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Um museu sem visitantes é uma vala comum

Um museu sem visitantes é uma vala comum

À luz das práticas seculares, ou se calhar milenares, em Moçambique e não só, após a morte de um ente querido, a preservação do espaço onde foi sepultado é um acto de honra e preservação da história. A devida escolha não só serve como elo entre o morto e os vivos, mas é uma relíquia, uma historieta por contar. De todas as formas, isso permite também que os falecidos não sejam deitados nas “tumbas dos colectivos” – vala comum. No passado dia 18 de Maio, celebrou-se em quase todo o mundo o Dia Internacional dos Museus, sob o lema “Museus para uma sociedade sustentável”. Descubra a seguir o historial das casas dos monumentos do país.

Os moçambicanos são tão fanáticos por histórias orais como os outros povos. Eles criam e recriam os dramas de acordo com o tempo, com as circunstâncias, com os ambientes… As lendas contadas à volta da fogueira têm um marco importante na vida dos nativos. Moçambique pode até ser um país pequeno, pobre, de sofrimento, mas possui uma tradição invejável. Guardar e preservar histórias, através da literatura, pintura, cerâmica, escultura, é o forte do povo que, não obstante as condições de vida, tem muito que contar às futuras gerações e ao mundo.

Na capital moçambicana, Maputo, há diversos museus que narram a história da população, dos mariscos, dos animais faunísticos, da nossa moeda, da nossa arte… mas, por incrível que pareça, esses locais, concebidos com a pretensão de preservar a história, não passam de simples repositórios de objectos, aparentemente inúteis, como mármore, pedra, ferro, madeira….. E a razão é simples, dizem: “ninguém perde tempo com brincadeiras”.

Nos dias que correm é muito comum o pensamento segundo o qual passear pelos lugares históricos da nossa cidade é coisa de elite. Pois é. A pobreza e o suposto elevado valor cobrado para visitar tais lugares têm deixado muitos cidadãos desmoralizados. À semelhança do que acontece com as artes, em particular a literatura – onde as pessoas só consultam determinadas coisas e não lêem, no sentido lato da palavra –, os museus estão à mercê da prática académica. Ninguém visita por livre e espontânea vontade, com o senso de que faz parte da nossa condição humana. No entanto, devido a essa desvalorização, só nos resta dizer: “antes os estudantes do que ninguém”.

António Filmão é vendedor há mais de uma década. É pai de duas filhas e o seu comércio é feito no mercado situado perto do Museu da História Natural. Incrivelmente, segundo nos conta, “nunca quis entrar num museu – mesmo a que dista poucos metros da sua mercadoria – e não sei se um dia pensarei de forma diferente”. E justifica-se: “irmão, nós não temos o costume de passear. Se os brancos o fazem é porque já têm condições para tal. Nós (os moçambicanos) – neste caso os mais pobres – nunca vamos parar de trabalhar. Não há como colectar dinheiro para depois gastar com essas passeatas”.

Refira-se que, aqui, o ditado segundo o qual “camarão que dorme a onda leva” faz sentido na vida de António: “o problema está na pobreza. Como é que vamos passear se trabalhamos durante todos os 365 dias do calendário gregoriano? Não há hipótese. Infelizmente, esse mau hábito vai ser passado de geração para geração”.

Por outro lado, José Alfredo Nhapimbe, usando da experiência que tem como pai e educador, afirma que “não há nada que os museus fazem para aproximar o público. O problema da pobreza pode até existir, mas o mais grave é a divisão por classes sociais. Para além da discriminação, acho que o Governo já não está interessado em promover actividades extracurriculares. Por exemplo, antigamente, lá para os idos anos de 2000, as escolas primárias e secundárias promoviam passeios escolares para determinados lugares da nossa urbe. Isto ajudava os miúdos a crescerem dentro daquele ambiente. É uma questão de hábito”.

“Este museu é vosso (…)orgulhei-vos dele….”

Embora se propague pelos mais irónicos o adágio segundo o qual “o que vive de passado é o museu”, contraditoriamente ao que se pensa e se faz, como se aqueles locais pertencessem a outrem, o letreiro das boas-vindas existente no Museu da História Natural surpreende-nos. De facto, “Este museu é vosso (…)orgulhei-vos dele…”

O Museu da História Natural é o único monumento com mais de cem anos de existência na Pérola do Índico. Acompanhou o desenvolvimento da colónia, da independência e, hoje, anda a par da evolução do país. O seu acervo contém objectos da fauna, desde os mais bravios animais até aos mansinhos. A colecção possui itens de animais mamíferos, serpentes, e muitos outros materiais relacionados com a caça, a pesca, etc.

A ideia de se criar o Museu de História Natural é do tempo colonial e surge em 1911, quando nem se pensava no dito nome. Acabava de ser criada, no mesmo ano, a Escola Comercial e Industrial 5 de Outubro que agora se chama Escola Secundária Josina Machel e que é vizinha do edifício em que a instituição museológica funciona desde 1933. Nos dois primeiros anos, E. Gouveia Pinto, a par de outros companheiros animados pela mesma ideia, planearam algo feito com alguma especificidade e profissionalismo. Por isso, em 1913, criaram novos alicerces e abandonaram a ideia de ter uma instituição que, pretendendo ser museológica, funcionava como “um mostruário de exemplares marinhos, amostras de minerais, madeiras e produtos agrícolas”.

Presentemente o museu é dirigido por Lucília Chuquela, que nos conta que os desafios do local são muitos, mas os mais preocupantes têm a ver com a origem social. Ou seja, “há a necessidade de preservar as colecções que existem, bem como chamar o público à consciência de que o museu também lhe pertence. Todos nós, os moçambicanos, temos alguma responsabilidade partilhada na salvaguarda deste património”.

No que diz respeito às visitas por parte dos moçambicanos de todas as classes sociais, Chuquela afirma que este tem sido o lado mais preocupante de todos. De uma ou de outra forma, embora o público tenha aumentado, não passa de estudantes, jornalistas culturais e críticos das artes. Um dia chegaremos lá… Aquando das comemorações do Dia Internacional dos Museus comemorado recentemente, em conversa com a directora do Museu Nacional da Arte, Julieta Massimbe, percebe-se que a desvalorização do património material não é só de alguns. É um problema de todo o país.

A instituição foi inaugurada no dia 18 de Maio de 1989. No seu acervo tem exposições permanentes em duas salas, com obras de pintura, escultura, instalação, desenho e gravura cerâmica. Pode-se ainda admirar trabalhos feitos por diversos artistas como Malangatana, Victor Sousa, Mucavele, Chichorro, Naguib, Bertina Lopes, Mankew, esculturas de Paulo Comé, Miguel Valingue e Renata Sadimba.

Falando sobre os problemas que afectam não só o museu que dirige, como também o país, Massimbe acredita que a única e mais provável solução para estancar os problemas é a consciencialização do público. Isto é, só é possível com a aproximação das crianças e com a promoção de actividades educativas.

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