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Uma geração sem fé

Uma geração sem fé

Vivem em mundos diferentes. Uns com posses mínimas e instrução nenhuma; outros em condições miseráveis e com alguma instrução e, no topo da pirâmide, alguns com formação académica superior. Em síntese, três realidades diferentes, mas nem tanto porque todos vivem problemas comuns: falta-lhes emprego, habitação e fé no futuro.

Perguntámos a mais de 150 jovens um pouco por toda cidade de Maputo nos bairros da Liberdade, Hulene, Polana Cimento, Choupal, Mahotas, Xiquelene, Polana Cimento, Benfica e Laulane sobre os desafios que se colocam para juventude nos dias que correm. A maior parte disse que a falta de habitação e emprego são os maiores problemas nos dias de hoje.

 

No entender da maior parte da juventude ouvida pelo @Verdade o elevado custo de vida e a as dificuldades no acesso ao crédito bancário viável anulam as expectativas e aspirações daquela faixa etária. Com base em depoimentos e pontos de vista, a este ritmo é difícil, senão impossível, perspectivar uma vida futura melhor, dado que os tempos vindouros dependem, muitas vezes, dizem, da forma como são preparados no presente.

“Por exemplo, como ter uma casa amanhã sem ter um emprego hoje? Como alcançar uma vivência sem sobressaltos se o custo de vida não ajuda?”, questionou Lourenço Miguel, 23 anos, estudante e residente no bairro de Choupal, na cidade de Maputo. Ele entende que, nunca como hoje, em Moçambique, os jovens viveram condenados ao fracasso total, meramente iludidos por discursos políticos desprovidos de acções concretas.

“Esta geração está ‘tramada’ e é preciso deixar claro que será muito difícil vencer o flagelo, enquanto não se tiver influências, quer por meio de amigos bem posicionados ou de familiares no poder”, explica e acrescenta: “a pouco e pouco um número ínfimo de pessoas vai vencendo certas barreiras, mas para isso tem sido empreendido um esforço redobrado”.

Sem norte e desiludidos com o curso que o país tem estado a trilhar no que concerne à valorização desta faixa etária, os jovens exigem políticas concretas que visem a disponibilização duma habitação, o acesso ao crédito bancário e ao emprego. “Não é crível que faltem condições para dar uma vida condigna à juventude. O que não existe é vontade política. Aliás, de cinco em cinco anos os nossos dirigentes movem montanhas para pedirem votos”, referiu Feliciana Anselmo, de 22 anos, com o 12º ano concluído há três anos.

Até então, a jovem busca em vão a sorte de entrar numa universidade pública ao mesmo tempo que batalha por um emprego para sobreviver. “Desde 2007 quando terminei o ensino médio bato a muitas portas. Até porque frequentei a maior parte dos ‘cursinhos’ que andam por aí, a começar pelo Inglês até à culinária, mas nem água vai e muito menos vem”. Feliciana diz ter aprendido uma grande lição: “ Aprendi também que à procura de empregos, por via de currículos, não passa de uma fachada. Na realidade, o que funciona mesmo é ser conhecido”.

O que é crédito bancário?

Enquanto uns sonham e lutam para obter trabalho remunerado, casa e uma formação superior, outros há que resumem as suas perspectivas e esperanças a um pequeno negócio familiar. Regra geral, orçado em pouco menos de mil meticais, mas pronto para sustentar agregados que vão até dez pessoas. Esses jovens nunca ouviram falar de crédito bancário e mal sabem dizer o que é uma universidade.

Para estes homens e mulheres, o debate em torno da juventude e sobretudo da geração da viragem são simples conversas para “boi dormir” e não fazem parte do seu mundo. Daí que o ignoram por completo. “O que importa, bem ou mal, é resolver os nossos problemas. Falta-nos emprego condigno, mas nem por isso nos vamos deixar abater”, afirmam.

Muitos sobrevivem do pouco que ganham na lixeira, nas pequenas oficinas de sapataria, alfaiataria e nos mercados, onde entram ao nascer do sol e largam ao final do dia, geralmente com 200 meticais. Quando conseguem muito, levam para casa 500 meticais. Reconhecem que o valor é irrisório, mas também sabem que é o oxigénio que lhes permite sonhar com dias melhores.

“Nos dias de sorte as minhas vendas superam os 300 meticais. Mas normalmente ganho 200 por dia. Já ando nisto há dois anos. Comecei por vender numa pequena barraca de outra pessoa, mas abandonei porque não havia confiança por parte do proprietário. Pouco depois decidi iniciar o meu próprio negócio”, conta Julião, natural de Chókwè, em Gaza, e residente em Maputo desde 2008. De 20 anos e com uma renda de casa para pagar, Julião sabe que é difícil sobreviver no país que lhe viu nascer e, no seu entender, a juventude vive um tanto baralhada, sobretudo porque a vida tem sido severa para pessoas que se dedicam ao comércio informal e com parcos recursos financeiros.

“Está claro que, cá entre nós, não é viável fazer pequenos negócios, pois a actividade anda constantemente ameaçada por sucessivas falências, o dinheiro parece não circular e é cada vez mais difícil gerar lucros”, explica. Por isso, para o ano que vem, Julião pondera tentar a sorte na vizinha África do Sul. “Lá sim, acho que tudo vai dar certo. Pelo que oiço sobre aquele país, a vida por lá é minimamente mais equilibrada do que cá”, acredita.

Como muitos, Toni João também enfrenta graves problemas de sobrevivência, mas aguenta. Conta que veio de Namacurra, Zambézia, e vive na capital há dois meses com os irmãos que zelam por si enquanto lhe ensinam a sobreviver. Como Julião, também conhece de cor o significado de lutar por si e sobretudo longe das asas protectoras dos progenitores. “Para Maputo vim com grandes expectativas e tudo parecia tão lindo, mas agora vejo que as coisas não são como imaginava: preços altos, vida difícil e é necessário comprar tudo”, afirma. Para este rapaz de 17 anos, viver no grande Maputo parece mais difícil do que “definhar” na sua terra natal. “Só não regresso porque não tenho retaguarda segura”.

Faz parte dos seus planos montar o seu próprio negócio, quer por via dos irmãos, quer pelo seu próprio esforço, mas receia que não dê certo, pois sabe que o custo de vida não facilita. “As recargas (para telefones celulares) que vendo não são minhas, mas gostaria que o fossem, mesmo conhecendo as dificuldades que isso significa”. A estes juntam-se outros jovens sem horizontes e sobrevivendo um tanto ao sabor do acaso.

O que dizem os mais velhos

“Vejo esta geração de duas formas. A juventude anda dividida em dois tipos”, considera Lídia Saveca, de 58 anos, e residente no bairro FPLM na cidade de Maputo. “As moças vestem-se mal, dançam para o público com roupa curta, quase nuas o que, no meu entender, traz o azar e a violência sexual. São elas que promovem doenças complicadas, pois muitas vezes engravidam, abortam e continuam por aí a deitar-se com rapazes inocentes”.

Na mesma linha mostrou-se desapontada com os rapazes. Entende que estes constituem o retrato fiel da perdição, dada a propensão ao álcool que os caracteriza. “Com os nossos jovens vivemos uma vergonha total. Bebem, fumam e praticam o mal a torto e a direito”, desabafa.

No entender daquela mulher, as drogas constituem o principal problema dos jovens, daí que o governo devia intervir na solução deste mal e promover um controlo rigoroso no que diz respeito ao fabrico e comercialização de bebidas alcoólicas. Por outro lado, Lúcia Saveca reconhece existir um grupo de jovens bem comportados e cuja conduta merece elogios.

“Felizmente, nem tudo anda mal, há jovens que vão à escola, trabalham e são um exemplo até para os adultos” diz, lembrando os seus tempos de juventude quando as pessoas lutavam para estudar, mesmo com poucas escolas e ausência de professores. “Hoje parece o contrário, vocês têm tudo à vossa disposição, mas simplesmente desaproveitam essas oportunidades”.

Manuel Bila tem 50 anos. Entende que a juventude começou a perder-se no começo deste século. Pelas suas contas, 2000 foi o arranque de tudo. “De lá para cá tenho observado uma grande mudança para o lado negativo no comportamento dos jovens. Comparando esta geração com a dos meus tempos, concluo que actualmente os jovens não têm respeito”, desabafa, lamentando a falta de consideração com que os jovens abordam os mais velhos.

Rosa José Buizi, Jurista

Se há alguns anos o papel da juventude na sociedade moçambicana era mórbido, hoje as coisas tendem a melhorar. Segundo a jurista Rosa Buizi, a juventude está a tomar a posição dianteira, sobretudo a nível social e cultural. Mas a nível político “ainda há muita promiscuidade, uma vez que a maior parte dos jovens abraça a política de modo a tirar proveitos”.

A jurista acredita que com esta juventude é possível construir uma sociedade diferente, mais enérgica, justa e sonhadora. “Não basta dizer que nós os jovens devemos fazer algo para o país, é necessário que sejamos motivados e tenhamos a oportunidade para o fazer”, comenta.

De acordo com Rosa Buizi, a velha máxima segundo a qual “O futuro está na mão dos jovens” deve ser acompanhada de vontade política por parte do Governo no que toca à valorização das ideias e acções desta camada que constitui a maioria da população moçambicana. “Os jovens devem tornar-se prioridade do Governo e da política social. Falta emprego e habitação para os jovens e não se vislumbra qualquer iniciativa para mudar a situação. Ou seja, estamos votados ao abandono”, diz.

O grande problema dos jovens, segundo Rosa, está do lado dos adultos que condicionam o crescimento dos mesmos tanto profissionalmente como socialmente. “Hoje em dia, não há uma espécie de passagem de testemunho. Há um conflito. Os adultos receiam que os jovens se apoderem dos seus postos de trabalho, e a estes falta humildade para aprenderem dos mais velhos”.

José Mubai, Docente

Já o docente de sociologia, José Mubai, é de opinião de que a juventude moçambicana é amorfa como resultado da sociedade em que está inserida. “É necessário que se compreenda quão importante é o papel dos jovens na sociedade, mas o que se constata é uma juventude dada ao álcool, à farra e despreocupada com o seu futuro”.

Mubai acrescenta ainda que a juventude moçambicana está demasiado esquecida e adormecida. Segundo o académico lá vão os tempos em que os jovens eram a força motriz de uma sociedade, e preocupavam-se com a procura de soluções para os seus problemas.

“Os jovens moçambicanos não despertam para os seus problemas, não têm soluções inovadores de modo a mudar a actual situação de falta de emprego e habitação”, comenta para depois afirmar que “nos tempos idos, os jovens contribuíam para o avanço do país, mas actualmente esquecem-se do seu papel na vida social, cultural, económica e política”.

Jovens sem emprego em 2010

De acordo com a Organização Mundial de Trabalho (OIT), a taxa desemprego juvenil atingiu o maior nível já registado e deverá aumentar até o final do ano. Esta informação faz parte do relatório divulgado neste mês para coincidir com o lançamento do Ano Internacional da Juventude da ONU, no dia 12 de Agosto passado.

O informe da OIT – Tendências Mundiais de Emprego para a Juventude – 2010 – diz que de cerca de 620 milhões de jovens economicamente activos com idade entre 15 e 24 anos, 81 milhões estavam desempregados no final de 2009 – o número mais elevado já registado. Esta cifra ultrapassa em 7,8 milhões de jovens relativamente à registada em 2007. A taxa de desemprego aumentou de 11,9 porcento em 2007 para 13 porcento em 2009.

O estudo acrescenta que estas tendências terão “consequências significativas para os jovens e as gerações futuras vão engrossar as fileiras dos desempregados já” e alerta para o risco “de um legado de crise de uma ‘geração perdida’, composta por jovens que abandonaram o mercado de trabalho, tendo perdido toda a esperança de serem capazes de trabalhar visando ter uma vida decente”.

Segundo as projecções da OIT, a taxa de desemprego global de juventude deverá continuar a aumentar durante o ano de 2010, para 13,1 porcento, seguida por um declínio moderado para 12,7 porcento em 2011. O relatório também indica que a taxa de desemprego dos jovens se revelou mais sensível à crise do que a relativa aos adultos e que a recuperação do mercado de trabalho entre homens e mulheres jovens provavelmente ficará atrás da dos mais idosos.

 

Cenário negro para África em 2011

Para quase todas as regiões, estão previstas ligeiras melhorias, em comparação com os anos de pico de desemprego (2010 na maioria dos casos). Só no Oriente Médio e Norte de África as taxas de desemprego juvenil deverão continuar num caminho ascendente em 2011. A maior queda (de 1 ponto percentual) da taxa de desemprego juvenil é esperada para a Europa Central e Sudeste da Europa (fora da UE) e países da ex-União Soviética. A taxa projectada para 2011 para as economias desenvolvidas e da União Europeia representaria um decréscimo de 0,9 ponto percentual em relação ao ano anterior. No entanto, a taxa projectada de 18,2 seria a maior desde o período pré-crise (1991-2007).

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