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Um caso que não é caso

Desmobilizados de guerra revoltados com ministro dos Combatentes

A 12 dias da leitura da sentença – 30 de Agosto – já se sabe que estamos perante um castelo de areia. É pouco provável que Hermínio do Santos, presidente do Fórum dos Desmobilizados de Guerra de Moçambique, seja condenado neste julgamento. Da análise aos elementos de prova recolhidos, não se verificou a prática de crime de desobediência qualificada. Ou seja, os argumentos da Polícia de Investigação Criminal (PIC), em sede do tribunal, ruíram como um castelo de areia à beira do mar…

A leitura da sentença só terá lugar no dia 30 de Agosto, já se sabe. O Ministério Público (MP), representado pela doutora Cristélia Ernesto Nhambe, concluiu que não há matéria para que o réu seja condenado pelo crime de desobediência qualificada. Efectivamente, o MP absteve-se de acusar e referiu que, no seu entender, a detenção foi ilegal, pelo que devia ser restituída a liberdade ao réu, mas tal decisão cabia ao tribunal.

As contradições da polícia

O mais surpreendente, no entanto, é o conteúdo do acto de ocorrência: refira-se que no documento que levou à detenção de Hermínio dos Santos Angacheiro Nantucuro, no dia 10 de Agosto, às 19 horas, no interior da sua residência, consta que este se recusou, por duas vezes, a receber uma notificação emitida pela PIC.

No entanto, em sede do tribunal, os agentes incumbidos de fazerem chegar o documento ao acusado afirmaram que não o entregaram em mão. Ou seja, o conteúdo do documento que motivou à detenção não corresponde, de forma alguma, ao que se passou nas diligências. Tanto no dia 9, assim como no dia 10 não foi ao réu que os agentes entregaram a notificação. No primeiro dia encontraram o filho e no segundo a mulher; ambos, dizem os agentes, é que, efectivamente, se recusaram a receber a notificação. Por outro lado, os agentes nem sequer tinham conhecimento do motivo pelo qual o senhor Angacheiro devia comparecer no edifício da PIC.

Detenção foi um erro grave

A fundamentação da nota de ocorrência e a detenção foi baseada no preceito que indica que o réu desobedeceu a uma ordem, mas, no entender do jurista Gil Cambule “a polícia cometeu um erro grave na decisão que aplicou a prisão a Hermínio dos Santos.”

Este advogado salientou que esta decisão do MP, de se abster de acusar, fortifica a ideia de que foi cometida uma detenção ilegal. Acrescentou ainda que “em princípio, o réu será absolvido”, mas salvaguardou que “em direito há interpretações diferentes.” No entanto, referiu que “qualquer sentença que não seja absolutória é passível de recurso” mas deixou claro que “se o processo for decidido tendo em conta os elementos jurídicos o mais provável é que o réu seja absolvido.”

Outro advogado frisou que “esta decisão do MP quer dizer que o agente da polícia que naquele momento avaliou o contexto e aplicou a detenção não actuou apenas com negligência mas com grave negligência e com grosseira violação do dever de cuidar”.

Questionado sobre se vai mover uma acção contra o Estado, se a decisão do Tribunal for a sua absolvição, Hermínio dos Santos referiu que “os que lhe detiveram serão detidos; os que lhe fizeram ser julgado serão julgados.” No entanto, agora vai esperar pela sentença e depois tomará uma decisão.

No início do julgamento, a 18 de Agosto, Hermínio dos Santos atribuíra a “um imperativo ético” a decisão de colocar uma acção cível contra o Estado moçambicano por prisão ilegal. Na altura, o presidente do Fórum de Desmobilizados de Guerra sublinhara que o seu “sofrimento é irreparável”, e que “o Estado deve ser responsabilizado pelos erros que cometeu”.

Cronologia de uma detenção ilegal

1. No dia 9 de Agosto, por volta das 11 horas, o senhor Hermínio dos Santos recebeu uma ligação telefónica de um indivíduo que se identificou como doutor Maússe, inspector da PIC, na qual foi informado de que devia comparecer, no dia seguinte, nas instalações da direcção daquela entidade para prestar declarações.

2. Hermínio dos Santos retorquiu, na ocasião, alegando que uma notificação não podia ser emitida por via de uma chamada telefónica.

3. Pouco depois, o presidente dos desmobilizados recebe uma nova ligação de um outro agente para comparecer nas instalações da Esquadra da Machava. Durante a conversa, os agentes informaram ao senhor Hermínio dos Santos que devia ir ao encontro deles para receber uma notificação. Hermínio José disse que não iria porque, no seu entender, o documento devia ser entregue em mão, no local onde estava ou na sua residência.

4. Ainda no dia 9 de Agosto, três agentes da polícia à paisana foram à casa do referido desmobilizado para entregar uma notificação. Porém, a mesma não foi deixada porque, na altura, Hermínio dos Santos não se encontrava em casa. Naquele momento, o presidente dos desmobilizados encontrava-se na Procuradoria da Cidade de Maputo.

5. No dia 10 de Agosto, às 10 horas, dois agentes da polícia foram deixar uma segunda notificação mas, como no dia anterior, não encontraram Hermínio dos Santos.

6. No dia 10, às 19 horas, Hermínio dos Santos foi detido pela Polícia (dois agentes à paisana e seis elementos fardados) quando se encontrava no quarto a descansar. A polícia invadiu a sua residência e, já na 5ª Esquadra, no bairro da Machava, foi determinada a sua detenção por desobediência qualificada. Na sequência das diligências iniciadas em 9 de Agosto, o presidente dos desmobilizados é acusado de ameaça.

7. O julgamento dos crimes de desobediência qualificada e ameaças ao Estado imputados ao presidente do Fórum dos Desmobilizados de Guerra, Hermínio dos Santos, estava marcado para 09h00 do dia 11 de Agosto, no Tribunal Judicial do Distrito Urbano Número 7, na Machava, província de Maputo.

8. No dia 11 de Agosto, Hermínio do Santos, por volta das 15 horas, é encaminhado ao Tribunal, mas este já se encontrava fechado.

9. A seguir, Hermínio dos Santos foi conduzido para a 5ª Esquadra da Polícia, na Machava, donde seria consecutivamente transportado para a cidade da Matola e para Beluluane, em Boane. Esta foi a esquadra que aceitou recebê-lo, depois de as primeiras duas se terem recusado.

10. No dia seguinte, 12 de Agosto, o julgamento sumário de Hermínio dos Santos foi adiado para quarta-feira (dia 18 de Agosto) em consequência de o processo só ter chegado ao Tribunal Judicial do Distrito Municipal Número 7, no Bairro da Machava, Município da Matola, pouco depois das 10.00 horas, altura em que já tinha sido feito o programa das audições do dia.

11. Hermínio dos Santos ficou detido sem ser ouvido por um juiz de instrução, no dia 10 de Agosto, acusado de desobediência e ameaça contra o Estado. Dois dias depois foi libertado, a 12 de Agosto, por decisão do Tribunal Judicial do Distrito Urbano nº 7, e foi recebido de forma apoteótica pelos desmobilizados de guerra.

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