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Uma história de um casal seropositivo

Uma história de um casal seropositivo

Casimiro e Glória vivem maritalmente desde 2004, porém, nas suas aventuras extra-conjugais, ele contraiu o HIV e ela foi contaminada pelo marido sem pertencer a nenhum grupo de risco, quando sempre levou uma vida corriqueira de dona de casa. Desempregados, abatidos pela doença e quase sem nada para comer, ambos resistem aos efeitos dos anti-retrovirais. “Vamos interromper a medicação, pois os comprimidos são pesados e não temos uma alimentação adequada”, diz o casal.

Antes de tudo é preciso contar como a história do casal começou. Casimiro Pedro da Costa, de 41 anos de idade, é natural da província de Maputo e vive maritalmente com Glória Sumbane algures na Matola 700.

O casal conheceu-se em 2004 na cidade de Maputo, concretamente no bairro do Aeroporto, onde Miro como é comummente tratado viveu por algum tempo. Dois anos depois, os dois tiveram uma filha. Nesta nova condição de pai, tornou-se complicado continuar a morar na casa dos seus tios, tendo o casal optado por arrendar uma moradia.

“Arrendamos um quarto no bairro do Xipamanine onde mensalmente pagávamos 300 meticais. Mas foi sol de pouca dura porque eu não tinha uma forma segura de ganhar dinheiro. Vivia apenas de pequenos trabalhos informais”, afirma.

Glória, de 28 anos de idade, natural da Massinga, província de Inhambane, era empregada doméstica. Do seu magro salário de 600 meticais por mês retirava uma parte para pagar a renda de casa e a outra para comprar comida.

“Vi que as condições de vida já estavam a definhar e o proprietário da casa não aceitava nenhuma justificação em caso de atraso”, diz acrescentando que o casal decidiu viver em casa de um familiar no bairro de Tsalala, arredores da Matola. Corria o ano de 2007.

Os desentendimentos Na casa dos seus tios, a situação não foi das melhores, pois poucos meses depois começaram a surgir desentendimentos entre o casal e os donos da habitação.

Desempregado e sem condições para arrendar uma casa, o jovem decidiu, em 2008, voltar à casa onde sempre morou, na Matola 700, o bairro onde desde criança ele viveu com a sua avó Lina Tembe, ora falecida.

“Nunca havia levado a Glória para a casa onde sempre vivi, mas quando vi que a vida estava a ficar cada vez mais difícil e porque eu sabia que havia portas abertas, lá fomos”, conta, tendo acrescentado que nessa altura a sua avó acabava de perder a vida, acometida por uma doença.

Na altura, a casa principal e as duas dependências já tinham sido ocupadas, mas Casimiro encetou esforços para falar com um dos seus tios, que é o responsável pela habitação, a fim de este lhe cedesse pelo menos uma dependência, onde, juntamente com a sua esposa e filho, passaria a viver.

“O meu tio, irmão da minha falecida avó, disse aos inquilinos que eu não teria direito à água e luz sem que comparticipasse no pagamento destas despesas. Mas, sendo desempregado, não tinha como contribuir. Com efeito, depois falei com ele para reconsiderar a sua decisão e, de facto, fê-lo”, comenta.

Entretanto, uma das formas que foi usada para que este jovem comparticipasse no pagamento da água e luz foi ele zelar pela manutenção e limpeza do quintal, o que normalmente era feito por uma pessoa contratada e paga para tal.

Casimiro conta ainda que se separou da avó porque já se sentia crescido e era pai de família, por isso queria fazer a vida ao lado do seu pacato agregado. Mas foi por pouco tempo, uma vez que só encontrou dificuldades por onde passou, desde a casa arrendada no Xipamanine até a dos seus tios em Tsalala.

Viver ao deus-dará

Nos meados de 2011, o jovem Casimiro ficou gravemente doente, de tal sorte que esteve em estado de coma. Um dos inquilinos com quem partilha o espaço foi quem o socorreu, tendo-o de seguida levado para o Hospital José Macamo, onde ficou dias a fio internado.

Dada a sua debilidade, associada à gravidade da doença, os médicos optaram, primeiro, por submetê-lo ao teste de HIV/SIDA, cujo resultado foi positivo. Por várias vezes ele se questionou sobre as circunstâncias em que teria contraído a doença, mas sem resposta.

“Os médicos constataram que provavelmente eu tivesse contraído o vírus há muito tempo. Por isso perdi peso, o meu organismo ficou debilitado e fiquei exposto a outras doenças oportunistas”, comenta para depois acrescentar que paralelamente a esta doença, diagnosticaram-lhe a tuberculose e problemas pulmonares.

Pouco depois destes diagnósticos, Casimiro, ainda no leito do hospital, iniciou os tratamentos. Num hospital próximo foi inscrever-se para ter acesso ao tratamento com anti-retrovirais, onde também recebia fármacos relacionados com a tuberculose.

A utópica cesta básica

Segundo nos conta a fonte, quando começou a tomar os anti-retrovirais, prometeram- -lhe, à semelhança de outros na mesma situação, uma cesta básica mensal, sempre que fosse levantar os fármacos. Qual não foi o seu espanto quando ele e tantos outros que se inscreveram descobriram que não receberiam nenhum item da dita cesta básica, a qual poderia contribuir significativamente para a sua dieta alimentar.

“O que nos dão mensalmente são apenas os comprimidos. Quanto à cesta básica, os enfermeiros diziam que só podia dela beneficiar quem pesasse não mais que 28 quilos. Diziam que a prioridade era para os que tinham menos peso, o que não tinha antes sido dito”, ajunta.

A nossa reportagem viu as senhas que supostamente seriam usadas para levantar a cesta básica no fim de cada mês, cuja quantidade é tão grande que inunda as gavetas deste jovem no seu quarto.

“Isto não faz sentido, há pessoas que enriquecem à custa de nós os seropositivos e em nome dos anti-retrovirais. Algumas vezes quando fosse ao hospital diziam que tinha de ir ao Centro de Saúde da Machava para obter a cesta básica, mas quando lá chegasse afirmavam que não seria possível porque não fomos inscritos para receber o kit naquele local”, conta com o rosto coberto de lágrimas.

“Por causa da fome, decidi parar de tomar os anti-retrovirais”

Casimiro teve sempre dificuldades para ter o que comer, mesmo antes de começar a tomar os anti-retrovirais. E agora, sem a famigerada e propalada cesta básica destinada aos seropositivos, a situação piorou pois os fármacos, segundo afirma, são muito difíceis de suportar dada a sua debilidade.

“Estes comprimidos são uma droga que te tira do sério, falo isso porque sinto dor. Eu não tenho o mínimo de uma alimentação adequada para quem está a tomar os anti-retrovirais”, conta.

Mesmo com a consciência das repercussões que a interrupção do tratamento pode trazer, este jovem acometido pelo vírus do HIV/SIDA decidiu doravante, e enquanto não tiver uma alimentação adequada, parar com a administração dos fármacos.

“Devido à fome por que passo, eu decido desde já parar com os anti-retrovirais. Agora eu quero ver como vou morrer, já estou cansado, três doses por dia não é fácil, são 90 comprimidos ao mês sem comer nada, isto é uma morte antecipada”, afirma.

Relativamente a Glória Sumbane, sua esposa, com quem tem uma filha de seis anos, Casimiro disse que ela, sendo uma empregada doméstica, alimenta- se no seu local de trabalho, diferentemente dele, que não tem onde e o que comer.

“Felizmente, a minha parceira está a cumprir religiosamente o tratamento. Ela toma os anti-retrovirais e os fármacos para a tuberculose, uma doença oportunista que quase sempre se acasala ao HIV/SIDA”, conta para depois ajuntar que, mesmo assim, ela não tem uma alimentação adequada, só que na falta do ideal o pouco serve e assim vão (sobre)vivendo entregues à sua sorte.

Amor sem barreiras

A jovem Glória, depois também de se sentir mal, e para evitar incertezas, foi aconselhada a ir fazer o teste serológico, onde lhe foi diagnosticado o vírus causador da SIDA. Assim, desde 2011 os dois vivem conscientes de que são seropositivos e merecem os mesmos cuidados.

Quando, num tom de brincadeira, questionámos aos dois sobre quem poderia ter sido o primeiro a contrair a doença, Casimiro, lúcido, disse, a lacrimejar: “não tenho a mínima dúvida de que fui eu quem contaminou a minha esposa. Por isso, cada vez que eu olho para ela, vejo estampada na sua cara a minha culpa. Ela é uma inocente, era uma mulher de poucas brincadeiras. Não, não sei que culpa tem ela”.

Entretanto, a filha deste casal foi submetida a um teste para aferir o seu estado serológico e o resultado foi negativo. A menina, de seis anos de idade e filha de pais seropositivo, vive livre do HIV/SIDA. E neste momento, devido às precárias condições de vida dos seus pais, vive com uma das suas tias.

No entanto, porque o importante neste momento não seria procurar quem é ou não o culpado, este casal vive eternamente uma relação, diga-se, bonita e feliz. Glória, que é órfã de pai e mãe, tem no seu marido um protector. “Procuramos, apesar da doença, da fome, ser felizes. Aliás, aconselhamos os outros casais seropositivos a amarem-se, quer seja na tristeza, quer seja na felicidade”, apelam.

Um jovem ambicioso

Casimiro da Costa, cujos estudos foram até oitava classe, ainda que acometido pela doença do HIV/SIDA, diz que sempre gostou de lutar pelo respeito aos direitos humanos, particularmente pelos da pessoa portadora do HIV/SIDA, as mais vulneráveis.

Segundo conta, gostaria de criar uma associação de voluntários que pudesse lidar com as pessoas seropositivas, muitas das quais passam por difíceis condições de vida, não têm abrigo, alimentação adequada, e são descriminadas e estigmatizadas no seio da sociedade.

“Eu tenho muita vontade de implementar esta ideia, mas para tal não é só preciso vontade, mas sim que algumas pessoas ou instituições abracem esta causa e de forma conjunta lutemos a favor de um bem-estar da pessoa infectada pelo vírus que causa a SIDA”, diz.

Presentemente, Casimiro vive à base de alguns biscates em diversas áreas como pintura, serralharia, carpintaria, mecânica, enfim, ele considera-se um faz- -tudo. Do dinheiro que consegue nesses pequenos trabalhos informais, compra de comida.

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