Após sucessivas quedas a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique registou uma pequena subida no terceiro trimestre de 2016, subiu de 3,4% para 3,7% segundo o Instituto Nacional de Estatísticas. Todavia este crescimento, que já aconteceu a uma média de 7% durante a última década, tem sido feito “à custa dos trabalhadores pobres, um processo que ameaça não só intensificar as dificuldades económicas mas também propiciar maior instabilidade e polarização política e social”, constata o professor Marc Wuyts. O Economista aponta também as reais causas do aumento do custo de vida no nosso País, “não é o crescimento da agricultura que importa, mas sim o crescimento da produção nacional de alimentos”.
Moçambique, e outros Países, assumiu como premissa das suas políticas de desenvolvimento que o crescimento do PIB reduz a pobreza. “(…) Defende-se que, se o Produto Interno Bruto per capita crescer de forma significativa e se a desigualdade medida pelo coeficiente de Gini não piorar consideravelmente, a incidência da pobreza(absoluta) deve, por conseguinte, baixar. Uma consequência desta ideia é que se investe muito tempo, dinheiro e trabalho na monitorização da relação entre o crescimento económico(medido pelo crescimento do PIB) e a incidência de pobreza” escreve o professor Wuyts, doutorado em Economia, que afirma que “a finalidade muitas vezes parece ter que ver com o preenchimento de checklists de monitorização das estratégias de redução da pobreza para justificar os fluxos contínuos de ajuda externa do que lidar com o que está de facto a acontecer”.
Marc Wuyts é um clarividente, nas últimas semanas a Direcção de Estudos Económicos e Financeiros do Ministério da Economia e Finanças e vários parceiros de cooperação internacional do nosso País têm se desdobrado em seminários para divulgar a Quarta Avaliação da Pobreza e Bem-estar. Um documento baseado no Inquérito ao Orçamento Familiar(IOF) de 2014/2015 que revela que durante a última década a pobreza não reduziu significativamente, aliás o número de moçambicanos pobres até aumentou.
O professor Wuyts argumenta no seu artigo intitulado “Inflação e Pobreza – Uma Perspectiva Macroeconómica”, citando as ideias do economista polaco Michal Kalecki, que aumentar o índice de crescimento de uma economia como resultado de uma maior taxa de investimento vai aumentar a procura efectiva de bens de consumo, o que, se a produção de bens de consumo não puder dar resposta, provocará uma inflação do preço dos produtos de primeira necessidade e em última análise leva ao desgaste dos rendimentos reais dos pobres.
“Um corolário deste argumento é que o crescimento do PIB per capita nem sempre pode ser equiparado ao crescimento do nível de vida médio”, refere o académico retratando um cenário que Moçambique viveu com o boom da industria do carvão, particularmente nas cidades de Maputo e de Tete.
O que importa é o crescimento da produção nacional de alimentos básicos
Marc Wuyts, que é também M.Sc em Matemática Económica Econometria, desmistifica no seu artigo publicado na edição de 2016 da publicação do Instituto de Estudos Sociais e Económicos “Desafios para Moçambique”, alguma da propaganda dos economistas do Governo do partido Frelimo sobre o aumento do custo de vida, antes da descoberta de todas as dívidas secretas que precipitaram a crise que vivemos.
“Em Moçambique, por exemplo, no período de 2002 a 2010 a taxa média da inflação dos preços dos alimentos foi de 11,3% ao ano, contra 7,6% para os bens de consumo não alimentares, uma diferença de 3,7%. A taxa de inflação no deflacionador do PIB foi semelhante à dos bens de consumo não alimentares. Além disso, no mesmo período, a produção nacional de alimentos em Moçambique foi muito variável, com baixos níveis de crescimento geral da produção, tornando o País mais dependente de importações. De 2002 a 2008, a produção de alimentos aumentou 2,2% ao ano(o que é menos do que o crescimento da população) e a produtividade(medida pelas colheitas) baixou -2,7% ao ano. Durante este período, os preços mundiais de produtos alimentares subiram rapidamente, o que acarretou um aumento dos preços de importação de alimentos”.
“Ao mesmo tempo, assistiu-se em Moçambique a impressionantes taxas de crescimento. Todavia, o que importa para a redução da pobreza não é apenas a taxa de crescimento mas também tipo de economia que o crescimento cria no processo e que – no caso de Moçambique parece ser bastante desequilibrado a favor da produção de exportação impulsionada por megarojectos. A lição parece ser que, embora a produção de exportação seja sem dúvidas importante, o que vale é a expansão da produção de bens de primeira necessidade para o mercado interno, especialmente alimentos”, escreve o Economista que clarifica mais adiante “que não é o crescimento da agricultura que importa, mas sim o crescimento da produção nacional de alimentos – alimentos básicos, em particular – para a procura interna”.
Aliás acrescenta o professor Wuyts, “em Moçambique a produção de alimentos per capita para o mercado interno tem vindo a diminuir de forma constante, acentuando assim a necessidade de importar produtos alimentares para equilibrar a procura interna”.
O académico conclui no seu artigo que, “apesar do seu crescimento económico significativo, Moçambique encontra-se de facto, no fio da navalha, numa situação em que o crescimento económico se faz à custa dos trabalhadores pobres, um processo que ameaça não só intensificar as dificuldades económicas mas também propiciar maior instabilidade e polarização política e social”.