Depois de gastos mais de 560 milhões de ienes em pagamentos de serviços de consultoria para concepção de um Plano Director que se mostra desfasado das demandas das comunidades do Corredor de Nacala e amplamente criticado e denunciado pelas organizações e movimentos sociais integrantes da Campanha Não ao ProSavana, a equipa de coordenação do Prosavana em conivência com os governos de Moçambique, do Brasil e de Japão, opta pelo aliciamento e cooptação das organizações da sociedade civil nacionais.
Para o efeito, vai ter lugar nos dias 11 e 12 de janeiro, na Cidade de Nampula, uma reunião organizada pela MAJOL Consultoria e Serviços, Lda, uma empresa contratada pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) para eliminar o foco de resistência ao Prosavana e limpar a sua imagem. O estranho é que este evento conta com o envolvimento institucional da Plataforma de Organizações da Sociedade civil de Nampula (PPOSC-N), o Fórum de ONGs do Niassa (FONAGNI), o Fórum de ONGs da Zambézia (FONGZA), a Rede de Organizações para Ambiente e Desenvolvimento Comunitário Sustentável (RADEZA) como sendo co-organizadores deste processo.
A ADECRU sabe de fontes seguras que este processo é a continuidade de esforços anteriores desenvolvidos pela coordenação do Prosavana para eliminar todo o tipo de resistência ao Programa. Entre 2012 e 2015 já foram contratadas três empresas de consultoria nacionais que se encarregaram pela concepção e revisão da estratégia de comunicação do Prosavana. Ainda no período em referência foram estabelecidas parcerias com pesquisadores e instituições de pesquisa nacionais e internacionais, bem como identificadas pela ADECRU na sua base de dados, que se encarregaram de estudar o processo de tomada de decisão nas organizações envolvidas na resistência ao Prosavana, os mecanismos de sua articulação interna, local, nacional e internacional, que culminou com o aliciamento e cooptação de lideranças de algumas organizações nacionais.
Igualmente, uma propaganda mediática foi lançada para limpar a imagem do Prosavana, incluindo a mobilização de meios de comunicação para difundirem a “boa imagem” do programa. Entre estes meios de comunicação destacam-se a Televisão de Moçambique, a Rádio Moçambique e o Jornal Noticias. Por exemplo, no dia 8 de Janeiro ultimo, o Jornal Noticias publicou um artigo sem qualidade jornalística nenhuma, assinado por Carlos Tembe, com o titulo Prosavana volta a Debate público no qual cita-se o Governador da Província de Nampula Victor Borges como tendo afirmado que “O governo de Nampula não quer adoptar isoladamente o modelo que deve dominar a implementação do ProSavana nos distritos que fazem parte do corredor de Nacala e transformar os actores principais do programa em meros agentes de consumo. Queremos o envolvimento de todos na concepção de um modelo que se julgar conveniente para a implementação do programa porque desta forma afastamos os temores que ainda persistem”.
No mesmo artigo, Carlos Tembe cita António Mutoua da Plataforma das Organizações da Sociedade Civil em Nampula como tendo afirmado que “Para semana as organizações da sociedade civil que defendem os interesses dos produtores agrícolas das províncias de Nampula, Niassa e Zambézia estarão reunidas durante dois dias na cidade de Nampula para revisitar o plano Director Zero do ProSavana. Queremos também emitir uma opinião comum sobre o programa de desenvolvimento do corredor de Nacala e discutir a nossa posição com o governo quando estivermos reunidos em data por acordar”.
Quando em Junho de 2015 mais de 70 movimentos sociais e organizações da sociedade civil de mais de 10 países, incluindo Moçambique, Brasil e japão, denunciaram as violações de direitos humanos no âmbito das auscultações do Draft Zero do Plano Director, exigindo a sua invalidação e paralisação do Prosavana, parecia que tinha chegado altura dos governos de Moçambique, Brasil e Japão escutarem e responderem às demandas soberanas dos seus povos. Soube-se na ocasião que o governo japonês terá pressionado o executivo de Maputo a realizar novas auscultações, precedidas de uma definição colectiva com as comunidades do Corredor de Nacala, movimentos sociais e organizações das normas e procedimentos que regeriam o processo de consultas.
De facto, no dia 8 de Dezembro de 2015, o Director Provincial de Agricultura de Nampula, pedro Dzucule, confirmou a realização da segunda ronda de auscultações do Draft Zero do Plano Director do ProSavana durante um seminário de divulgação do estudo da pesquisadora Natacha Bruna do Observatório do Meio Rural num encontro, organizado pela Solidariedade Mozambique liderada por António Mutoua, durante o qual ficou claro de que tratava-se de mais uma acção de manipulação e cooptação de algumas organizações da sociedade civil. Aliás, no referido encontro, que contou com a presença do Governador de Nampula Victor Borges, participaram cerca de 10 cidadãos japoneses ligados a JICA, incluindo Eduardo Costa e João Lameiras da MAJOL Consultoria e Serviços, Lda que facilitaram uma suposta inusitada sessão de reflexão sobre o proSavana.
Surpreendentemente entra em cena a MAJOL Consultoria e Serviços, Lda em finais de Dezembro de 2015, apresentando-se como consultores independentes contratados pela JICA para identificar um mecanismo de diálogo no âmbito da elaboração do Plano Director. Em menos de 1 mês, de forma mágica surge a surpresa e a resposta a todos os problemas de Prosavana e passa a citar-se um trecho do comunicado do evento em referência “ao longo das consultas realizadas à diversas OSC em Moçambique, ONGs, académicos, sector privado, dentre outros, foi sugerido o estabelecimento de um “Comité Consultivo de Trabalho” (designação temporária), constituído por representantes das OSC para participar directamente na elaboração e revisão do Plano Director…..”. Qual a origem desta proposta? Que mecanismos são usados para manipulação e cooptação da sociedade civil? O seu desfasamento em relação às demandas dos povos colocadas ao Prosavana?
A origem da proposta de Comité Consultivo de Trabalho do Prosavana?
Devido o impacto nefasto dos projectos de investimento de agricultura em grande escala, um conjunto de medidas paliativas foram tomadas para minimizar os seus impactos. Ao nível do Banco Mundial foram adoptadas os Princípios de Investimento Responsável na Agricultura (sigla inglesa PRAI), amplamente criticados no mundo por servirem de instrumento de legitimação de usurpação de terras de milhões de camponeses. Uma das estratégias usadas pelas corporações é a constituição de Comités Consultivos, os quais integram representantes de ONGs cooptadas pelas empresas, representantes dos governos e da empresa em questão. Normalmente os comités são criados com o pretexto de monitorar as acções das empresas e assessorar as comunidades nas negociações com as mesmas. Para o seu funcionamento a empresa aloca recursos, ou ainda facilita a mobilização de recursos para as organizações da sociedade civil.
Em Moçambique, os consultores da MAJOL Consultoria e Serviços, Lda contratados pelo Prosavana, através do mesmo mecanismo de Comité Consultivo, conseguiram ocultar os impactos negativos do projecto de investimento da Portucel, uma empresa que obteve a maior concessão de terra no país, correspondente a 356 mil hectares de terra nas províncias de Manica e Zambézia para o plantio de eucalipto. A Corporação Financeira Internacional (IFC), braço corporativo do Banco Mundial, detém 20% das acções da Portucel e desempenha o papel de assessor da mesma. Foi assim, que num processo facilitado pela Action Aid Moçambique, 5 organizações da sociedade civil integraram o referido Conselho Consultivo da Portucel legitimando as absurdas concessões de milhares de hectares de terra para plantio de eucalipto em detrimento da produção alimentar. Vale lembrar que em 2015 a Portucel passou a integrar a Nova Aliança do G7 para Segurança Alimentar e Nutricional, uma iniciativa amplamente criticada no mundo.
Mecanismos de cooptação e manipulação da sociedade civil em Comités Consultivos?
Informações colhidas pela ADECRU ao longo de anos de trabalho revelam que a estratégia de envolvimento das organizações da sociedade civil em processos como este, passa pelo aliciamento de lideranças das organizações da sociedade, as quais se encarregam depois de levar consigo as suas instituições para espaços contrários a sua missão e visão. Este tipo de aliança não apenas conta com o envolvimento de representantes das empresas, mas igualmente membros do governo e consultores alegadamente independentes.
O seu desfasamento em relação às demandas dos povos colocadas ao Prosavana?
As demandas das comunidades, movimentos socais e organizações da sociedade civil ao Prosavana não se resumem ao Plano Director do Prosavana, mas sim ao Prosavana como um todo, incluindo as outras duas componentes (Prosavana Investigação e Prosavana Extensão e Modelos). O Não ao Prosavana é uma negação a um modelo de deselvominento agrário o qual não coexiste com às demandas soberanas inerentes aos desenvolvimento da agricultura familiar camponesa. Ignorar esta demanda sistémica, apelando para introdução de medidas correctivas a um Plano Director incorrigível atendendo os seus vícios insanáveis de concepção, constitui negação à princípios fundamentais da Assistência Oficial ao Desenvolvimento como o da apropriação, o consentimento prévio e informado.
Resumir os problemas de concepção e implementação do Prosavana a ausência de um Comité Consultivo, revela uma gritante incapacidade de olhar os fundamentos pragmáticos quer de ordem social, assim como produtiva por detrás da contestação ao Programa. Outrossim, revela uma atitude ostensiva e impositiva, típica de uma estrutura governativa autoritária e arrogante.
Desperdiçados mais de 560 milhões de ienes para elaboração do Plano Director
Informações na posse da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) indicam que, o polémico Plano Director do Programa Prosavana rejeitado pelos movimentos sociais e camponeses do Corredor de Nacala, está orçado em 786.495.000 ienes, o equivalente a 295 milhões de meticais ao câmbio do dia. Deste valor, entre Março de 2012 a Fevereiro de 2015, foram já gastos 560.432.250 ienes, equivalentes a 210 milhões de meticais em pagamentos a empresa de consultoria responsável pela elaboração do Plano Director.
Segundo informação em nossa posse, até ao final do ano fiscal japonês de 2014, foram pagos os seguintes montantes ao consórcio de empresas de consultoria representado pela Oriental Consultants Co. Ltd, contratado para a concepção do Plano Director: 13.721.000 ienes em 9 de Março de 2012; 19.363.000 ienes em 16 de Outubro de 2012; 81.726.250 ienes em 18 de Janeiro de 2013; 162.093.000 ienes em 10 de Maio de 2013; 170.118.000 ienes em 29 de outubro de 2013; e 113.411.000 ienes em 18 de Fevereiro de 2015. Era suposto que o contrato de consultoria estivesse concluído em Setembro de 2013, porém a marginalização das demandas das comunidades do Corredor de Nacala ao Prosavana, associada a pressão exercida por estas e pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil para a paralisação do Prosavana, forçou o prolongamento deste processo, sem significar necessariamente uma abertura para um diálogo democrático, inclusivo e soberano.
Os 210 milhões de meticais, até então, gastos em pagamento de consultoria para concepção de um Plano Director que não serve e não responde as demandas de milhões de camponeses, dava para adquirir 5.384 motobombas e segundo estimativas da ADECRU beneficiaria a pelo menos 80 mil famílias associadas e irrigaria 53 mil hectares de terra. Numa alocação proporcional pelos 19 distritos abrangidos pelo Prosavana em Nampula, Niassa e Zambézia, cada distrito teria 283 motobombas. Vale lembra que distritos como Mecuburi dispõe de apenas 3 motobombas, segundo um levantamento feito pela ADECRU em Novembro de 2015.
Oficialmente o draft do Plano Director só foi publicado em Março de 2015, ou seja, dois anos acima do período inicialmente previsto após uma longa resistência das comunidades do Corredor de Nacala, movimentos sociais e organizações da sociedade civil de Moçambique, Brasil e Japão, que em Maio de 2013, em carta aberta aos presidentes de Moçambique, Brasil e ao Primeiro-Ministro Japonês exigiram a detenção e reflexão urgente do Prosavana. Depois da carta aberta, seguiram-se Conferencias Triangulares dos Povos como um espaço de diálogo alternativo proporcionado pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil para discutir-se sobre o Prosavana e as prioridades de desenvolvimento agrário em Moçambique. Só após o surgimento da Campanha Não ao Prosavana, o maior movimento de resistência ao Prosavana, é que tiveram lugar auscultações públicas sobre o programa as quais foram marcadas por intimidações e perseguições de camponeses e camponesas, politização, exclusão, falta de transparência, tribalização, partidarização e manipulação das reuniões realizadas entre os meses de Abril e Junho de 2015.
Auscultações públicas marcadas por violações de direitos humanos custaram ao erário público japonês 8.7 milhões de ienes e geram discórdia no governo japonês
As reuniões de auscultação pública da versão “Draft Zero ou versão inicial” do Plano Director do ProSavana promovidas pelo Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), em representação dos Governos de Moçambique, Brasil e Japão, que decorrerem entre os meses de Abril e Junho de 2015, foram financiadas pelo governo japonês no valor de 3.2 milhões de meticais. Segundo o que a ADECRU apurou, este valor foi usado para o pagamento dos custos referentes a realização das reuniões nos 19 distritos, capitais provinciais de Nampula, Niassa e Zambézia, incluindo a consulta nacional realizada no luxuoso Centro de Conferências Joaquim Chissano.
As violações de direitos humanos e a não resposta às demandas das comunidades do Corredor de Nacala geraram indignação entre os decisores da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (Oficial Development Assistance: ODA), que já defendem a paralisação do Programa Prosavana. Por outro lado, o incumprimento por parte do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) da legislação nacional e internacional, que asseguram a participação pública em programas desta natureza e magnitude, levou a que mais vozes dentro do Governo Japonês defendam a paralisação do Prosavana.
A ADECRU sabe de fontes seguras que uma delegação do governo moçambicano representado por funcionários seniores do MASA e da equipa de coordenação do Prosavana, deslocou-se ao Japão em Setembro de 2015 para tentar clarificar os casos de violação de direitos humanos junto ao Ministério das Relações Exteriores do Japão (MoFA) e mostrar aos decisores japoneses a relevância do Prosavana. Sabe-se ainda que para o primeiro semestre deste ano aventa-se a possibilidade de deslocação do Presidente da República aquele país na esperança de obter o apoio necessário ao Prosavana e ao Projecto das Estratégias de Desenvolvimento do Corredor de Nacala (PEDEC).
A ADECRU contactou o MASA, a Embaixada do Japão e do Brasil, no entanto até ao fecho deste artigo ainda não havia recebido qualquer tipo de resposta.
Por ADECRU