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Uma escola de vida

Uma escola de vida

Numa época em que o país se debate com o problema de elevado índice de consumo de álcool e drogas, envolvendo a juventude, e a usurpação dos pátios desportivos para darem lugar a actividades para lá de desportivas, um núcleo de basquetebol denominado “Bela Rosa” rema contra a corrente.

É um movimento que surgiu no longínquo ano de 1998 com a finalidade de massificar o desporto da bola ao cesto ao nível do subúrbio da capital do país.

Narciso Nhacila, mentor da iniciativa, recebeu a equipa do @Verdade no pavilhão desportivo da Escola Noroeste 1 e falou-nos um pouco do núcleo.

(@Verdade) – Como surge a iniciativa?

(Narciso Nhacila) – Em 1998, eu e mais alguns amigos tivemos a ideia de formar jovens daqui do bairro de Maxaquene que seriam os talentos para o mundo do basquetebol. Não só, é sabido por todos que este bairro é tido como sendo de criminosos e este movimento viria ocupar os jovens e entretê- los de forma sustentável e positiva através da prática do desporto.

(@V) – Aquando da criação deste movimento, quais eram os objectivos concretos?

(NN) – Bom! Naquele ano a nossa ideia era ensinar os miúdos a saber jogar basquetebol. Mas devo enfatizar que o nosso verdadeiro objectivo era atacar as competições da cidade de Maputo nos diversos escalões. Em 1998, lembro-me, chegámos a participar em minitorneios, tais como o torneio Miguel Guambe e da Sprite.

(@V) – E como foi a evolução?

(NN) – Foi gradual face à idade e maturidade dos próprios atletas. Em 1998 trabalhávamos só com os do minibásquete, mas ao longo dos anos eles foram crescendo e criando equipas de outros escalões que, se nos quisermos lembrar deles hoje, veremos que muitos são treinadores: alguns ainda aqui no núcleo e outros em alguns clubes profissionais distribuídos pelo país. E durante esse percurso, desde 1998 até hoje tivemos vários momentos.

(@V) – …E quais foram esses momentos?

(NN) – Olha, há algo aqui que nós sempre defendemos: a formação. Ensinar o jovem ou o adolescente a pegar na bola e a saber tratá-la dentro das regras do jogo. Em 1998 participámos em pequenos torneios e em 2003 organizámos uma equipa escolar que fez parte dos jogos escolares da modalidade.

Em 2004, porque a idade já não lhes permitia continuar a competir nos jogos escolares, decidimos criar este núcleo de basquetebol que apelidamos de “Bela Rosa”. E no mesmo ano iniciámos com duas equipas masculinas no escalão de Iniciados e Juvenis onde espreitámos o basquetebol federado.

Em 2005 mantivemos as duas equipas com as quais vínhamos trabalhando e introduzimos uma equipa feminina no escalão de iniciados. No ano seguinte, para além das equipas dos iniciados e juvenis em masculinos e iniciados em femininos, introduzimos a equipa júnior masculina. Passámos a ter, no total, cinco equipas no núcleo.

Em 2007, com a introdução da juvenil passaram para seis. Mas o grande momento que tivemos foi quando, em 2008, introduzimos a equipa sénior masculina que em 2009, na eliminatória de acesso à Liga Vodacom, perdeu frente ao Desportivo por de 5 pontos de diferença (58 – 53) o que forçou à demissão do então treinador do Desportivo.

(@V) – E quais foram os ganhos do Núcleo?

(NN) – Fomos, por duas vezes consecutivas, vice-campeões da cidade de Maputo no escalão de juniores masculinos, isto em 2008 e 2009. Em 2006 fomos vice-campeões da cidade com a equipa Juvenil. No ano seguinte com os juniores alcançamos o 4º posto. Já com a sénior em 2008, numa competição com 12 equipas da cidade, conseguimos o 9º lugar.

Não só obtivemos ganhos a nível competitivo, mas também em termos infra-estruturais. Este pavilhão (da Escola Secundária Noroeste 1), por exemplo, tinha um chão alcatroado que dificultava a prática do basquetebol. Não havia sequer luz, os treinos eram feitos de tarde e as competições só aos fins-de-semana.

Em 2009, um amigo norte-americano de nome Marshal Choo gostou da iniciativa e fez contactos no sentido de reabilitar o pavilhão. A embaixada norte-americana também ajudou, com cerca de 10 000 dólares. O outro fundo veio do bolso do próprio Marshal e da NBA Cares. A Ana Flávia Zinheira também apoiou com tabelas.

(@V) – Tem memória de algum atleta que catapultou para grandes clubes e até mesmo para a selecção nacional?

(NN) – Temos vários. Posso destacar o Marcolino Coatela, o actual capitão da equipa sénior da A Politécnica. Foi com ele que iniciámos este movimento. O Marcolino veste a camisola da selecção nacional sub-17 que representou o país no primeiro campeonato africano de sub-16 e em 2010, no Egipto, vestiu a camiseta sub-18. Temos o Vasco Cumbe da equipa júnior do Ferroviário de Maputo, actual vice-campeão nacional. Temos o Nandinho, o Naftal e o James da equipa sénior da Universidade Pedagógica. No que diz respeito a treinadores, temos a destacar dentre muitos, o João Lourenço Mulungo que foi, durante 3 anos, treinador do Académica e que hoje está no Maxaquene.

(@V) – Com que dificuldades o núcleo se debate? Já pensou em desistir?

(NN) – Nunca pensei em desistir. Dei a minha vida a esta iniciativa. Porém, os obstáculos foram vários e alguns ainda persistem. Formámos jogadores com carácter e com técnica. Lutamos para que cada um tenha a sua própria identidade.

Há clubes que vêm buscar os nossos jogadores e nem sequer reconhecem o nosso mérito. Eles aliciam-nos com as condições que sabem que nós não temos. Roubam-nos os treinadores que formamos e nem sequer pagam. Não digo que eles devem pagar, mas no mínimo que nos compensem.

Neste país canta-se que se deve intensificar a prática do desporto e ainda se encoraja a criação de projectos como este. Mas quando chega a hora de colher os frutos, lá estão a levar os jogadores e treinadores sem sequer oferecer uma bola, um equipamento, um apito, etc. Eles estão a matar iniciativas do género.

(@V) – Tem exemplos?

(NN) – A equipa sénior da Universidade Pedagógica é alimentada por jogadores saídos daqui e deles nunca recebemos nada senão um valor irrisório de 2 000 meticais. Depois disso, nada. O Desportivo de Maputo já nos compensou com 3 000 meticais em 2010 por uma jogadora que nos tirou. Eles estão no pleno direito de contratarem os nossos jogadores, mas que nos respeitem e nos valorizem pelo menos.

(@V) – Outros constrangimentos?

(NN) – Outra coisa é a sensibilidade dos pais dos próprios jogadores. Eles gostam de ver os seus filhos a praticarem desporto mas não contribuem para custear as despesas do núcleo. Nós praticamos o basquetebol por gostarmos da modalidade e entregamo-nos de corpo e alma. Apesar disso, temos custos.

Por exemplo, a taxa de filiação na Associação de Basquetebol da Cidade de Maputo custa 800 meticais, um valor bonificado. Mesmo assim não conseguimos pagar. Se os pais destes atletas contribuíssem mensalmente com 50 meticais, eu acho que seria suficiente para custear e ainda adquirir, a cada três meses, novo equipamento e novas Bolas.

(@V) – E como sobrevive o núcleo?

(NN) – O nosso bolso custeia tudo. Mensalmente contribuímos com algum valor e no fim fazemos as contas. Em termos de equipamento éramos vestidos pela ELEX e perdemos o apoio aquando da morte do seu patrão. Hoje, usamos o equipamento com o qual a Escola Secundária da Polana se apresentava no “Basquet- Show”.

(@V) – Têm algum projecto em carteira?

(NN) – Este ano iremos promover um campeonato de basquetebol dos bairros suburbanos da cidade de Maputo, incluindo Jardim. É um projecto ambicioso que vai juntar 16 equipas do subúrbio e queremos, num espaço de 3 meses, realizar 136 jogos.

(@V) – E quais serão os fortes desse campeonato?

(NN) – Durante os jogos nós vamos abordar os problemas que afectam a juventude. Iremos promover palestras acerca do álcool, das drogas e do HIV/SIDA. Levaremos ao campo figuras proeminentes do desporto nacional para que sirvam de exemplo de sucesso. Outro forte deste campeonato será o facto de os árbitros e treinadores serem dos próprios bairros suburbanos. Aqui não haverá nenhum profissional. Serão submetidos a uma capacitação em matérias ligadas às regras do basquetebol.

(@V) – Que futuro para o projecto?

(NN) – Risonho. Mas isso não depende só de nós. Falta-nos muita coisa. Não temos bolas, equipamento, apitos, cestos, etc.

Sobre os nossos jogadores e treinadores, o horizonte é também sorridente. Há um lema que nós carregamos no seio do núcleo que é “Ouvir os pais, Estudar e Jogar o Basquetebol” e isso faz com que os nossos atletas sejam hoje pessoas bem formadas e com personalidade.

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