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Sasol oferece 600 carteiras escolares, se pagasse mais impostos e preço justo pelo nosso gás acabavam as aulas ao relento em Moçambique e ficavam trocos

Sasol oferece 600 carteiras escolares

Na semana passada a Sasol ofereceu 600 carteiras a algumas escolas da província Inhambane, onde explora desde 2004 gás natural nas regiões de Pande e Temane, num acto de marketing social de uma empresa que gera muitos poucas receitas para Estado moçambicano. Se a Sasol Petroleum Pande (SPT) pagasse um preço justo, em royalties e impostos, pela exportação do nosso gás esse dinheiro poderia permitir, por exemplo, ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano construir as 38 mil salas de aulas, que são necessárias para acabar com as aulas ao relento e debaixo das árvores em Moçambique, e tirar do chão mais de meio milhão de alunos.

“O gás natural é tido como sendo o futuro de Moçambique mas o primeiro projecto de gás – Pande Temane – não gerou, praticamente, nenhuma receita ao Estado moçambicano”, constatou o Centro de Integridade Pública(CIP), num relatório divulgado em Outubro de 2013, onde argumentou que “Com a remoção da cláusula de partilha de produção do acordo de exploração firmado com a Sasol e a aceitação de uma fórmula de preços abusivos, o Governo cedeu, ao desbarato, logo de início, parte considerável da fonte das suas receitas.”

A desculpa do Governo, na altura liderado por Joaquim Chissano, para o mau negócio era de que os benefícios visavam atrair investimento estrangeiro no pós-guerra civil, e era preciso “demonstrar que as ´portas de Moçambique estavam abertas para os negócios´”, posição apoiada pelo Banco Mundial por isso “projecto de Pande Temane nunca foi concebido para gerar receita para o Estado”.

Efectivamente o Governo, no ano 2000, assinou dois Acordos de Partilha de Produção (APP) que não cobrem as áreas onde o gás é produzido nos blocos de Pande e Temane, justamente na altura em que a Sasol entrou na fase de produção. De acordo com o CIP, os termos desses acordos, pelos padrões internacionais, “seriam considerados favoráveis à empresa e desfavoráveis ao Estado moçambicano”, pois “a componente de partilha de produção foi abandonada sem o correspondente aumento nos royalties e IRPC.”

Os termos desse acordo são: uma taxa de royalty de uns modestos 5%; uma taxa de Imposto sobre Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) dos então normais 35%, com uma redução de 50%, para os primeiros anos; e uma partilha do gás lucro que proporciona ao Estado apenas 5% no início e vai subindo até atingir um máximo de 40%.

Sasol vende o gás a si mesma a um preço extremamente baixo

Gráfico do Centro de Integrida PúblicaA partida, os três sócios que são donos dos campos de gás de Pande e Temane e das instalações de processamento central de gás, – a Sasol Petroleum Pande (SPT), uma subsidiária moçambicana da Sasol Petroleum International da África do Sul, que possui 70% das jazidas de gás e instalações de processamento central; a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH) detém 25%; e a Sociedade Financeira Internacional (IFC) tem os restantes 5% -, deveriam gerar receitas para o Estado moçambicano inseridas três categorias: royalties, IRPC e dividendos das empresas.

Porém, uma fórmula de fixação do preço abusiva, pelo qual a Sasol Petroleum Pande vende o gás à Sasol na África do Sul, tem contribuído para que esse valor seja muito abaixo dos preços de referência europeus ou asiáticos.

“Quem vende o gás que sai daqui para a África do Sul é a Sasol Petroleum Pande, quem compra é a Sasol Petroleum International na África do Sul”, explicou o académico Adriano Nuvunga, numa Conferência sobre os Desafios da Indústria Extractiva, que decorreu esta semana em Maputo, que não vê nenhum problema em “a empresa filha vender para a mãe”, se a venda fosse efectuada com transparência, o que não acontece.

Outra razão para as irrisórias receitas do Estado “tem que ver com os custos de implantação do projecto mais elevados do que o inicialmente previsto que acabaram absorvendo parte importante das receitas iniciais do projecto”, constatou o Centro de Integridade Pública que refere ainda no seu relatório que, “os projectos do sector extractivo, muitas vezes, geram menos receita para o Estado do que o esperado, devido à uma combinação de excessos de custos de capital e à inclusão de deduções que envolvem despesas inelegíveis ou inflacionadas.”

No que ao Imposto diz respeito o CIP apurou que “em oito anos de produção, o total de pagamentos de IRPC pela SPT é de US$ 0.”

De acordo com o relatório do Centro de Integridade Pública, a “única fonte de receita do Estado que gerou resultados foi a do IRPC da CMH”, – a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos, originalmente detida em 80% pela Empresa Nacional de Hidrocarbonetos e 20% pelo Estado moçambicano. “É irónico que a única organização ligada ao projecto Sasol que fornece receita significativa ao Estado moçambicano seja o próprio Estado moçambicano”, destaca o relatório do CIP.

Só 58 milhões de dólares tiravam 550 mil alunos do chão

E nem mesmo na categoria de dividendos das empresas o Estado consegue ir buscar grandes receitas, de acordo com o Centro de Integridade Pública. “Foram declarados dividendos modestos: 33.6 milhões de dólares norte-americanos 2006 a 2011. Mas apenas 7.2 milhões de dólares norte-americanos foram, efectivamente, pagos, porque os credores da primeira fase tinham o direito de vetar o pagamento de dividendos até que os empréstimos fossem integralmente pagos. Os credores da fase de expansão permitirão o pagamento de dividendos, até ao limite de 2,5 milhões de dólares norte-americanos , por ano, com a condição de que uma série de referências comerciais sejam reunidas.”

Gráfico do Centro de Integrida PúblicaA conclusão do Centro de Integridade Pública é que o “problema com o projecto de gás de Pande e Temane não é que ele não gera lucro, mas que quase nenhum lucro fica em Moçambique”, pois a Sasol na África do Sul “gera lucros consideráveis com a compra do gás mais barato em Moçambique e posterior venda na África do Sul por muito mais.”

Projecções do CIP indicavam que a Sasol poderia a revender o nosso gás na África do Sul por mais de 12 dólares norte-americanos o Gigajoule o que faria aumentar consideravelmente o valor das exportações de gás de Moçambique de “menos de 200 milhões de dólares norte-americanos , teriam um valor de venda na África do Sul, de cerca de 2 biliões de dólares norte-americanos .”

Este relatório desmente o Director residente da Sasol Petroleum Pande, Mateus Zimba, que afirmou, no acto de entrega das carteiras, que a empresa estava empenhada “em contribuir para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique, (…) em promover valores comuns e sustentáveis junto das comunidades e a investir em programas que melhoram a qualidade de vida das comunidades”.

Com receitas dessa ordem o ministro da Educação e Desenvolvimento Humano, Jorge Ferrão, que esteve na cerimónia pomposa da entrega de carteiras em Inhambane, não precisaria de pedir aos países parceiros de cooperação os 58 milhões de dólares norte-americanos necessários para a construção de 38 mil salas convencionais que tirariam de debaixo de árvores e do chão mais de 550 mil crianças.

Moçambique tem 13 mil escolas primárias, das quais cerca de 5.700 precisam de reabilitação. Das 60 mil salas de aulas existentes cerca de 28 mil não são de construção convencional, são precárias.

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