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Timbila: um instrumento que cruza tempos e gerações!

Timbila: um instrumento que cruza tempos e gerações!

Há meio século antes de Florência – uma anciã cuja idade se perde na confusão da sua memória – se tornar uma exímia dançarina da Timbila, muitos africanos não alfabetizados já produziam o dito instrumento. A Orquestra Património da Humanidade gerou-se à luz de uma sabedoria saloia. Perante a crise em que, actualmente, o Mwenge se encontra – a árvore a partir da qual se produzem as teclas que nos proporcionam admiráveis sonoridades – será que os moçambicanos conseguirão travar o seu desaparecimento?

Na África Austral, no extremo oriente, encontra-se um povo cuja história pode ser narrada a partir de um signo que se tornou Património Universal da Humanidade, a Timbila. Muitos moçambicanos, por falta de conhecimento, não dão muita atenção à referida proeza, mas a verdade é que é neste país que foi inventada a orquestra que se ergueu a património da humanidade.

Narremos parte da história de Orlando da Conceição, nascido há 50 anos, o mesmo que se tornou um artista incontornável no panorama da música do seu país.

É interessante notar que esta personalidade, igual a muitos cidadãos africanos que (no tempo em que no dito continente vigorou uma sociedade colonial) foram proibidos de praticar a sua cultura, da Conceição, vítima de um sistema que convencera os seus avós, os Induna, de que eram assimilados, também foi proibido de dançar a Timbila.

Felizmente, Orlando recuperou o tempo perdido e, nos dias que correm, além dos demais estilos musicais que aprendeu na Europa, é um exímio conhecedor da Timbila.

“Na minha infância, eu fui proibido de participar nas festas em que se tocava a Timbila. Ou seja, sendo neto do Induna, consequentemente um membro da corte, apesar de que nas suas redondezas havia um conjunto de orquestras de Timbila eu era proibido de travar qualquer relação com elas.

Aprendi a dançar a Timbila, na rua, nos rios, à noite, nas palhotas quando ia dormir porque, invariavelmente, os meus amigos tinham vontade de me ensinar. É por essa razão que, nos dias que correm, para mim é uma grande festa, sempre que se diz que em Zavala haverá o Festival de Timbila Msaho”, recorda-se o professor.

A história de Orlando da Conceição – figura que se espalha em vários eventos em que a Timbila se notabiliza, incluindo documentários cinematográficos – constitui a primeira face de uma moeda. Na verdade, sem nenhuma intenção de revelar a riqueza da nossa história como povo, da Conceição falou-nos das suas mágoas em relação à sua não participação, no passado, na sua aldeia, nas festas da Timbila. Mas que dizer de Paulina, a mesma que se tornou uma célebre escritora africana?

Que dizer de Paulina?

“Eu nasci numa família Chopi. O meu pai era muito teimoso de tal sorte que, em certa ocasião, disse que na minha família não quero saber de assimilados, em resultado disso, não admitindo o desenvolvimento de nenhum relacionamento com os assimilados, “na minha casa falava-se unicamente a língua Chopi por obrigação porque o velho não queria que se praticasse a língua portuguesa na sua residência”. Qual foi o impacto disso na educação da referida adolescente?

O primeiro aspecto é que “eu, obrigatoriamente, falava Chopi em casa. Quando saía para a rua, com as minhas amigas, falava Ronga e, porque não podia ir à Missão Católica, no bairro Indígena, em resultado do facto de que não podia frequentar a escola oficial, via alguns pretinhos bem vestidos e ficava com inveja porque não entendia o que acontecia na escola dos assimilados”. Ou seja, “a minha mágoa era procurar saber o que acontece na escola do meu outro irmão negro, porque eu também sou negra, mas o regime havia-nos dividido”.

Os (verdadeiros) autores

Por razões óbvias, foram proibidos, Orlando da Conceição não participou na criação da Timbila, ao mesmo tempo que Paulina Chiziane ficou com mágoa por não saber como era o ensino oficial. Mas ambos, com grande esforço menos saliente no primeiro do que na segunda, receberam instrução, o que não aconteceu a muitos cidadãos – a quem se deveu a elevação da Timbila à categoria de Património da Humanidade – que ainda que tenham o referido mérito não foram alfabetizados.

“Mas, em África, para os africanos, o que é a instrução moderna?”, pode ser que o estimado leitor se questione. Talvez, no fim da sua reflexão, como Paulina Chiziane fez depois de assistir a um documentário – essencialmente sem legendas – sobre a Timbila em que a discussão é travada na língua alemã:

“Porque é que os filmes moçambicanos, mesmo os que retratam alguns signos da nossa cultura como, por exemplo, a Timbila, aparecem com as legendas noutras línguas? Ou seja, será que as nossas línguas não são válidas para serem entendidas por outros povos?” Estas duas questões remetem-nos a uma outra discussão.

O facto é que, nos dias que correm, a Timbila é Património da Humanidade. No entanto, se olharmos para todas as pessoas que trabalharam para que assim fosse, provavelmente, só encontraremos duas ou três pessoas que saibam ler e escrever. Ou seja, a maior parte dos que tornaram a Timbila o Património da Humanidade pertencem a uma tradição oral, mas mesmo assim conseguiram fazer içar a bandeira da cultura moçambicana no mundo inteiro.

Preservar a Timbila

Na XVIII edição do Festival de Timbila Msaho – decorrido em Agosto passado – denunciou- -se um problema grotesco, o desaparecimento de uma espécie arbórea de que se extrai o material para o fabrico da Timbila. Por essa razão, “Plantemos o Mwenge Para Preservar a Timbila”. Para a AMIZAVA, Associação Amigos de Zavala, a agremiação mentora do Festival Msaho, este mote “é uma forma de alerta para a necessidade de haver medidas legais de fomento, preservação e protecção do Mwenge no país”.

Mas o que significa a preservação da Timbila? Na verdade, a salvaguarda da Timbila está condicionada à existência de Mwenge. É por essa razão que – conforme explica Mário Rodrigues, o presidente da AMIZAVA – “para preservarmos a Timbila, temos de proteger a árvore de onde se extrai a madeira que produz a tecla da orquestra”.

Diante da cada vez mais aguda escassez do Mwenge, instala-se um cenário preocupante na vida dos marimbeiros, os mesmos que exploram a madeira para o fabrico da Timbila. “Há casos em que os marimbeiros que conseguem identificar alguns pontos onde ocorre o Mwenge, mas as matas pertencem às comunidades dessas zonas ou mesmo são de indivíduos privados. Esse facto impede que os marimbeiros cheguem lá e cortem a madeira.

Daí inicia um longo processo burocrático que passa por eles terem a licença de exploração florestal ou mesmo uma autorização das autoridades distritais”, escreve o jornal Notícias de 12 de Setembro.

Por sua vez, a UNESCO compreende que, a par da documentação e do apoio ao programa da divulgação da Timbila no mundo, o ponto de partida para a sua preservação é a conservação do Mwenge, ao mesmo tempo que se deve incluir as crianças em todos os processos de produção da Timbila.

Ou seja, para o director nacional dos Programas da UNESCO, Noel Chicuecue, “a inclusão em profundidade de temas referentes à Timbila nos programas de ensino local, como forma de disseminá-los na escola, onde se devem dar possibilidades aos mestres da Timbila para transmitirem a sua sabedoria aos mais novos, promovendo o intercâmbio cultural de um modo formal, aproveitando-se a comunhão que existe entre a cultura e a educação”, pode ser o garante da continuidade da Timbila.

Uma outra verdade, ainda que existam cerca de cinco hectares de plantação de Mwenge – em Nhabete e Maculuva – como Mário Rodrigues afirmou, garantindo que as plantações já estão a um nível relativamente grande, a sua madeira só pode ser explorada daqui a meio século. Enquanto isso, uma pergunta pode ser formulada: será que a preservação da Timbila é um problema da humanidade?

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