Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Uma luta em vão

A história de Paulo Dias, de 28 anos de idade, que até à data da sua morte residia no bairro da Machava Socimol, no município da Matola, pode ser um sinal de que qualquer desarranjo na saúde de um ser humano deve ser motivo de preocupação e recorrer-se, imediatamente, a uma unidade sanitária a fim de ser examinado por algum especialista, pese embora haja alguns profi ssionais de saúde que talvez deviam ser sapateiros e nunca lidarem com a sanidade das pessoas. O jovem a que nos referimos tentou lutar para vencer uma doença letal – tumor maligno – mas não resistiu. E morreu agoniado porque há quem tentou brincar com o seu quadro clínico.

Semanas antes da sua morte, Paulo Dias concedeu-nos uma entrevista, na qual ele narrava o sofrimento pelo qual passava devido às dores que sentia. Nos seus depoimentos, o nosso interlocutor, cujos restos mortais jazem no cemitério de Lhanguene, em Maputo, manifestava um descontentamento profundo por causa de uma alegada incúria protagonizada alguns profissionais do Sistema Nacional de Saúde durante o atendimento de pacientes.

O jovem contou-nos que foi vítima de falta de humanismo por parte de um médico do Hospital Geral José Macamo, que após alguns exames somente com recurso a perguntas, para além de dizer que não se passava nada de grave, ainda quis saber se o seu paciente teve mesmo a coragem de faltar ao serviço por causa daquilo que ele (o terapeuta) chamava de dores ligeiras no pé. Para além de considerar a pergunta um contrassenso, o nosso entrevistado ficou desapontado e não teve mais dúvidas de que um doente pode morrer nas mãos de um terapeuta por falta de atenção e brio profissional.

“Só eu sei o quão valorizo o meu emprego mas naquele momento a prioridade era a solução para as dores insuportáveis que eu sentia”, disse-nos o jovem que presta serviços numa agência de despachante aduaneiro. Insatisfeito com o atendimento que recebeu no Hospital Geral José Macamo, ido do Posto de Saúde de Ndlavela, onde os técnicos lhe receitaram apenas alguns calmantes, na sua óptica que não resultaram em nada, Paulo Dias procurou pelo seu tio, por sinal, médico do Hospital Central de Maputo.

Na verdade, a doença que matou Paulo Dias não era ligeira: era algo sério. À medida que o tempo passava, o seu sofrimento piorava. “A partir de uma dada altura já não podia me deslocar normalmente”. Preocupado com o seu quadro clínico que tendia a deteriorar-se, o jovem submeteu-se a algumas análises, após as quais recebeu uma notícia triste, que dava conta de que devia ser submetido a uma cirurgia por causa de um tumor maligno no calcanhar. Caso contrário, teria poucos dias de vida.

Ninguém espera de receber uma notícia como essa, por isso, sem medir esforços, a pessoa a que nos referimos cumpriu o tratamento e passou dias acamado no Hospital Central de Maputo. Quando teve a alta, e antes de estar totalmente restabelecido, as más notícias continuavam a chegar: Paulo Dias recebeu um telefonema do seu serviço a comunicar que estava despedido. Ele ignorou o problema e dedicou-se ao tratamento, pese embora sem meios suficientes para o efeito. Na data marcada para a nova consulta, os terapeutas informaram que era preciso fazer-se outro diagnóstico bastante minucioso para se apurar em que estado de saúde o paciente se encontrava em relação à enfermidade que lhe apoquentava.

Os resultados dos novos exames a que o enfermo foi submetido indicaram que ele devia ser submetido a uma quimioterapia. Trata de um exame penoso cuja medicação administrada ao paciente tem efeitos colaterais perniciosos. Aliás, trata-se de uma medicação que exige cuidados redobrados por parte da família e esta deve proporcionar um ambiente que permita ao doente regenerar-se sem tantas dificuldades. Feita a quimioterapia, volvido algum tempo, a empresa na qual o jovem prestava serviços contactou-lhe outra vez telefonicamente a informar que a sua vaga ainda estava disponível e quando se sentisse apto para trabalhar as portas estariam abertas para o feito.

Para quem estava desempregado, sem recursos para comprar medicamentos, comida e satisfazer outras necessidades básicas, essa notícia teve um efeito terapêutico, uma vez que Paulo Dias recuperou a ponto de conseguir ficar de pé para recomeçar a vida. Entretanto, na maior parte das vezes, o nosso entrevistado teve recaídas que lhe impediam de se apresentar no seu posto de trabalho. A última vez que ele se contorceu de dores foi parar na sala de oncologia do Hospital Central de Maputo, onde novos exames médicos determinaram que a solução para evitar o alastramento do tumor era amputar o pé, caso o jovem quisesse continuar vivo.

Sem pensar duas vezes, Paulo Dias aceitou passar a viver sem o seu membro inferior direito. Perante a nova realidade, o nosso entrevistado sentia-se discriminado: “sempre que tomava um transporte público, na altura de desembarcar os cobradores não aceitavam receber o meu dinheiro. Diziam que não devia pagar. Por isso, eu sentia-me reduzido à invalidez, principalmente porque outros transportadores não aceitavam para eu viajar nos seus carros”.

Certo dia, o jovem sentiu-se mal e recorreu novamente a uma unidade sanitária, porém, recebeu a notícia de que o tumor começara a afectar outras zonas do corpo. Isso implicava passar por um tratamento de quimioterapia mais rigoroso que o anterior. Ninguém lhe garantia a cura, mas sim, uma tentativa de aliviar a enfermidade. Ao recordar-se da angústia da primeira administração de medicamentos, Paulo Dias decidiu não aceitar ser submetido à terapia. “Senti que dessa vez era para morrer”.

Refira-se que a quimioterapia é um processo que utiliza drogas químicas para destruir as células doentes que formam um tumor no organismo. Para o efeito, são usados vários medicamentos que se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo, destruindo as células mórbidas responsáveis pela formação da doença. Porém, cada medicamento reage uma maneira diferente no paciente. Os especialistas em oncologia indicam que não é necessário mudar a rotina diária durante o tratamento. Pode-se manter as actividades de trabalho normais mas é preciso comunicar ao médico qualquer reacção do medicamento.

Desesperado com o agravamento do seu quadro clínico, o jovem recorreu a uma empresa chinesa que alegadamente curava várias doenças somente com recurso a ervas naturais. Por algum tempo, esse método de cura parecia estar a surtir efeito. Contudo, um dia, ao tentar levantar-se da cama, o nosso entrevistado ficou parcialmente paralítico, pese embora conseguisse movimentar ligeiramente só os membros superiores e a cabeça.

“Já dependo inteiramente de terceiros para fazer um pouco de tudo. Na verdade estou a morrer e, doravante, deixo tudo nas mãos de Deus”. Apesar de terem sido emitidas com dificuldades, devido a problemas respiratórios causados pela enfermidade que lhe atormentava, essas foram as últimas palavras que ouvimos de Paulo Dias, que três dias depois do nosso contacto ele cedeu à morte. A sua família disse-nos que para o tratamento do tumor de que o seu ente querido padecia, dólares em países tais como Argentina, Espanha e Cuba, eram necessários, no mínimo, 100 mil.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts