Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

República da África do Sul ainda sem lei contra o tráfico de pessoas

A África do Sul é identificada como o maior destino das vítimas do tráfico de seres humanos tanto de dentro do país, como da região, incluindo Moçambique, e de outras partes do mundo, mas até aqui não existe legislação que especificamente criminalize o tráfico de seres humanos e proteja as vítimas.

O país é signatário do protocolo das Nações Unidas, de 2000, para prevenir, eliminar, e punir o tráfico de seres humanos. Ao assinar este documento, também conhecido como o Protocolo de Palermo, o governo comprometeu-se a adoptar legislação para declarar o tráfico de pessoas como crime, e começou a redigir uma lei em 2003.

Contudo, a Lei sobre Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas (TIP) só chegou ao parlamento em Março de 2010 e não há indicação sobre quando vai ser aprovada.

Um documento do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre o tráfico de pessoas em todo o mundo, publicado a 27 de Junho último, classificou a falta de legislação que “defina claramente o tráfico de pessoas, que dê poderes à polícia e aos tribunais, e que aloque fundos para a protecção das vítimas como o maior obstáculo nos esforços da África do Sul no combate ao tráfico de seres humanos.”

Até que seja aprovada a lei, a polícia e os tribunais estão a usar outras leis que tratam de ofensas sexuais, ofensas relacionadas com o emprego, crime organizado e rapto, para tratar de casos de tráficos de pessoas, mas as penas para estes casos são muitas vezes insuficientes.

Julayga Alfred, Presidente da Coligação do Cabo Ocidental Contra o Tráfico de pessoas, e Director da Annex, uma ONG local dos direitos humanos, também salienta que as actuais leis nem sempre são aplicáveis.

“Se for puro tráfico de pessoas se, por exemplo a pessoa foi enganada (e levada a uma situação de trabalho forçado) e não houve rapto ou violação torna-se uma situação de ‘tu dizes eu digo’ e é muito difícil de levar tal caso a tribunal”, disse ele à IRIN. “Este é um negócio em que tu não podes ser levado a tribunal, e o negócio está a ganhar terreno”.

Não há estatísticas

Não é conhecida a actual extensão que o tráfico de pessoas atingiu na África do Sul. “Na verdade nós não conhecemos a verdadeira natureza do problema, que tipos de tráfico vemos…e sem isso é muito difícil produzir uma legislação”, disse Ingrid Palmary do Centro Africano de Migração e Sociedade, na Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo.

O relatório do departamento de estado dos estados Unidos dá uma lista de varias formas de tráfico no país, incluindo de menores que são levados das zonas rurais para a cidade para fazerem trabalho de sexo ou como trabalhadores domésticas, e jovens de Moçambique, Malawi e Zimbabwe que trabalham durante meses nas farmas sul-africanas sem pagamento, mas a natureza oculta do crime e a ausência de uma legislação específica significa que não há estatísticas nacionais sobre o número de pessoas que são traficadas no país e de fora.

Zoe Rohde, da Organização Internacional da Migração (OIM), disse que o Comité Parlamentar da Justiça, que está a rever a Lei sobre tráfico de Pessoas, tentou compilar estatísticas sobre o tráfico de seres humanos no final de 2010 mas recebeu números contraditórios de diferentes departamentos do governo.

“Entre os serviços policiais (SAPS), o Departamento da Justiça e a Autoridade Nacional de Justiça (NPA) cada tinha um número diferente”, disse ela, acrescentando que algumas vítimas, principalmente aquelas traficadas no país, não são tratados por nenhum departamento do governo.

A OIM assistiu 338 vítimas de trafico entre 2004 e 2010 mas, Segundo o relatório do departamento de estado, a partir de Março de 2011, a NPA tinha apresentado à justiça 22 casos de trafico de pessoas, e em 2010 ouve apenas nove condenações, em que todos os condenados receberam penas suspensas ou multas.

“Existem muitos outros casos que nós não podemos provar que sejam de tráfico”, admitiu Bonnie Currie, Chefe da recentemente criada Equipa de Resposta Rápida ao Tráfico de pessoas na provincial do Cabo Ocidental, onde 15 casos estão em tribunal. “As pessoas estão a ficar impunes porque o assunto não é visto como crime na comunidade em geral.”

Reportagens na imprensa contribuíram para uma errada percepção de que o tráfico de pessoas apenas se aplica a casos de mulheres e crianças que tenham sido levadas à força de um país para outro para exploração sexual.

A longa definição de tráfico de seres humanos usada na Lei do Tráfico, que é tomada do Protocolo de Palermo, inclui fraude, aliciamento e outras formas de coerção como meios através dos quais os traficantes podem ganhar controlo sobre a vítima, que pode, então ser traficada para trabalho forçado ou escravidão, não só exploração sexual.

Na África do Sul, o tráfico ocorre não só a nível transfronteiriço, mas também das zonas rurais para as cidades e as vítimas incluem homens.

Um estudo encomendado pelo governo, e realizado pelo Conselho de Pesquisa das Ciências Humanas, e publicado em 2010, deveria preencher algumas lacunas e informar ao comité de elaboração da legislação contra o tráfico, mas não conseguiu produzir dados palpáveis.

“Ficámos muito desiludidos com o estudo”, disse Palmary. “Essa era a nossa soberana oportunidade de compreender qual é o tipo de tráfico que está a acontecer.”

Exagero ou realidade?

Na ausência de estatísticas oficiais, a natureza e a extensão do tráfico de pessoas na África do Sul continua material de desacordo. Durante a preparação para o campeonato mundial de futebol de 2010, o governo e as ONGs lançaram várias campanhas de sensibilização para a possibilidade de um aumento na actividade de tráfico de pessoas, enquanto decorria o evento, que durou um mês.

Quando não foi detectado nenhum caso, alguns comentadores queixaram-se que a ameaça tinha sido exagerada e que os recursos usados nas campanhas poderiam ter sido melhor usados noutra grande série de crimes que afectam o país.

Alfred, da Coligação Contra o Tráfico, concordou que tinha havido algum “exagero” mais do que evidência clara, mas insistiu em que o tráfico de pessoas está a acontecer todos os dias na África do Sul, e que a sensibilização nas véspera do campeonato mundial foi valiosa.

Durante este período, a linha verde sobre o tráfico de pessoas gerida pela organização de Alfred, recebeu cerca de 500 chamadas por mês.

“Agora vemos que as chamadas reduziram para cerca de 250 por mês, não porque está a haver menos casos, mas porque a campanha de sensibilização já não é tão intensa”, disse ela.

Fraca protecção às vítimas

Uma lei sobre tráfico de pessoas daria à polícia e ao NPA um melhor instrumento para responsabilizar os infractores, mas é pouco provável que se consiga travar este negócio lucrativo.

A experiência de Moçambique e da Zâmbia, que aprovaram leis contra o tráfico de pessoas em 2008, sugere que a legislação pode melhorar os níveis de responsabilização dos infractores mas pouco faz para ajudar as vítimas.

O relatório do departamento de Estado salienta que Moçambique não tomou, na sua lei, os passos necessários para implementar as medidas de protecção e prevenção, e que a protecção das vítimas na Zâmbia é também deficitária.

O governo sul-africano não aloca nenhuns fundos para cuidar e acomodar as vítimas do tráfico. “As vítimas têm uma larga variedade de necessidades e há uma grande lacuna”, disse Rhode, da OIM.

Uma deficiente triagem pela polícia leva a que algumas vítimas sem documentos sejam detidas e deportadas. A lei do tráfico proíbe a deportação de vítimas estrangeiras de tráfico e até mesmo prevê compensações para eles, mas Rohde disse que a implementação vai depender do treino de funcionários e vontade política.

A OIM já organizou sessões de formação para funcionários de vários departamentos do governo sobre como identificar e assistir as vítimas de tráfico, e Alfred salientou que vários departamentos do governo estão a elaborar regulamentação em antecipação à introdução da lei.

“Há indicação de que eles querem realmente implementar”, disse ela, “mas só quando a legislação for aprovada podem eles finalizar a formação e obrigar os departamentos a fazê-lo”.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts