O sociólogo e pesquisador, João Feijó, considera que o recurso ao termo “mão externa”, por parte das autoridades governamentais e do partido no poder, perante cenários de crise ou de contestação, dá a impressão de que os moçambicanos são pessoas desprovidas da sua independência ou capacidade analítica e permanentemente corruptíveis ou manipuláveis.
João Feijó refere que conceitos semelhantes a “mão externa” são bastante antigos e remontam ao período colonial. Durante a luta armada, a Frelimo era apresentada na imprensa colonial como “terroristas”, frequentemente indivíduos estrangeiros, tanzanianos, financiados por comunistas russos ou chineses.
O termo “mão externa” tem sido usado em referência às embaixadas ou às agências de desenvolvimento internacional, cujo patrocínio tem sido importante para o funcionamento dos movimentos da sociedade civil, tidos como críticos em discursos políticos e, por isso, pouco patriotas e vítimas passivas de “forças malévolas externas”.
Para João Feijó, esta adjectivação é recorrente sempre que determinados movimentos sociais adoptam atitudes que colidem com os interesses dos grupos dominantes. “O discurso ideológico necessita, frequentemente, de um outro inimigo do grupo, para fortalecer a sua coesão.
O inimigo do povo é apontado como o bode expiatório de todos os problemas sociais, manipulando-se com frequência a história, em função das vicissitudes políticas, marcadas por alianças e traições, cooperações e conflitos entre grupos rivais”, disse João Feijó, que foi orador do sétimo sub-tema do 3° ciclo de debates académicos “Tertúlias Itinerantes”, que teve como tema “A Construção Social do Inimigo do Povo”.
De acordo com o sociólogo e pesquisador, a atribuição do nome “inimigo do povo”, hoje “mão externa”, aos que não se enquadram no modelo de cidadania idealizado (pelos grupos dominantes) não é um fenómeno novo, muito menos exclusivo de Moçambique.
“Se no período colonial se proibia a utilização do nome Frelimo, durante a guerra dos 16 anos evitava-se o nome Renamo, simplesmente designada de “bandidos armados” ou “forças do Apartheid”.
Os adjectivos para se referir ao inimigo eram recorrentes: “reaccionários”, “infiltrados”, “agentes desestabilizadores” ou “lacaios do inimigo”, explicou João Feijó, para quem a identificação do “inimigo do povo” pode contribuir para a união das pessoas, bem como para legitimar as acções de quem esteja no poder, que incluem a violação dos mais elementares direitos dos cidadãos, tendo um imenso potencial de desculpabilização dos erros dos governantes.
“Em 1976, o Departamento de Informação e Propaganda da Frelimo iniciou a publicação de uma série de cartoons, retratando o que se designou de “inimigo interno”, com o objectivo de facilitar a sua identificação e combate. Denominado de Xiconhoca, a personagem aparecia regularmente em posters, revistas, livros escolares e jornais, tornando-se conhecida como o modelo do papel negativo de quem promove o “tribalismo”, o “sexismo” e a “exploração parasita”.
O Xiconhoca apresentava desmazelo, exibia os seus vícios de fumar e beber e desleixo profissional, comportamentos antagónicos ao “Homem Novo”, preconizado pelo partido de vanguarda. Importava assim manter a vigilância, no campo interno, perante um inimigo que permanecia activo”, acrescentou.
Importa referir que a presente edição das Tertúlias Itinerantes decorrem sob o lema “Fluxos de comunicação intercultural no espaço de língua portuguesa: debater o desconhecimento mútuo no contexto da era global”.
Esta iniciativa académica é coordenada por Sara Laísse, da Universidade Politécnica, Eduardo Lichuge, da Universidade Eduardo Mondlane, e Lurdes Macedo, da Universidade Lusófona, de Portugal. Este ciclo irá decorrer até Novembro deste ano, com a apresentação e discussão de 10 sub-temas, sendo um por cada mês, e irá escalar diversos lugares da capital do País.