Tropas dispararam para o ar esta sexta-feira para dispersar uma multidão que tentava atacar órgãos do governo em Sidi Bouzid, localidade da Tunísia onde os levantes da “Primavera Árabe” começaram. As autoridades impuseram o toque de recolher noturno na cidade. Os tumultos ocorreram horas depois de um partido islamista, o Ennahda, ter sido declarado vencedor da primeira eleição livre da Tunísia, mas não estavam ligados diretamente à vitória do Ennahda.
O estopim foi o fato de um partido liderado por um empresário muito conhecido na cidade ter sido eliminado da votação por alegações de violação de normas de financiamento da campanha eleitoral. Líderes do Ennahda afirmaram que a violência em Sidi Bouzid era uma tentativa das forças contrárias à revolução de desestabilizar o país, que até agora tem desafiado as previsões de que a eleição colocaria a nação em crise.
Ao mesmo tempo, o secretário-geral do Ennahda, Hamadi Jbeli, anunciou em Túnis que o seu partido iniciou as conversações com outras legendas políticas para definir um governo de coligação e espera formar o gabinete dentro de dez dias. Ele acrescentou que a prioridade nas negociações será a economia.
O líder do Ennahda, Rachid Ghannouchi, disse que o partido vai honrar o compromisso de elaboração de uma nova Constituição no prazo de um ano e não vai impor às mulheres o uso do véu islâmico porque todas as tentativas de fazer isso em outros paises árabes fracassaram. O Ennahda vai liderar o novo governo da Tunísia após uma vitória eleitoral que deve definir um modelo para outros países do Oriente Médio agitados por revoltas este ano. O partido esteve proibido de atuar durante décadas e seus líderes eram forçados a fugir para o exterior.
VIOLÊNCIA
Sidi Bouzid, a cidade provinciana onde ocorreram os confrontos desta sexta-feira, foi o local onde o vendedor de legumes Mohamed Bouazizi ateou fogo a si mesmo em dezembro, num ato de protesto contra a burocracia que desencadeou as revoltas em todo o mundo árabe. Duas testemunhas em Sidi Bouzid disseram à Reuters que uma grande multidão estava tentando atacar a sede do governo local na cidade na sexta-feira.
“Os militares estão tentando dispersar as pessoas com tiros no ar e gás lacrimogêneo”, disse uma das testemunhas, Attia Athmouni, por telefone. As testemunhas disseram que lojas e escolas foram fechadas e um helicóptero de forças de segurança rodeava o local.
Na noite de quinta-feira, depois que autoridades eleitorais anunciaram que iriam cancelar vários assentos conquistados pelo partido Lista Popular, uma multidão em Sidi Bouzid incendiou um escritório do Ennahda e o gabinete do prefeito local.
Uma fonte do Ministério do Interior disse que um toque de recolher seria imposto na cidade das 19h00 (horário local) às 05h00.
O Ennahda tentou tranquilizar os secularistas nervosos com a perspectiva de um governo islâmico em um dos países mais liberais do mundo árabe, afirmando que vai respeitar os direitos das mulheres e não tentará impor um código moral muçulmano na sociedade. Depois que a vitória de seu partido foi confirmada, Ghannouchi prestou homenagem ao papel da cidade de Sidi Bouzid na revolução da Tunísia em janeiro, que forçou o líder autocrático Zine al-Abidine Ben Ali a fugir do país.
RESULTADOS
Ao anunciar os resultados na quinta-feira, os membros da comissão eleitoral disseram que o Ennahda ganhou 90 assentos na Assembleia de 217 lugares, que irá elaborar uma nova Constituição, formar um governo interino e agendar novas eleições, provavelmente para o início de 2013. O rival mais próximo dos islâmicos, o secular Congresso para a República, ganhou 30 assentos, informaram os membros da comissão numa sala lotada na capital, encerrando uma espera de quatro dias desde a eleição de domingo para que a contagem minuciosa fosse concluída.
O Ennahda não chegou a obter maioria absoluta na nova composição da Assembleia e a expectativa é que monte uma coligação com dois secularistas e, com eles, forme um governo. Os islamistas terão maior influência sobre cargos importantes. Eles já disseram que vão apresentar Hamadi, vice de Ghannouchi e ex-prisioneiro político, para o cargo de primeiro-ministro.