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“Sou um bocado afoito-delirante”

“Sou um bocado afoito-delirante”

No dia em que Luís Carlos Patraquim lançou “A Canção de Zefanias Sforza” – última quarta-feira – @ VERDADE falou com o poeta que pela primeira vez fez uma incursão na prosa. E, como nos confessou, ficou com o “gostinho”, prometendo novidades para breve.

Após a publicação de vários livros de poesia, surge finalmente um título de prosa. A que se deve esta incursão na prosa?

Luís Carlos Patraquim (LCP) – Muito pragmaticamente devo dizer que respondi a um convite que recebi da Porto Editora. Fizeram-me o desafio, lancei mãos à obra e saiu “A Canção de Zefanias Sforza”.

 

Foi então uma encomenda?

(LCP) – Sim, mas isto não tem nada de pejorativo. Obviamente da parte da Porto Editora não houve qualquer directiva. Tive a inteira liberdade para escrever o que bem entendi.

Sentiu-se à vontade na prosa?

(LCP) – Sim, acabei por me sentir à vontade. Sou um bocado afoito-delirante, aceitei o desafio e devo dizer que este livro foi escrito – o leitor não tem culpa disso – em três meses e pouco. Havia prazos para cumprir, porque queriam que o lançamento fosse feito por alturas de independência, que este ano fez 35 anos. No fundo já tinha algo na cabeça que tem a ver com o trabalho que sempre fiz em torno do roteiro cinematográfico, se bem que o roteiro cinematográfico não seja obra literária, pelo menos no sentido técnico. Mas tinha as minhas alavancas. Há uma questão difícil que é a questão dos diálogos. Ernest Hemingway dizia que passou a vida a tentar conseguir os melhores diálogos possíveis, por isso afoitei-me e aí está o Zefanias.

Como foi o processo criativo?

(LCP) – Sinceramente não sei responder. A coisa vai surgindo, tive como estratégia o facto de pensar num personagem que tivesse um recorte forte, uma nitidez evidente, não significa que essa personagem não tenha dentro de si alguma complexidade porque senão seria uma coisa maniqueísta e pobre. Julgo que consegui isso com o Zefanias que é um bocadinho de todos nós.

A opção pela novela, um caminho intermédio entre o conto e o romance, deveu-se à falta de coragem para entrar neste último?

(LCP) – Foi uma questão de tempo. Não tive tempo para fazer um romance, mas sinceramente o romance nunca foi a minha ambição, será para quem quer escrever romances, o que é legítimo. Mas devo dizer que fiquei com o gostinho e deverá, dentro em breve, sair uma nova prosa, mas aí será com mais tempo, mais trabalhada, embora aqui também haja algum exercício narrativo, que foi a minha solução, mas cada escritor tem a sua própria solução. No fundo não há receitas para a escrita.

Como classifica o Zefanias, o personagem principal do seu livro?

(LCP) – Classifico-o como o homem comum, porque o homem comum tem dentro de si uma mistura de utopia, pragmatismo, solidariedade, megalomania e humildade e… vê passar as coisas.

Tem um lado muito diletante?

(LCP) – Sim, seguramente, mas também de um certo altruísmo. É egoísta quanto baste mas simultaneamente é capaz do bon geste (gesto bonito).

E a opção pela sua ascendência italiana?

(LCP) – Foi para descentrar o que não significa que não haja uma conexão com o plano real e histórico porque há neste país muitas famílias de origem italiana e mesmo que não houvesse a ficção inventa, desde que tenha alguma verosimilhança. Há um realismo transformado, mas não estou preocupado com isso.

O tempo é nitidamente pós-independência.

(LCP) – Sim, mas há uma espécie de flashback, para usar uma linguagem cinematográfica, que ele faz através do pai. Mas no fundo o texto é um concerto a várias vozes e cada um que balize no tempo em que entender, mas no caso deste Zefanias, que está aqui sentado na varanda da 24 de Julho, obviamente que é um jovem do tempo pós-independência mas que é interceptado pelas vozes do pai, que também é Zefanias, que é claramente alguém que vive no tempo colonial.

Já está na forja mais alguma prosa?

(LCP) – Julgo que sim. Haja tempo, disponibilidade e talento para isso. Só posso dizer que fiquei com o gostinho. Vamos a ver.

E a poesia?

(LCP) – Sem qualquer pretensiosismo da minha parte, penso que a poesia é a minha condição de ser e de estar. Estou preso a ela.

Como olha para o presente e para o futuro da literatura moçambicana?

(LCP) – De certa forma está-se a viver uma fase contraditória, no sentido em que não estão a aparecer novos valores com consistência, sobretudo na poesia, mas há uma certa actividade editorial. Os valores que se afirmaram na geração da “Charrua” são valores consolidados. A nova geração, sobretudo na poesia, não está a despontar. Há um ou outro nome, mas vamos aguardar para ver como se consolida. Toda a gente tem direito a experimentar e a errar.

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