Centenas de pessoas, na sua maioria mulheres ligadas a organizações da sociedade civil, marcharam esta quinta-feira (20), na cidade de Maputo, contra o que consideram ser “violação de direitos humanos no Código Penal (CP)”. A caminhada culminou com a entrega de um documento contendo as reivindicações à Presidente da Assembleia da República (AR), Verónica Macamo, que garantiu que as contribuições seriam analisadas em “fórum próprio”.
As organizações da sociedade civil protestam contra a inclusão de alguns artigos que ferem os direitos humanos, particularmente da mulher e da criança, no Projecto de Revisão do Código Penal, aprovado na generalidade em Dezembro do ano passado, estando previsto que mesmo seja discutido na especialidade (artigo por artigo) ainda este mês.
Sucede que no projecto em referência, o artigo 223 estabelece que em caso de crimes de violação sexual, “(…) o casamento porá termo à acusação da parte ofendida e a prisão preventiva, prosseguindo a acção à revelia, até o julgamento final.” Ou seja, o casamento da vítima de violação com o seu violador põe termo ao crime cometido por este último.
Aquela e outras disposições que se encontram no documento em causa são vistas como uma violação grave aos direitos humanos. Os manifestantes protestam ainda o facto de o projecto de revisão ignorar ou discutir sem profundidade outros tipos de crimes, tais são os casos de pedofilia, violação sexual entre casais, aborto, direitos das minorias sexuais, entre outros.
Importa, no entanto, salientar que de acordo com o presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Legalidade, Teodoro Waty, o artigo “problemático” foi retirado do projecto.
Como que a fazer jus ao facto de a marcha pretender defender os direitos, particularmente das mulheres, a mesma iniciou na praça da Organização da Mulher Moçambicana (OMM) e foi desaguar na Assembleia da República, onde se encontravam os deputados reunidos em Plenária.
FIR trava a marcha
Durante o percurso da marcha, feito de forma ordeira com a polícia a garantir a segurança dos participantes, um cenário pouco acolhedor já era previsível para a chegada à Assembleia da República, onde em dias normais de sessões plenárias, a presença policial é reforçada com a Força de Intervenção Rápida. A
presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, reagindo a uma pergunta sobre a eventualidade de um impedido de acesso à “Casa do Povo”, disse que se fosse necessário os manifestantes iriam despir-se em frente à polícia ou qualquer outra força que assim procedesse.
No entanto, a poucos metros da AR, mais concretamente em frente ao edifício do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), um contingente da Força de Intervenção Rápida (FIR), com armas de fogo e bombas de gás lacrimogénio em punho, posicionou-se, formando uma cintura, para impedir a passagem dos manifestantes que pretendiam se posicionar em frente do edifício onde funciona o Parlamento.
Efectivamente, a passagem daquele local não foi possível. Os participantes tiveram que se concentrar ali, donde receberam a informação de que seriam recebidos pela Presidente da AR dez dos seus representantes. E assim aconteceu.
Verónica Macamo convida sociedade civil a participar nas sessões das comissões
A presidente da AR, em conversa com os representantes da organizações da sociedade civil que estiveram a marchar, disse que as questões levantadas por este grupo são as mesma que foram colocadas pelos deputados, em sede de Plenário, durante o debate que culminou com a aprovação, na generalidade, do projecto de revisão do CP.
Macamo explicou que o “sim” na generalidade não significa o fim dos debates, mas a concordância com o princípio da revisão. “O processo de revisão Código Penal ainda não terminou, está a ser trabalhado. Queremos pedir um voto de confiança. As mulheres representam 40 porcento dos deputados e estão comprometidas com a questão de género”, disse, acrescentando que “tudo faremos em prol da mulher e criança e pelo seu bem-estar”.
Sobre o crime de violação entre casal, a Presidente chamou atenção para o facto de ser um litígio difícil de se obter a prova criminal, supostamente porque tal acto ocorre em espaço privado de ambos, ou seja, no quarto.
Na ocasião, a Presidente convidou os participantes a participarem das sessões das comissões especializadas da AR, uma vez que estas são abertas ao público. Esta é uma forma de evitar mal entendidos em matérias de interesse público, como a revisão do Código Penal.