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Uma criança com o futuro hipotecado

Uma criança com o futuro hipotecado

Os desígnios do destino são certamente insondáveis. A última sexta-feira (27) foi um dia de azar para o pequeno Maninho. Por ter roubado a panela da sua vizinha, o rapaz de 14 anos de idade teve como castigo a perda da visão e, nos próximos dias, terá de aprender a viver com uma companheira para a vida inteira: a bengala branca. Um acto de crueldade protagonizada por uma senhora de nome Lúcia e que deixou os moradores do bairro Acordos de Lusaka atónitos.

Na manhã de sexta-feira (27), o pequeno Hélder Joaquim Mazuze, ou simplesmente Maninho, chegou à casa com os olhos inchados, derramando lágrimas porque já não pode ver.

O pai do menino, Joaquim Mazuze, conta que, por volta das 11h00 daquela sexta-feira, uma senhora de nome Lúcia, por sinal sua vizinha, foi à sua casa acompanhada do seu filho para o informar de que o seu rebento teria roubado a sua panela. “Pedi que ela me explicasse em que circunstâncias isso teria acontecido, mas não o fez alegadamente porque estava zangada com o que Maninho teria feito”, diz e acrescenta que logo de seguida ela saiu com a criança.

Longe de imaginar qual seria o fim do seu filho, Mazuze não se incomodou, até porque se tratava de uma pessoa conhecida com a qual mantinha boas relações sociais. Poucas horas depois, uma vizinha dá-lhe a informação de que Maninho se encontrava estatelado no meio da rua, chorando, lacrimejando e com os olhos inchados.

“Ele já não via nada. Logo de seguida tratei de me aproximar da senhora e de me informar do que teria acontecido. Ela disse, insensível e tranquilamente, que pôs uma substância extraída de uma planta medicinal cuja árvore existe na sua casa, para provocar a cegueira ao meu filho para que este não voltasse a roubar”, comenta Mazuze, para depois acrescentar que pediu para que na companhia da senhora participassem o caso à 6ª Esquadra da PRM no Infulene “A”.

A gravidade da situação chocou o comandante daquela esquadra. “Imediatamente, ele pediu que os seus agentes retivessem a senhora para esclarecer o caso. Posteriormente, passaram-me uma guia para o levar ao hospital, enquanto a senhora aguardava”, conta.

Dada a gravidade do caso, Maninho foi internado. “Para o meu espanto, quando voltei do hospital, por volta das 22h00, soube que a senhora já tinha sido solta pela polícia, alegadamente porque não podia permanecer nas celas da esquadra em prisão preventiva sem que se aferisse o estado clínico do menino e antes que o hospital emitisse um relatório sobre o estado da criança”, diz.

Uma soltura prematura

O chefe do Quarteirão 3, no bairro Acordos de Lusaka, Lucas Ndelana, teve conhecimento da situação. Porém, quando tudo aconteceu, Ndelena estava numa reunião do grupo dinamizador do bairro e não pôde testemunhar a participação do caso junto à polícia.

“Constatei que o pai estava muito preocupado com o filho a tal ponto que enquanto contava o triste cenário derramava lágrimas. O que mais entristeceu o senhor Joaquim foi o facto de a polícia ter soltado a autora do crime antes do desfecho do caso, muito menos antes de lhe questionar os motivos que a levaram a praticar tal acto”, diz. O comportamento dos agentes da Lei e Ordem deixou uma vaga de especulações e acusações no bairro. Uns diziam que a senhora foi solta por ter subornado a polícia.

“Independentemente de a criança ter ou não roubado a tal panela, ela não devia tomar aquele tipo de medidas desumanas e inaceitáveis. Aquilo foi justiça pelas próprias mãos”, revolta-se. O mais curioso, segundo Ndelena, é que, quando ele se dirigiu com o pai da vítima à casa da autora, ela confessou ter colocado seiva bruta de uma planta, propositadamente.

“Há que ser feita a justiça, ela é maior de idade e deve responder criminalmente pelos actos por si cometidos em sede de tribunal”, acrescenta. Por seu turno, a secretária do bairro Acordos de Lusaka, Fátima Tete, reiterou que o comportamento da senhora é inaceitável, ainda que o menino tenha roubado a tal panela.

“Sabendo que é uma criança que tem feito tudo o que ela manda e, como se não bastasse, conhece os pais dela, ela não devia tomar aquelas medidas. Existem várias formas de pedir a compensação ou reparação dos danos causados; ou comprava-se algo igual ou pagava- -se em dinheiro correspondente ao objecto em causa”, afirma.

Tete deplorou a atitude dos agentes da 6ª Esquadra por terem libertado a acusada sem que antes a questionassem sobre os motivos e a finalidade que tinha ao tomar aquelas medidas. O mais caricato, segundo a secretária do bairro, é que nem sequer a polícia fez o registo de tal ocorrência. “Eu, como responsável do bairro, defendo que haja justiça, independentemente de a criança ter roubado ou não a tal panela, ela deve ser responsabilizada criminalmente pelos seus actos e se possível exemplarmente punida, para não repetir e não tomar medidas similares”, diz.

“Eu fiz de propósito para ele não roubar mais”

A autora do crime, que se identificou apenas por Lúcia, demonstrou não ter sensibilidade e falta de consciência dos danos que causou ao menino.

Surpreendeu a todos quando afirmou: “Eu fiz aquilo de propósito para que a criança não repetisse mais. Já estou cansada de pessoas que roubam as minhas coisas. Aquele menino foi o azarado”, afirma e reconhece ter exagerado no castigo.

Os vizinhos repudiam o acto

Os vizinhos não ficaram indiferentes à situação. Grande parte afirma que as alegações da senhora de que o menino terá roubado uma panela são infundadas, são manobras por ela criadas. “Nós vimos o miúdo a brincar aqui na rua com outras crianças, o que tem feito sempre”.

A negligência da Polícia

O Comandante da 6ª Esquadra do Infulene “A”, Tomé Chacuamba, disse que estava presente na altura em que a vítima, o pai e a autora do crime se fizeram às autoridades. “O menino estava com os olhos inchados e não enxergava nada”.

Enquanto Joaquim Mazuze acompanhava o seu filho ao hospital, a autora do acto macabro ficou sob custódia policial na esquadra à espera do relatório médico.

“Mas o oficial de permanência em serviço na altura mostrou a sua irresponsabilidade e negligência ao não ter primeiro registado a ocorrência e, segundo, ao não ter tomado o devido controlo da senhora indiciada, a tal ponto que ela tempo depois acabou por fugir. Talvez de tanto aguardar no banco de espera e sem ninguém a atendê-la acabou por se ir embora”, comenta.

Numa resposta evasiva, o comandante da 6ª Esquadra do Infulene “A” disse que uma vez que a ocorrência não foi registada e a própria autora ainda não foi ouvida, brevemente a PRM faria uma diligência para chamar a família visada (o pai da vítima) e a autora do crime para a abertura de um processo-crime.

Segundo Chacuamba, a indiciada do crime de violência física contra o menor de idade poderá aguardar em prisão preventiva pela condução do caso à Polícia de Investigação Criminal (PIC) e posteriormente ao tribunal. “Ela pode incorrer em prisão porque, independentemente de a criança ter praticado ou não o roubo, ela não devia ter feito justiça pelas próprias mãos, acrescenta.

No entanto, o comandante disse que o menino em causa é bastante problemático, e que já tinham recebido vários casos de roubos envolvendo directa ou indirectamente essa criança. O próprio pai acabou por dizer que o seu filho sofre, desde a nascença, de problemas mentais, e que, às vezes fica semanas sem saber o seu paradeiro.

Por isso, Tomé Chacuamba sugeriu ao pai do menino Maninho que o levasse ao hospital para efeitos de tratamento, pois a criança está a crescer com esses problemas e isso poderá ter graves repercussões.

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