Não aquela Eva que comeu a maçã e foi expulsa do paraíso, mas a Eva feminista, generosa e dedicada, colaboradora do secretariado internacional da Marcha Mundial das Mulheres, movimento feminista mundial. Eva Anadón Moreno participou na organização de uma acção de rua, prevista para ter lugar no dia 18 de Março, de manhã, em frente à Escola Secundária Francisco Manyanga, que incluía a apresentação de um teatro de rua para chamar a atenção sobre a violência contra as raparigas na escola, e que nem chegou a realizar-se por intervenção da polícia. Não o fez sozinha, foi um colectivo de pessoas e organizações que tomaram a iniciativa. Ela não impôs, não dirigiu e não constrangeu ninguém a participar nessa acção de rua.
A presença policial no local foi prévia à concentração das pessoas e, conforme estas iam chegando, eram interpeladas. Foram confiscados os cartazes assim que foram tirados do carro de uma das activistas.
O resultado desta acção de rua abortada foi a detenção, sem abertura de auto (na altura), de 5 das activistas. Neste grupo estava a Eva, que foi uma das pessoas que contestou a actuação policial, pelo uso excessivo de força e intimidação, sobretudo em relação às raparigas do grupo de teatro.
As activistas detidas acabaram por ser soltas depois de cerca de 6 horas, sem se ter aberto nenhum auto. Apresentaram os seus documentos e deixaram os seus endereços antes de saírem.
Nenhuma delas foi importunada depois disso, com excepção da Eva, a quem ficaram de tocaia no seu apartamento pessoas não fardadas e que não se identificaram, num carro indicando ser dos serviços de Migração e Supervisão.
Na terça-feira, dia 29 de Março, 6 homens chegaram em 3 carros ao apartamento da Eva, e entregaram uma notificação para que ela comparecesse nos serviços de Migração. Aqui, onde ela mostrou que tinha a sua documentação legalizada, permaneceu das 13 horas até por volta das 19.00, muito depois do encerramento do expediente. Quando questionados, os funcionários referiam ter ordens superiores. De quem não sabemos. Os seus advogados não puderam entrar.
Daqui a Eva foi transferida para o aeroporto para se proceder à sua expulsão, o que sucedeu de forma camuflada, pois às pessoas que esperavam por ela no exterior, inclusive aos advogados, foi-lhes dito que a levariam à Direcção de Migração da cidade. Só foi solta depois da meia-noite, com a intervenção da Procuradora da Cidade, que contestou a ilegalidade da acção, pois não havia nenhum documento oficial a suportá-la.
Na quarta-feira, dia 30 de Março, a Eva compareceu às 9 horas na Procuradoria da Cidade, acompanhada dos seus advogados. Agora havia um Despacho do Ministro do Interior a oficializar a sua expulsão e ela foi encaminhada novamente ao aeroporto. O Despacho argumenta que a Eva “se envolveu activa, aberta e publicamente numa manifestação ilegal, promovida por algumas organizações da sociedade civil, alegadamente em protesto contra a obrigatoriedade de uso, nas escolas primárias e secundárias, de saias cujo cumprimento deve ultrapassar os joelhos (…) com dizeres ofensivos aos bons costumes da República de Moçambique”. Os seus advogados fizeram o recurso, mas o processo não terminou a tempo de influenciar a decisão.
Por volta das 15.20 horas, a Eva tomou um avião e saiu de Moçambique, escoltada por um polícia. Ela, que trabalhou cinco anos neste país, lutando pelos direitos humanos, dedicando-se de alma e corpo a esta luta, foi expulsa como se de uma criminosa se tratasse, por ordens superiores.
Será a Eva a “mão estranha” de que tanto se fala, que esconde misteriosos desígnios e busca destruir o nosso país, instalando a desordem e o caos? Com tanto bandido, corruptos, ladrões, assassinos, traficantes e raptores, era preciso despender tantos recursos para deter e expulsar uma feminista?
Que fique claro, nós entendemos o recado: não se pode falar contra nenhuma decisão do Governo ou das suas instituições, porque agora vivemos num regime ditatorial de pensamento único, senão serás expulso, preso, detido. A sociedade civil só será tolerada se se mostrar útil e nunca poderá questionar ou criticar.
A Eva, por ser a parte mais fraca, como estrangeira, foi escolhida para dar um exemplo e para nos provocar medo. Para nos dizer que os tempos agora mudaram e que os direitos humanos e os direitos humanos das mulheres e das crianças não fazem parte da agenda política. Quando muito, servem para apresentar uma face “democrática” ao mundo.
Embora lamentando, com dor na alma pela injustiça que uma companheira nossa sofreu, nós também temos um recado: não vamos parar de lutar pelos nossos direitos. E esta acção, levada a cabo ao arrepio da lei, com total arbitrariedade e prepotência, não nos vai parar. Exigimos que nos seja restituída a Eva, o seu direito de ir e vir de Moçambique, país que adoptou como segunda casa.
A luta continua
Por Fórum Mulher