Foi há uma semana que os residentes do bairro de Murrapaniua, na zona conhecida por “mata do Sr. Vieira”, na cidade de Nampula, viram as suas habitações destruídas pelo Conselho Municipal alegadamente construídas num espaço sem ordenamento territorial. Presentemente, a vida não é a mesma, pois o sentimento de perda está a causar mágoas profundas em mais de 500 famílias desalojadas. A adaptação à nova realidade está a ser dolorosa. É nesse misto de traumas, ressentimentos e revolta que este grupo de pessoas, agora sem tecto, vive.
Há seis meses a zona conhecida por “mata do Sr. Viera”, no bairro de Murrapaniua, em Nampula, era um espaço baldio. As pessoas que vivem ao redor do local queixavam-se de que aquele sítio albergava malfeitores. Num belo dia, quando passava pelas imediações, Lúcio Fernando, à semelhança de outros transeuntes, decidiu limpar um pedaço de terra e ergueu a sua habitação.
A partir daí, a ocupação do espaço ia-se sucedendo ao longo do tempo. Os que conseguiram obter um terreno maior vendiam uma parte e na outra construíam a sua moradia. O valor variava entre três mil e sete mil meticais. Num piscar de olho, o espaço ficou ocupado por inúmeras casas.
Quando os moradores daquele bairro emergente levavam a vida normalmente, foram surpreendidos com a chegada de máquinas para demolição do Conselho Municipal da Cidade de Nampula. Foi, na verdade, uma visita inoportuna. Não houve tempo para os residentes retirarem os seus pertences do interior das suas respectivas habitações. A edilidade destruiu todas as residências. Diga-se de passagem, o suor dos munícipes foi reduzido a nada.
Diante da nova realidade, o ambiente foi de grande emoção, provocando dor, ressentimentos e revolta. A equipa liderada por Castro Namuaca, edil de Nampula, deixou aquelas famílias em choro convulsivo. No local há quem tenha perdido os sentidos ao presenciar as demolições. Lúcio Francisco, uma das vítimas da destruição de casas alegadamente construídas num espaço sem ordenamento territorial, viu-se sem chão ao assistir ao sacrifício de uma vida reduzido a escombros. “Foram mais de oito mil meticais que investi na construção da minha casa, e hoje não tenho onde morar com a minha família”, disse.
Maria Amélia, uma das primeiras pessoas a ocupar aquele espaço, é também uma das vítimas do sucedido. De forma impávida assistiu ao sacrifício de mais de dois anos ser reduzido a nada numa fracção de minutos. Com lágrimas nos olhos questionou:
“O que é que nós fizemos para merecer isto?” Estélio Mário, de 20 anos de idade, afirmou que comprou o espaço na tentativa de ter uma habitação uma vez que arrendava uma residência precária, algures na cidade de Nampula. “A destruição das nossas casas foi feita na terça-feira (11) à tarde. Agora dormimos ao relento”, disse visivelmente triste com a situação.
Amstrong Jaime Camela é outro cidadão abrangido pela demolição. Admitiu que a edilidade teria avisado que ninguém devia erguer casas naquela zona no bairro de Murrapaniua porque estava iminente a elaboração dum Plano de Ordenamento Territorial no sentido de autorizar os munícipes a construir de forma legal. Porém, decorreram muitos dias sem que tal plano se efectivasse, o que levou “a população a construir”.
O secretário do bairro de Tcherene B, cujo nome não conseguimos apurar, tinha comunicado ao posto administrativo de Natikiri a fim de que este se inteirasse da ocupação do espaço que era uma mata, porém, ninguém de direito se manifestou. “Depois fomos surpreendidos com a máquina que veio destruir as nossas casas sem, no entanto, termos recebido um aviso prévio”, precisou a fonte visivelmente desapontada porque não tem condições para obter um abrigo para a sua família, composta por cinco pessoas.
Segundo Muze Matola, a demolição pode ter sido feita por recomendação de alguém do município como forma de usurpar os talhões. “Não vou sossegar enquanto não apresentar o acontecimento à Liga dos Direitos Humanos, delegação de Nampula. Temos filhos e netos que residiam connosco. Para onde vamos?”, questionou.
Os munícipes (agora sem abrigo) estão agastados com a indiferença da edilidade que não se tem dignado a esclarecer as reais causas que ditaram tal decisão que culminou com a destruição de casas de mais de 500 famílias. O sentimento de revolta originou manifestações que fizeram com que pelo menos 10 pessoas ficassem presas nas celas da Polícia Municipal. No domingo (16), duas senhoras foram detidas quando exigiam explicações ao presidente do Conselho Municipal, Castro Namuaca.
A insatisfação dos populares foi manifestada num encontro que Namuaca manteve com os proprietários das casas destruídas, tendo na circunstância a polícia detido as mulheres que, segundo apurou @Verdade, são naturais da província de Cabo Delgado. Para sair do local, o edil teve de ser escoltado pela Polícia da República de Moçambique (PRM).
No mesmo local, decorrem trabalhos visando o ordenamento territorial, mas sabe-se que depois da conclusão dos referidos trabalhos, os terrenos serão atribuídas às pessoas que manifestarem interesse junto ao Conselho Municipal, medida que vai impedir a ocupação do espaço por pessoas desalojadas.
O mais curioso é que a igreja pertencente à Missão Fé Apostólica em Moçambique não foi destruída, porque tem o aval da edilidade. Porém, o mesmo não aconteceu com dois cidadãos que depois de obterem licenças viram as obras de construção das suas respectivas moradias interrompidas. Entretanto, tudo indica que o tempo não háde curar as mágoas no seio da população.
O que diz o município?
O Conselho Municipal da Cidade de Nampula justifica a acção afirmando que o espaço está reservado ao parcelamento e posterior implantação de um hospital e outras infra-estruturas de utilidade pública. Todavia, o @Verdade apurou que o terreno em causa, ao invés de servir os propósitos avançados pela edilidade, foi atribuído a um empresário, em conluio entre os funcionários do município e alguns chefes de quarteirões.
Num comunicado de Imprensa do município enviado à nossa Redacção, lê-se a dada altura que o espaço tinha sido concessionado à EPICA, Lda. Entretanto, o Conselho Municipal encetou negociações com a empresa que culminaram com a desanexação de seis hectares para a implantação do Hospital Geral de Natikiri, outros seis para a construção da Escola Primária Completa de Muthimacanha, e 56 para parcelamento e posterior concessão aos munícipes.
O director do Departamento de Fiscalização no Concelho Municipal da Cidade de Nampula, Victorino dos Santos, disse que a aludida destruição foi feita em cumprimento da fiscalização em curso nos bairros daquela autarquia, visando dar lugar à implementação de um Plano de Ordenamento Territorial.
Entretanto, o @Verdade apurou igualmente que o município não dispõe de espaço para albergar as famílias desalojadas, decorrendo uma investigação para se descobrir e responsabilizar os funcionários que estiveram envolvidos na venda dos talhões ora na origem do mal-estar entre a edilidade e os munícipes.