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Um músico, um escritor, um pastor…..

Um músico

Já provocou o maior debate religioso e/ou social de, quase, todos os tempos, ao lançar umaobra que questiona a existência de negros na Bíblia Sagrada. É músico, escritor, pai, avô, pastor, versátil, curioso, audacioso e incitador de profundas reflexões. É cúmplice de João Cabaço e Hortêncio Langa. Tem várias “ovelhas” por cuidar, dois livros nas livrarias e uma“relíquia musical” a preservar. Chama-se Arão Litsure.

Actualmente com uma carreira de mais de 40 anos, Arão Litsure já deu provas sólidas da sua maturidade como músico, mas também de uma grande jovialidade em palco. Além de ser um bom guitarrista, músico, é igualmente um óptimo dançarino. Conheça a sua história…

@Verdade: Nasceu numa família de compositores… Terá isso, até certo ponto, o influenciado a gostar da música?

Arão Litsure: Com certeza. O facto de a minha mãe ter sido maestrina da igreja, tanto das senhoras como também dos jovens, influenciou muito a minha escolha, pois sabe-se que ela ensinava música. Ainda me lembro perfeitamente de que a primeira vez que li as notas musicais foi com ela.E isso era obrigatório. Mas, claro, às vezes rebelava-me, pura e simplesmente porquenão sabia que importância aquilo tinha.

@Verdade: Um pouco antes de fazer parte do trio constituído por si, João cabaço e Hortêncio Langa e do Alambique, como é que era a sua vida como músico, embora principiante?

Arão Litsure: É muito interessante a sua questão e posso dizer que desde os meus sete anos (digo sete porque já era atento, talvez tenha sido antes) comecei a cantar num grupo de crianças do bairro. Volvidos alguns anos, lá para os finais dos anos 60, formei um duo na igreja. Era eu e Eduardo Maoshe. Fazíamos um dueto e cantávamos nas templos por onde éramos convidados. Passado algum tempo o agrupamento alargou-se para um quinteto e, no iníciodos anos 70, saí para cantar com Filipe formando o Duo Seara. Como membro do “Seara” actuávamos em vários estabelecimentos da cidade de Maputo, na altura Lourenço Marques, até que conhecemos um indivíduo chamado Pedro Xavier Nhantumbo, que gostou de nós e, posteriormente, se aliou. Dado o número de membros, o produtor sugeriu que trocássemos o nome para Seara Três. E, finalmente, depois deste agrupamento passei a tocar com Hortêncio Langa e João Cabaço.

@Verdade: Nos dias que correm, as grandes figuras das nossas comunidades têm sido inspirações para os mais novos. Arão nasceu e, quase, cresceu no distrito de Panda, província de Inhambane. Conte-nos como é que foi a sua infância.

Arão Litsure: É certo, nasci no distrito de Panda, em Inhambane, mas só vivi láaté aos meus quatro anos, tendo depois, com a mesma idade, me “exilado” em Lourenço Marques. Não lhe posso contar nada sobre o que aconteceu antes desse tempo, mas em Lourenço Marques residi no bairro de Chamanculo. Aliás, antes de Chamanculo morei na casa Sá, perto da antiga UFA, actualmente Romos. Então, diria que a minha infância foi, logicamente, igual à de todas as crianças que brincam e frequentam a igreja. Uma vez que o meu pai era pastor, sempre tive fortes ligações com o templo. E, curiosamente, lá canta-se. E o canto é aminha praia.

@Verdade: Já passam oito anos depois de ter lançado o último trabalho discográfico “Arão Litsure 10 anos depois”. E agora, o que se pode esperar?

Arão Litsure: Sabe, essa é uma pergunta recorrente.De facto, posso dizer que não estou parado. Estou a trabalhar. Por exemplo, as músicas que tenho, cantando para o público, ainda ilustram a minha presença nesta área. Embora não seja de afiançar datas e promessas, estou agora a preparar um próximo disco compacto.

@Verdade: É tido como cúmplice de Hortêncio Langa e juntos elevaram a música moçambicana. Conte-nos como é que começa a sua relação com este homem, recentemente homenageado.

Arão Litrsure: A relação com Hortêncio Langa começa há anos. Na altura frequentava o Liceu António Enes, hoje Escola Secundária Francisco Manyanga. Noprincípio dos anos 70, um amigo disse-me que havia um grupo no Alto Maé que precisava de um viola solo para tocar com eles e, surpreendentemente, era o colectivo de Langa. Ele já tocava com Wazimbo, como vocalista, e com outros artistas de renome.

Então, num dia, decidi ir para lá. Quando cheguei fui atendido por um indivíduo (chamo-o indivíduo porque não sabia quem era), que perguntou o que eu queria. Respondi que queria tocar com eles. Inesperadamente, ele deu-me uma guitarra e, simplesmente, disse toca.

Toquei uma música dos Beatles e, no fim, olhou para mim e disse que caso precisassem de mim iriam chamar-me. E até agora nunca mais fui solicitado.

Passado algum tempo, penso que foi em 1974, voltei a encontrar-me com ele a tocar num conjunto chamado Mwenemutapa. Então, de novo, ele ouviu-me a cantar e desta vez ficou satisfeito com a evolução, de tal sorte que num outro dia apareci em casa dele com alguns amigos. E assim criamos a amizade.

@Verdade: Fez parte de muitos agrupamentos de música e o Alambique é um dos que mais o marcou. Por que razão o colectivo se desfez?

Arão Litrsure: Olha, em tom de brincadeira, quando alguém me faz essa perguntaantes de respondertambém procuro saber o paradeiro dos Beatles. É claro que alguns já morreram, mas eles separaram-se antes dos falecimentos. Era um bom grupo e desapareceu.

Com isso quero dizer que o processo de vida leva alguns grupos a desaparecerem. Eu deixei o Alambique em 1978 para ir estudar no Zimbabwe. Mas, aquando da minha viagem, eles convidaram Stewart Sukuma para me substituir no canto. Feito isso, o conjunto continuou a trabalhar tanto que fez algumas viagens para o estrangeiro.

Agora, temos também dois membros fora do país, Childo e Celso Paco. Embora o grupo já não esteja a trabalhar como tal, quando eles vêm de férias ainda nos juntamos para actuarmos.

@Verdade: E o que aconteceu com o trio?

Arão Litsure: Eu não diria que se desfez. O grupo existe latente, ou a hibernar-sese quisermos usar esta expressão. Com o andar do tempo agente cresceu e teve outras actividades. No meu caso, por exemplo, há tarefas que se sobrepõem à música, sem ela morrer. João Cabaço também tem tido algumas recaídas, devido à sua saúde.

@Verdade: É um homem multifacetado. Ao longo dos tempos mostrou-se hábil e perseverante. Como é que Arão consegue aliar a música à literatura?

Arão Litsure: Olha, quem é músico e, sobretudo, compositor, quer queira quer não, escreve versos para as suas músicas e esse exercício é literário.

A minha relação com a escrita vem de há anos. Mas com a minha ida ao estrangeiro para estudar teologia, no nível universitário (licenciatura e mestrado), devido à necessidade de escrever monografias e por influência de alguns amigos que já escreviam como é o caso de Hortêncio Langa, decidi começar também a “esboçar” algumas histórias.

Então comecei a pegar nas minhas dissertações, tanto para o grau de licenciatura como para o de mestrado, e transformei-as em livro. O primeiro já foi publicado e o outro está ainda a ser preparado. Por incrível que pareça, antes deste – a ser organizado agora – acabeipor publicar 25 Contos do Ventre dos Refugiados.

@Verdade: O título Há Negros na Bíblia (?) parece-me um tanto sugestivo. Pode descortinar a mensagem?

Arão Litsure: Como já disse, o processo inicia com a pesquisa de um tema que usei para escrever a minha dissertação para o grau de mestrado. Portanto, devido aos anos de estudo bíblico, pensei em trazer uma discussão. É interessante que quando se fala de Jesus Cristo, ou mesmo de outros santos, sempre nos é mostrada uma imagem de brancos. Então questionei a todos os leitores se Há(via) Negros na Bíblia.

Primeiro foi pura brincadeira, mas o professor que me orientava encorajou-me a continuar com a vasculha do assunto. Daí o resultado que saiu. É claro que este livro levantou uma polémica, mesmo dentro da universidade porque se pensava que eu tinha a pretensão de afirmar a minha auto-estima e questionar os seus princípios.

Mas agora digo: há mesmo negros na bíblia. Como a primeira edição já esgotou na segunda quero trazer os capítulos que sustentam a existência de africanos no livro sagrado.

@Verdade: Nunca frequentou uma escola de música, mas canta como ninguém. Há algum segredo para este sucesso?

Arão Litsure:De facto, nunca frequentei uma escola formal de música. Por exemplo, quando estivemos em Portugal como trio a tocar num coliseu, alguém me fez a mesma pergunta. Aliás, a pessoa pediu que eu lesse partituras, mas, como não sabia, recusei.

Acredite que a pessoa ficou desesperada. Não acreditou em nada do que eu disse. Mas a partir daí ele ofereceu-nos uma série de livros sobre a música. Então, o meu talento é fruto de várias experiências. É preciso muita entrega.

@Verdade: Ultimamente não tem subido aos palcos com regularidade. A que se deve esse distanciamento?

Arão Litsure: Eu acho que é o natural desenrolar da vida. Ultimamente, são várias as tarefas para uma única pessoa. Não vou dizer que estou a dar lugar aos mais novos, mas quando a gente cresce há sempre aquela necessidade de se desligar de outras tarefas. Mas confesso e afirmo que a música continua no meu coração.

@Verdade: É reverendo, músico, escritor, pai, avô… Olhando para o seu sucesso, como é que consegue ultrapassar a pressão quotidiana?

Arão Litsure: Muitos acham estranha esta situação, mas eu acho que todos somos assim. É possível que alguém viva de uma única coisa? Então todos somos contempláveis. Mas o caricato em tudo, para muitos, é diferenciar a minha vida religiosa da artística. Não há dúvidas de que as pessoas não aceitam esse facto com agrado. Só não sei o que lhes vem na alma quando me vêm a cantar e a tocar.

Vou contar um história que aconteceu ao longo da minha vida. Eu apareci, pela primeira vez, com uma guitarra dentro da igreja numa época em que era proibida a entrada deste instrumento no santuário. Isso foi no Choupal, hoje bairro 25 de Junho. A verdade é que andei a ensaiar às escondidas com a guitarra durante seis meses na minha casa. O meu pai nem sequer descobriu que havia uma viola lá, só a minha mãe é que era conivente. E então, no dia em que decidimos tocar na igreja, pedimos a um miúdo para trazer o instrumento que estava escondido num dos compartimentos.

Entramos na igreja como coro e ninguém desconfiava de nada, quando de repente o petiz, inocente, aparece e nos entrega o instrumento à vista de todos. Rapidamente sem que ninguém interditasse, tocámos. Alguns gostaram e outros não. Mas há um diácono, já falecido, que nos deu força para continuar.

Ouvimo-lo a conversar com um dos clérigos da igreja, manifestando a sua satisfação quando nos viu a tocar e a cantar. Estas palavras ainda fazem sentido na minha vida.

@Verdade: Para além do trabalho discográfico que está a preparar e da segunda edição de Há Negros na Bíblia (?), o que podemos esperar de Arão?

Arão Litsure: Na escrita tenho muita coisa por lançar. Quero prolongar a discussão em torno da Bíblia. E o próximo livro será Há Dinheiro na Bíblia?

A razão é simples: ultimamente as pessoas têm-se agarrado às Sagradas Escrituras, mas no fim do dia o dinheiro aparece como o centro das nossas atenções. Então quero descobrir a ligação que existe entre a Bíblia e o dinheiro.

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