim, as mulheres devem ter acesso à instrução para que possam saber planear as suas vidas, reduzindo a dependência que têm em relação ao homem.
Tem uma mensagem especial para a mulher moçambicana?
Penso que as mulheres, mesmo aquelas que assim pensam, devem parar de fazer do seu corpo um instrumento de prazer. As mulheres devem apostar na escola, até porque nunca é tarde para se formarem. É muito mais importante que saibam que elas têm o direito à informação e à opinião em relação ao rumo que querem dar à sua vida.