A malária cerebral mudou completamente a vida do jovem Sérgio Muiambo. Mas não foi só a doença que o levou à desgraça e à miséria. Tudo terá começado com a sua desvinculação das minas. Depois, uma sucessão de acontecimentos fizeram-lhe acreditar que não está neste mundo para ser feliz.
Sérgio tem 36 anos de idade e reside no bairro do Infulene “D”, algures no Município da Matola. Trabalhou durante cinco anos como mineiro na África do sul, onde passou boa parte da sua juventude.
O fim do contrato de trabalho foi a razão que o levou à desgraça, tendo visto os seus planos e sonhos ruírem. Para não permanecer naquele país, os responsáveis da mina onde trabalhava trataram de custear as despesas do seu regresso a Moçambique. Na verdade, ele não era o único moçambicano naquela condição. Segundo nos conta, eram pouco menos de cem jovens.
Daquele grupo, houve quem conseguiu um emprego e outros que preferiam permanecer na “Terra do Rand” na esperança de melhorar as suas condições de vida.
“A minha vida ficou mais difícil quando o meu contrato de trabalho nas minas chegou ao fim. Só fiquei lá cinco anos, gostaria de ter ficado mais.
Por não poder renová-lo, os patrões pagaram-nos algum valor a mim e aos meus colegas moçambicanos”, afirma para depois acrescentar que aqui em Moçambique teve que começar a ganhar a vida. Teve de fazer de tudo um pouco.
Antes de ir trabalhar para as minas, Sérgio já tinha abraçado várias profissões, dentre as quais a serralharia, construção civil e confecção de vestuário.
O amor ao trabalho e o desejo de regressar à África do Sul
No último domingo, dia 19, debaixo de uma pequena mangueira e da chuva, o jovem Sérgio fazia os seus pequenos trabalhos ao lado de um montão de sucatas, composto por latas vazias de tinta (3 litros), arames, entre outros materiais que não passam de componentes para produzir pequenos e desinteressantes fogões.
Quem passa pela rua pode pensar que se trata de fogões sem nenhuma importância. Cada fogão é comercializado ao preço de 45 meticais, sendo que por dia consegue produzir dois.
Questionado sobre o destino que dá ao dinheiro proveniente da venda dos seus produtos, Sérgio disse que “estou a juntá-lo para voltar às minas lá na África do Sul, também quero ir ao encontro da minha mulher e mãe dos meus filhos que me abandonou por eu estar doente”.
Não obstante estar a sofrer os efeitos colaterais da malária cerebral e, segundo a mãe, de doenças de provocadas por pessoas que não querem vê-lo a fazer os seus trabalhos e a gozar os bons momentos que a vida proporciona(va), Sérgio demonstra amor pelo trabalho que faz, o que leva muitos a chamarem-no maluco (entenda-se doente mental).
As dores que teimam em não passar
Sérgio Justino Muiambo já não é o mesmo de há 10 anos. Antes de ser desvinculado das minas o seu futuro parecia promissor. Ele era um dos poucos jovens que respeitava as pessoas e sabia ajudar a quem dela necessitasse.
“Porém, tudo mudou (para o pior) quando ele deixou de trabalhar e foi-lhe roubado um montante de 3 mil meticais dentro de casa, um dinheiro que havia guardado para comprar uma máquina de costura.
Esse era o seu sonho”, afirma Rosita Matavele, sua mãe. Depois desse episódio, Sérgio foi acometido por uma doença estranha. Só mais tarde e através de exames médicos é que se descobriu que se tratava de malária cerebral.
Diagnosticada a doença, em 2005, seguiu- se a fase de tratamentos, “quase todos os dias frequentávamos os hospitais para resolver a situação dele. Os médicos receitavam alguns remédios que, no entanto, pareciam não surtir efeitos. O seu estado agravava-se cada vez mais”, ajunta.
Rosita diz ainda que, nos hospitais por onde passavam, chegaram a aventar a possibilidade de a doença do Sérgio estar ligada à magia negra, facto que a levou a procurar respostas na medicina tradicional.
“Gastei muito dinheiro à procura da cura nos médicos tradicionais, fui expor o caso a algumas igrejas, nomeadamente Zione e Velha Apostólica. Os pastores cobraram-me avultadas somas alegando que poderiam curar o meu filho, mas foi tudo em vão”, comenta para depois afirmar que está tão revoltada com estas duas confissões religiosas pois elas aproveitam-se da aflição e do desespero alheio para arrecadar dinheiro.
A separação dos pais
Os pais de Sérgio (Justino Muiambo e Rosita Matavele) separaram-se quando ele tinha apenas dois anos de idade. Ele é o segundo filho do casal, num universo de 6 irmãos. O primeiro filho teve a sorte de ter o carinho dos pais, quando estes ainda nutriam algum sentimento um pelo outro.
Porém, o mesmo não aconteceu com Sérgio e com os irmãos, que assistiram (diga-se, inocentemente) à separação dos seus progenitores.
“Ele não foi para além da 4ª classe, interrompeu os seus estudos porque eu já não tinha condições para manté-lo na escola. O pior é que o pai pouco ou nada fez para ajudar o filho” afirma a mãe, visivelmente agastada com o sofrimento a que o filho está votado.
Os curandeiros
Rosita disse que antes de o seu filho ser acometido pela malária cerebral, em 2004, ela dedicava-se à venda de carvão (a grosso e a retalho) e de alguns produtos alimentares, numa banca montada no mercado T.3.
“Todos os meus negócios foram por água abaixo, gastei o dinheiro para pagar aos médicos tradicionais e pastores que diziam que podiam curar o meu filho, o que não aconteceu. Eu já estou cansada disto (entenda-se doença). Não acredito que seja só malária cerebral, há outras coisas por detrás disso. Acho que é feitiçaria”, acusa.
Para além dos negócios, esta mulher, que nem sequer contou com o apoio do então marido (pai do jovem), diz ter vendido uma boa parte do gado caprino (foram sete no total) que tinha.
“Hoje, por mais que apareça um curandeiro ou pastor não pagarei o dinheiro antes de ver o resultado, estou cansada de ser enganada por pessoas desonestas que, no lugar de aliviar as tensões provocadas pela doença, atiçam-nas”, assevera.
“O meu filho parecia um animal selvagem”
A malária cerebral de que Sérgio padece já atingiu proporções alarmantes. “Nos dois últimos anos, o meu filho parecia um animal selvagem, destruía os bens que via pela frente, partia os vidros das janelas, arrombava as portas, pegava em instrumentos contundentes para destruir as paredes da casa”, afirma Rosita Matavele, acrescentando que não raras vezes retirava alguns bens para vender.
“Agora a casa está vazia por culpa dele, vendeu quase tudo, inclusive a porta e chapas de zinco que cobriam o quarto dele. Mas, ele não batia nas pessoas, ainda que fosse provocado, apenas proferia palavras injuriosas”.
Segundo afirma a mãe, nos finais do ano passado o jovem começou a melhorar. “No auge da doença, ele nem aceitava tomar banho, muito menos lavar a sua roupa, ou seja, de higiene não tinha nada. Felizmente, agora consegue pôr água e tomar banho sem que ninguém o obrigue”.
“A minha mãe não está satisfeita com a minha presença”
Entretanto, Sérgio Muiambo acusa a sua mãe de não olhar para ele como pessoa, muito menos como (seu) filho.
“Quando saio ou nos dias de chuva, ela e as filhas ficam a tomar banho no meu quarto. Isso prova que elas não estão satisfeitas com a minha presença aqui em casa”, queixa-se. Por seu turno, a mãe refuta tais acusações e diz que das vezes que tomam banho no quarto do filho tal acontece nos dias em que ele está embriagado (de tal maneira que chega a fazer necessidades menores dentro do seu próprio quarto). “É apenas para eliminar o cheiro nauseabundo dentro da casa”.
Abandonado pela mulher
Na altura em que trabalhava na vizinha África do Sul, Sérgio vivia maritalmente com uma mulher com a qual teve três filhos, dos quais um perdeu a vida.
Quando ficou desempregado, ele decidiu trazer a família a Moçambique. Mas como o azar nunca vem só, começou a adoecer poucos anos depois, o que fez com que a mulher o abandonasse, levando as crianças consigo.
“Ela está com outro homem. Nunca veio visitar o pai dos filhos e nem permite que os filhos o façam. Ainda que não queira viver com ele, devia preocupar- se com os meninos”, conclui Rosita Matavele.