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Santos no tempo certo

Santos no tempo certo

No meio de uma luta para livrar a Igreja Católica do pecado e do crime de pedofilia, o Vaticano canoniza a freira que denunciou um padre abusador de crianças.

O papa Bento XVI empenha-se em mostrar intolerância total com abusos sexuais praticados por padres católicos. Ele admitiu que a Igreja errou ao acobertar os escândalos, anunciou penalidades mais severas para os desvios dos padres e pediu perdão às vítimas da pedo?lia.

Há duas semanas, o papa acrescentou à sua cruzada moralizadora a canonização da freira australiana Maria MacKillop, excomungada em 1871 como punição por insistir na denúncia de que um padre da sua diocese abusava sexualmente de crianças.

A canonização foi efectivada no domingo, 17, no Vaticano e foi a primeira cerimónia deste tipo a ser transmitida em directo pela televisão.

O evento encerra um processo que se arrasta desde 1925, ano em que um tribunal eclesiástico começou a examinar as evidências de santidade na vida e na obra da madre Maria da Cruz, nome popular de Mackillop, fundadora da ordem das Irmãs de São José do Sagrado Coração de Jesus.

A canonização da freira australiana é um sinal claro da continuação da luta contra a pedo?lia pela alta hierarquia da Igreja Católica.

A Igreja não se arvora o poder de transformar mortais em santos, a sua missão é a de reconhecer a santidade mediante um processo, em geral demorado e complexo, em que os postuladores da canonização devem comprovar, entre outras virtudes, que o candidato fez pelo menos dois milagres.

O Vaticano reconheceu que Maria MacKillop realizou um milagre em 1961, 52 anos depois de morrer, ao curar uma devota de leucemia. O segundo milagre foi reconhecido pelo Vaticano em Dezembro passado, quando uma mulher com cancro em estado terminal foi dada como curada pelos médicos depois de rezar perante uma fotogra?a da freira.

Para a teóloga australiana Mary Coloe, a canonização de Maria MacKillop sofreu atraso por rumores nunca con?rmados de que a freira teve uma vida desregrada, incluindo relatos de alcoolismo. “Os boatos foram espalhados porque ela era uma mulher avançada para o seu tempo. A sua independência era vista com descon?ança pela Igreja e pelas autoridades”, diz a teóloga.

Maria MacKillop era a ilha mais velha de um casal de imigrantes escoceses na Austrália Trabalhou desde os 14 anos para ajudar a criar os sete irmãos. Foi vendedora, operária e governanta antes de ingressar na vida religiosa. Em 1866, com dinheiro de doações, abriu a primeira escola para órfãos na Austrália. Aos 29 anos, dirigia, além do orfanato, várias escolas e um abrigo para vítimas de violência doméstica. O seu caminho para o céu começou a ser aberto quando lhe chegou a informação de que um padre molestava alunos menores de idade numa escola católica. Maria levou o caso ao bispo.

O padre pedófilo, Pauick Keating, foi afastado das suas funções e repatriado para a Irlanda. A iniciativa de Maria teve resultado prático, mas atraiu sobre ela a ira corporativa do clero. Abriu-se contra a freira um processo de excomunhão, concretizado em 1871.

Fora da Igreja e com as doações a minguar, ela foi obrigada a fechar as portas das escolas. A excomunhão foi revertida cinco meses depois. Esta não é a primeira vez que a Igreja reconhece a santidade em pessoas que perseguiu no passado. Joana D’Arc, heroína nacional da França, foi queimada na fogueira por ordens de um tribunal eclesiástico e feita santa em 1920, quase cinco séculos depois do seu martírio.

Os doutores da Igreja, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) e Santo Inácio de Loyola (1491-1556), não tiveram convivência pací?ca com a hierarquia católica do seu tempo. Também não é a primeira vez que o timing de uma canonização parece aplacar perplexidades temporais.

A actuação do papa Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial é tida como permissiva perante os crimes nazi. Publicamente, ele nunca admoestou os carniceiros de Hitler, mas há documentos que demonstram a sua actuação nos bastidores. Como secretário de Estado do Vaticano, o então cardeal Eugenio Pacelli arrancou da cúpula nazi, em 1933, o Reichskonkordar, acordo que garantiu o funcionamento das igrejas católicas na Alemanha.

Em 1939, já como papa Pio XII, Pacelli fez ler em todas as igrejas católicas da Alemanha a famosa encíclica “Mir brennender Sorge ” (“Com ardente ansiedade”), que criticava a quebra do acordo e apontava a iniquidade inerente à doutrina nazi.

Mas a avaliação do papel de Pio XII durante a guerra continua a incomodar a Igreja Católica. Isso pode ter apressado a canonização, em 1982, do padre polaco Maximilian Kolbe (1894-1941), que salvou da morte cerca de 3000 refugiados polacos, dois terços deles judeus, no seu mosteiro, em 1939 – sendo mais tarde descoberto e morto pelos nazi.

A canonização da médica italiana Gianna Beretta Molla (1922-1962), em 2004, também serviu para passar uma mensagem cara à Igreja: a do valor à vida em gestação. Gianna recusou-se a fazer um aborto, mesmo sabendo que ao levar a gravidez adiante correria risco de vida. O bebé nasceu saudável, mas ela morreu. Hoje, é cultuada como padroeira das mães. Há mais mistérios entre o sagrado e o temporal do que prevê a nossa vã ?loso?a.

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