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Tendência do preço de alimentos será sempre crescente: Firmino Mucavel

O Professor Doutor Firmino Mucavel adverte que os preços dos produtos alimentares terão sempre uma tendência crescente a longo prazo em Moçambique, devido a disparidade entre a taxa anual de crescimento populacional e a da produção de alimentos.

Refira-se que foi o aumento do preço de alimentos, sobretudo o pão, aliado ao agravamento das tarifas de água e electricidade que desencadearam a onda de violência nas cidades de Maputo e Matola entre os dias 1 e 2 de Setembro corrente.

“Posso apostar com todos aqui presentes. Daqui a sete, oito, nove meses ou um ano os preços vão subir”, disse Mucavel, falando Sexta-feira em Maputo durante um debate organizado pelo Observatório Juvenil para avaliar a onda de violência que abalou as cidades de Maputo e Matola.

Mucavel justificou a sua posição afirmando que “a taxa de aumento de produção alimentar em Moçambique e’ de 1,2 por cento por ano, enquanto que a taxa de aumento da população moçambicana e’ de 2,7 por cento por ano”.

“Portanto em cada ano que passa temos um défice alimentar de 1,5 por cento”, frisou Mucavel, antigo director da Nova Parceria para o Desenvolvimento de Africa (NEPAD), da União Africana.

Como resultado, a medida que o tempo vai passando, há cada vez menos alimentos para a população, e este défice alimentar aumenta o excesso da procura de alimentos o que provoca o aumento de preços de produtos alimentares.

Assim, facilmente pode-se concluir que quanto maior for a escassez de alimentos maior será a tendência do aumento de preços.

Por isso, urge inverter o actual cenário para aliviar a pressão sobre os alimentos.

“Esta é a equação que temos de resolver a curto, médio e longo prazo”, disse Mucavel, na sua abordagem neste debate que também contou com a intervenção do Professor Catedrático Carlos Serra.

Mucavel também chama atenção para um debate profundo sobre os papéis desempenhados pelo governo, empregadores, empresários bem como pelos consumidores.

O académico explica que “há uma tendência comum em Moçambique de responsabilizar o governo de todos os sucessos de desenvolvimento do país. É por isso que também se aceita de ânimo leve que é da responsabilidade do governo a subida dos preços e a perda do poder de compra dos consumidores”.

Por isso, acaba existindo a percepção de que se o governo é que traz o desenvolvimento, também é responsável pela subida dos preços.

“Esta é uma falácia. Na minha óptica, o governo deve partilhar os louros do desenvolvimento económico e social com os produtores, com os empresários, financiadores, com os consumidores e os demais. Da mesma forma os problemas económicos também devem ser partilhados por todos”.

Assim sendo, disse Mucavel, as agitações ou manifestações de 1 e 2 de Setembro, ou seja os tumultos seriam da responsabilidade de todos.

Causas prováveis dos acontecimentos de 1 e 2 de Setembro

Sobre os eventos de 1 e 2 de Setembro, o académico disse também encontrar uma resposta nas expectativas populares goradas, que se haviam formado depois das eleições autárquicas de 2008 e gerais de gerais de 2009.

Estas expectativas, disse Mucavel, foram exacerbadas pelo muito propalado crescimento económico salutar de Moçambique, considerado exemplar na região da Africa Austral, que teve o condão de “aumentar os apetites” das camadas mais pobres e vulneráveis para uma rápida melhoria do seu bem-estar e social, algo que não está a acontecer.

Como exemplo, o académico cita o caso da barragem de Cabora Bassa, que em Novembro de 2007 se reverteu a favor de Moçambique.

“Cabora Bassa passou a ser nossa. Isso aumentou o apetite de ter electricidade em todo o lado. As expectativas cresceram e todos estão a espera da electricidade pois, afinal, a Cabora Bassa é nossa, a electricidade é nossa, mas essa electricidade não está a chegar, e ainda por cima essa mesma electricidade (preço) está a subir”.

Em suma, explicou Mucavel, isso acabou gorando as expectativas de alguns segmentos da população moçambicana.

Por outro lado, Moçambique tem vindo a registar um crescimento económico exemplar na Africa Austral, mas carece de alimentos pois a maioria dos produtos consumidos localmente é importada da vizinha Africa do Sul, tais como a cebola e o tomate, colocando o país numa situação de dependência.

Fazendo uma abordagem teórica agro-economista, que nas suas palavras “começa na barriga e termina no cérebro”, Mucavel arrolou as principais sete causas, que no seu entender poderão ter desencadeado os eventos de 1 e 2 de Setembro.

Como primeira causa, Mucavel aponta a insegurança alimentar, sobretudo no seio das famílias mais vulneráveis.

“Quando alguém tem fome, a primeira coisa que faz e’ andar a procura de comida. Foi a procura de comida aquilo que aconteceu”, disse.

Segundo, os reduzidos rendimentos das famílias urbanas que cada vez vão piorando por causa da conjuntura económica nacional, e das crise orçamentais do país. Aliás, cerca de 50 por cento do orçamento é disponibilizado pelos parceiros de cooperação.

Terceiro, a erosão do poder de compra do consumidor pobre e vulnerável, devido a subida dos preços dos principais bens de consumo.

Quarto, a fraca capacidade produtiva nacional, agravada pelas perdas significativas da produção na cadeia comercial.

Quinto, os tumultos surgem devido a existência de desconexões na cadeia alimentar e de valor, o que aumenta os custos de transacção, condição fundamental para altos preços.

Sexto, as expectativas sociais não satisfeitas o que criou uma tensão entre os governantes e os governados. “O Estado-Pai deixou de existir quando os preços aumentaram. Quando a electricidade já era vista como nossa subiu”.

Também existe a percepção de que “aquilo que é nosso (caso da energia de Cabora Bassa) o seu preço e seu valor não pode subir”. Por isso, Mucavel sustenta a necessidade de se estudar este fenómeno.

A sétima provável causa é o facto de a maioria dos residentes urbanos não ser efectivamente empregável, o que cria um afunilamento de descontentes para a delinquência, para roubos e linchamentos nas zonas urbanas.

“Isto cria os vândalos, cria os manifestantes, cria os agitadores”, de acordo com a interpretação, de cada um” disse Mucavel, evitando catalogar os principais actores da violência de 1 e 2 de Setembro.

Consequências políticas, económicas e sociais

Como consequência políticas, económicas e sociais dos eventos de 1 e 2 de Setembro, Mucavel aponta a perda de vidas humanas, centenas de feridos e um prejuízo superior a 200 milhões de meticais.

Estes prejuízos são visíveis nas estradas de Maputo onde se notam buracos nas estradas devido ao efeito dos pneus queimados nesses locais.

A redução da capacidade das famílias para o trabalho e para os negócios informais nas cidades de Maputo e da Matola, são outras consequências arroladas por Mucavele.

O académico aponta ainda a perda de expectativas sociais para a prosperidade de muitos que esperavam um mundo de abundância e de estabilidade nas cidades da Matola e Maputo.

Sobre as consequências económicas, destacam-se a destruição da rede económica urbana e comercial, a redução do investimento privado que, certamente, vai aumentar a pobreza urbana.

Acresce ainda a redução de emprego na cidade do Maputo, associada a descapitalização dos empregadores, a perda da robustez da economia nacional, em termos de investimento estrangeiro.

As consequências políticas incluem, entre outros, um aproveitamento político de alguns sectores para agudizar conflitos políticos e implantar a instabilidade governativa.

Esta agudização da discórdia política em nada contribui para o desenvolvimento das instituições democráticas nacionais.

Também poderá afectar as politicas para o desenvolvimento rural e a excessiva preocupação pelos problemas urbanos, em detrimento do desenvolvimento rural, que e’a condição necessária para reduzir a emigração para as cidades, condição necessária para ter as cidades alimentadas.

Acções imediatas do governo

Na ocasião, Mucavel também propôs uma séria de acções imediatas que deveriam ser implementadas pelo governo.

Segundo o académico, o governo deve imediatamente reorientar os planos, estratégias de desenvolvimento nas áreas sociais e institucional para fazer os ajustamentos necessários as suas recentes decisões de pacotes alternativos anunciados.

O governo deve fazer a revisão das políticas governamentais, especialmente na segurança alimentar e humana para sincronizar e harmonizar as medidas a curto prazo com as politicas de desenvolvimento a longo prazo.

O governo deve fazer uma revisão da estrutura e composição do Orçamento do Estado para 2010, e as formas de implementação do programa quinquenal do governo 2010/14.

Também deve promover a indústria alimentar urbana para melhorar a oferta de produtos alimentares ao nível das cidades de Maputo e Matola.

Os empresários, empregadores, produtores e jovens também têm um papel importante a desempenhar na economia urbana no sentido de melhorar a sua eficiência produtiva, reduzir as perdas e introduzir processos produtivos tecnicamente mais viáveis.

Estas acções também incluem o próprio consumidor, que deve passar a ser mais proactivo.

“Deve-se reduzir a distância entre o produtor e o consumidor, como forma de reduzir as despesas de transacção que encarecem o preço dos produtos alimentares”, disse.

Alternativas a curto, médio e longo prazo

Como alternativas a curto prazo, Mucavel aponta a formação dos jovens desempregados das cidades em profissões relevantes no meio urbano tais como serralharia, mecânica, electricidade, canalização, entre outras.

Prosseguindo, Mucavel aponta que a curto prazo é preciso eliminar as ineficiências na cadeia alimentar, caracterizada pelas perdas pós colheita de 25 a 30 por cento nos cereais e cerca de 10 a 15 por cento nas hortícolas provenientes das zonas verdes de Maputo.

Impõe-se ainda analisar a estrutura na importação de produtos alimentares e a rectificação das determinantes dos preços dos produtos alimentares.

Mucavel também faz referência a uma análise na estrutura de custos dos principais produtos alimentares, tais como tomate, cebola, pão, arroz, batata, milho, trigo, mandioca, batata-doce e de outros que forem identificados como sendo importantes para a segurança alimentar.

Ele adverte que as decisões tomadas a curto prazo dever ser com base em estudos concretos, pois não basta baixar preço porque esta pode ser uma faca de dois gumes.

Por isso, propõe a criação de redes de segurança alimentar e humana, (em inglês “safety nets”) para aliviar as famílias destituídas de meios nas cidades de Maputo e Matola.

Com relação as medidas a médio e longo prazo, Mucavel propõe o aumento da produção e produtividade agrária, aproveitamento das zonas agro-ecológicas nacionais, transformando as vantagens económicas da agricultura em vantagens competitivas.

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