Mulheres grávidas seropositivas são frequentemente esterilizadas na hora do parto, muitas vezes sem seu conhecimento. Verónica (não é o seu verdadeiro nome) não se apercebeu que tinha sido esterilizada durante o parto da sua filha até que, quatro anos depois, começou a suspeitar que algo estava errado, uma vez que já não conseguia conceber. Ela aconselhou o seu namorado a consultar o médico.
“Eu pensei: tudo bem, porque não havia nada mais que eu podia fazer sobre este assunto. Mas fiquei com raiva. Odeio aquelas enfermeiras “, disse Verónica à ‘PlusNews’.
Ela testou seropositiva durante a consulta pré-natal, e as enfermeiras deram-lhe um impresso para assinar na hora em que ela foi para dar o parto.
“Eu não sabia o que era aquilo, mas assinei”, disse Verónica, que tinha 18 anos na época e que tinha sido repreendida pela enfermeira por engravidar ainda solteira.
Ela lembra-se vagamente de ter estado inconsciente e depois despertar para dar à luz a sua filha, mas não fez perguntas sobre o corte no seu abdómen. “Minha tia – que é enfermeira – foi questionar sobre o corte no abdómen. Não lhe deram qualquer explicação, dizendo apenas que o assunto era privado e confidencial.”
Verónica, que tem agora 28 anos e trabalha para um programa de cuidados domiciliários de HIV/SIDA em Orange Farm, um subúrbio pobre do Sul de Joanesburgo, é parte de um crescente número de mulheres na África do Sul e outros países da região que têm vindo a público nos últimos anos com histórias semelhantes de terem sido esterilizadas contra a sua vontade depois que testarem positivas nos testes de HIV.
Os grupos locais de direitos humanos na Namíbia, com o apoio da Comunidade Internacional de Mulheres Vivendo com HIV/SIDA, ajudaram a descobrir 15 casos desta natureza, e três casos de mulheres seropositivas que disseram ter sido esterilizadas em hospitais públicos sem o seu consentimento estão em julgamento no Tribunal de Alta Instância em Joanesburgo.
“Parece que na Namíbia, a prática de esterilização de mulheres seropositivas está bastante generalizada e é sistemática”, disse Delme Cupido, Coordenador da Política de HIV/SIDA no “Open Society Institute of Southern Africa (OSISA)”, que está a financiar esta acção legal.
Casos semelhantes foram descobertos na Zâmbia, e Promise Mtembu uma activista de SIDA e dos direitos de mulheres que foi, ela própria, em 1997, vítima de esterilização não consentida, está a recolher histórias de mulheres sul-africanas vivendo com o HIV e cujos direitos de reprodução foram violados.
Alguns dos 12 casos que ela documentou até agora ocorreram vários anos antes da introdução dos serviços de prevenção da transmissão de mãe para filho, mas os mais recentes tiveram lugar em 2009, altura em que as instituições de saúde pública já usavam o regime de duplo tratamento anti-retroviral que pode reduzir o risco da transmissão do HIV de mãe para filho, até menos de cinco por cento.
Além da disponibilidade deste tratamento preventivo, um procedimento médico sem o consentimento informado do paciente é uma grave violação dos direitos humanos e, ainda de acordo com Mushahida Adhikari, um advogado do Centro Jurídico da Mulher, em Cape Town e que trabalha com Mtembu na compilação de casos com vista a se encetar uma acção legal, “Um grande número de mulheres não sabiam que era um erro esterilizar uma pessoa sem o seu consentimento”.
Mtembu acrescentou que, “Em muitos casos as mulheres sabiam o que estavam assinando, mas acho que não lhes foi dada escolha.”
Mtembu e Adhikari esperam colectar um número suficiente de casos e suficiente matéria para leva-los ao Tribunal de Justiça de Alta Instância da África do Sul e, caso este tribunal decida a seu favor, o caso será submetido ao Tribunal Constitucional, mas “vai ser uma longa e árdua batalha”, advertiu Adhikari. “Muitas das mulheres não querem necessariamente ser parte de uma acção de grande proeminência, elas só querem um pedido de desculpa.”
Muitas vezes as mulheres não querem ir ao tribunal porque nem sequer informaram as suas famílias sobre o facto de terem sido esterilizadas. Adhikari afirmou que o estigma associado à impossibilidade de ter filhos pode ser tão forte como a infecção pelo HIV.
Verónica foi rápida a revelar à mãe o seu estado de seropositiva, mas ainda não contou a ela sobre a esterilização. O seu relacionamento anterior terminou após a revelação de que tinha sido esterilizada, mas o seu novo namorado quer um filho e o casal está procurando conselho médico sobre a possibilidade de se reverter o processo.
A inversão pode ser possível, dependendo da forma como a esterilização foi realizada, mas o processo é difícil e caro demais para a maioria das mulheres.
Verónica afirmou que “não seria razoável”, se os testes revelarem que a sua esterilização não pode ser revertida, mas decidiu não tomar medidas legais contra o hospital que realizou o procedimento. “É tarde para mim”, disse ela. “Mas para as outras mulheres, eu acho que elas devem (tomar medidas legais).”