A direcção do Estabelecimento Penitenciário Preventivo de Maputo, ex-Cadeia Civil, faltou à verdade e também disse meias verdades à Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), ao alegar que tem uma “convivência saudável” com os reclusos. Estes afirmaram, de viva voz, que ao contrário do que o director da prisão, José Machado, disse à Comissão dos Direitos Humanos (CDH) da Ordem, a sua “segurança, alimentação, saúde e acesso à informação” são precários. Ademais, no dia 02 de Abril passado, eles passaram realmente por situações de ultraje e ofensa, mormente as mulheres.
José Machado disse à comissão a que nos referimos, no âmbito de uma visita de trabalho realizada a 13 de Abril, naquele estabelecimento penitenciário, que, apesar de “existirem desafios e problemas” similares aos que acontecem “em quaisquer ambientes onde se encontram pessoas, está tudo acautelado. A segurança e o bem-estar deles [prisioneiros] constitui uma grande preocupação” daquela instituição.
No que à higiene, à alimentação, à saúde e ao acesso à informação diz respeito, o dirigente considerou que os detidos “têm três refeições por dia”, nomeadamente o pequeno-almoço e um almoço reforçado, “cabendo aos reclusos deixar um pouco dessa refeição para o jantar”.
Contudo, os prisioneiros deploraram a qualidade da comida que lhes é servida e argumentaram que há casos em que quando o caril é peixe, este é pouco e preparado numa panela grande com bastante água.
“O peixe fica muito tempo no congelador e perde todas as qualidades”. Por sua vez, as mulheres disseram não se queixam da disponibilidade de produtos de higiene e a água jorra 24/dia sem restrições.
Todavia, só há duas refeições diárias, sendo que parte do almoço deve ser reservada para o jantar. Ademais, “o cardápio muito pouco varia, sendo normalmente arroz, xima, feijão, peixe, patas de galinha e hortaliça (quando a horta interna tem hortaliça)”.
A CDH da OAM diz que aquando da visita teve acesso à cozinha num dia em que a refeição “era arroz com feijão. Para as doentes com necessidades de melhor alimentação, o cardápio era arroz com patas de galinha”.
“Somos maltratados e humilhados”
Na visita às celas da ala masculina, os reclusos contaram que em caso de necessidade são atendidos no centro de saúde dentro do Estabelecimento Penitenciário Preventivo de Maputo, mas para qualquer doença lhes é receitado paracetamol, o que não é do agrado dos mesmos.
Relativamente ao acesso à informação, eles afirmaram que não têm biblioteca e o televisor está avariado, pelo que não têm informações sobre o mundo exterior.
Sobre a situação de Abril ultimo, o grupo disse que não está contra revistas. Porém, sugeriu que sejam feitas sem usar violência e maus tratos.
Aliás, no referido dia, os doentes foram submetidos à tortura física com recurso a chicote.? “Somos maltratados, humilhados, a maior parte de nós somos chefes de famílias e merecemos um tratamento condigno”, desabafou um dos prisioneiros à CDH da OAM.
“Vieram as duas horas de madrugada e alguns foram torturados. Todos fomos obrigados a ajoelhar, olhar para a parede e a beijá-la”, acrescentou ela.
Segundo a OAM, os reclusos afirmaram que há ali colegas com Liberdade Condicional decretada, mas que ainda cumprem penas naquele estabelecimento, parecendo que a liberdade condicional era condicionada pelo pessoal da direcção da cadeia.
Foi igualmente denunciada a existência de situações de prisão preventiva fora do prazo.
Num outro desenvolvimento, uma das reclusas manifestou o seu desagrado em relação à rotina naquele estabelecimento, a qual se resume em “acordar, ficar, comer, dormir, acordar”.
“Se falarmos não sabemos o que pode acontecer connosco”
Ao contrário dos homens, que falaram à vontade, as mulheres recusaram-se peremptoriamente a falar sobre o sucedido no dia 02 de Abril, supostamente porque sofreriam represálias. “Se falarmos não sabemos o que pode acontecer connosco”.
Para lhes arrancar a verdade, Ivete Mafundza Espada, comissária da CDH na OAM, teve de fazer perguntas colectivas, cujas respostas seriam apenas “sim” ou “não”.
Todas elas conformaram que foram espancadas e indiscriminadamente introduzidas uma única luva nos órgãos genitais, durante uma revista às celas de objectos cuja posse é tida como proibida dentro da prisão.
Elas contaram ainda que os seus órgãos genitais foram tocados sem luvas, entre outras situações que descritas como humilhantes, e não foram encaminhadas ao hospital.