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Quero votar para depois ir à pesca

Manhã muito serena e calma, céu ainda um pouco escuro, depois dos dias de chuva, mas o tempo a dar indícios de que ao longo daquele período do dia a temperatura subiria um pouco.

Como habitualmente acontece todos os dias, os matolenses cruzam-se, uns a ir para a zona alta e centro da cidade, ou tomando outros rumos, e outros descendo pelas artérias que vão dar a alguns pontos da zona baixa, nomeadamente no “Godinho”, nas “Quatro Cantinas” e finalmente ao periférico bairro de Makohopene, onde está localizada a Escola da Direcção Nacional des Pescas, e onde segundo a calendarização têm funcionado o recenseamento e o efectivo processo eleitoral de votação.

Pelo caminho, os que se conhecem quando se cruzassem em sentidos contrários sempre perguntavam-se se o outro havia-se esquecido do dia ou não, o 19 de Novembro de 2008. De entre várias respostas dadas, mais graça tinham as daqueles que se dirigiam àquela intituição de ensino profissional, para exercer o seu dever cívico: “Vou votar para depois ir à pesca”.

 

As vezes isto parecia uma simples brincadeira, uma piada do dia em função do local, à margem direita do rio Matola e, sítio propício para pescar, onde afluem muitos pescadores e, aliás Makohopene é conhecida como zona piscatória e tem muitos empreendedores ligados à actividade.

Só que, o coronel Amadeu, das FADM, Forças Armadas de Defesa de Moçambique, apesar de ser residente matolense, quase que não é visto em Makohopene, senão na zona alta e centro da cidade da Matola, e não tardou o questionamento de um velho amigo seu, quando o perguntou se não estaria perdido por aquelas bandas e, peremptóriamente, com o rosto cheio de sorrisos, o ofical superior do exército moçambicano respondeu: “não, não brother, …aqui voto melhor, e como tenho e vim com as minhas canas, depois de votar vou lança-las à agua e fico alí na margem a reflectir sobre outras coisas. Hoje não é dia só de votar, …é também para tirar o stress” –risos.

Mas, como se isto não bastasse, uma senhora aparentando sessenta e “picos” anos, depois de exercer o seu direito, saia do interior do edifício com os braços bem alto no ar exibindo com muito rigosijo o dedo com a tinta endelével dizendo: ”agora sim, já votei, já posso ir à pesca”.

A nossa reportagem testemunhou que à medida que alguns eleitores concluíam o processo, enchiam a margem esqueda do rio Matola, ou com canas e fios de pesca, ou pura e simplesmente convivendo uns com os outros, na espectativa de quem vai ganhar para continuar ou dar outro rumo áquilo que deixou o falecido edil, Carlos Tembe.

As manchas negras que estragariam o evento

Na Escola de Direcção de Pescas, em Makohopene, na Matola, funcionaram as Assembleias de Voto números 0001 e 0002 num bloco, e as 0003, 0004 e 0997 noutro. Todas elas abriram pontualmente e sem sobressaltos às 7.00 horas, já com um número considerável de eleitores à espera nas bichas, alguns desde às 5.00 horas.

Nas assembleias de voto 0003, 0004 e 0997, um eleitor chegou ao local em alto estado de embreaguês, e foi detectado por outros eleitores com embalagens de “Tentação” nos bolsos do casaco que trajava, e até ao momento em que a nossa reportagem se desfez do local, ao cidadão em causa não lhe era permitido votar.

Os voluntários que trabalhavam naquelas assembleias, aconselhavam o cidadão em causa a ir repousar para vir exercer o seu direito cívico mais tarde, pois ainda tinha muito tempo para isso, mas este em vez de acatar, acusava os jovens de o terem retirado o cartão, quando, efectivamente, o documento estava na sua posse, numa das suas carteiras, num dos bolsos interiores do seu casaco.

Mesmo assim, ele não parava de acusar e insultar os jovens por serem culpados por ele não ter votado até aquele momento, enquanto que de quando em vez exibia a garrafinha de Tentação e, dava mais um trago.

Segundo contaram testemunhas, este cidadão chegou ao local com um grupo de comparsas seus, também embriagados e aos berros, só que os outros ao verem que estavam a ser reconhecidos por pessoas que até então os entendiam, como sendo homens de boa conduta, acabaram por recuar acatando conselhos.

Entretanto nas assembleias 0001 e 0002, até a retirada da nossa reportagem, o único incidente de registo foi certas pessoas não quererem seguir o ordenamento das bichas e, enveredaram por arranjar esquemas, passando à frente dos outros, o que a dado momento provocou um clima de aparente anarquia, com uns a tentar mostrar que se há espertos, eles poderiam usar a força, naquilo que muitas vezes se diz de invasão, mas a situação foi prontamente contornada.

Enquanto isso, os mais frios aguardavam paciente e ordeiramente nas bichas, lamentando o passo de camaleão, quando outras seguiam à velocidade cruzeiro. Reclamavam que chegaram muito cedo para cumprir o seu dever cívico, para posteriormente preencherem o resto do dia com outros pontos da rotina das suas agendas, e não inventar trabalho e missões especiais, como se justificavam os outros. “Até porque hoje é feriado”, dizia um revoltado.

O que se passava fora das urnas

 

Se por um lado houve quem ficou em casa, mantendo-se indiferente ao acto, velando apenas pelos seus afazeres domésticos, ou negócio de rua, os que se dirigiram às urnas disseram à @Verdade que o seu gesto foi mais uma tentativa de procurar uma alternativa de melhorar a sua vida e a dos seus protegidos.

No município da Matola, as terminais de transporte e respectivas paragens, estavam, até às 9.30 horas, “às moscas”. Por exemplo no “Godinho”, só os TPM, Transportes Públicos de Maputo, é que faziam uma presença regular, enquanto os vulgos chapas estavam quase ausentes e, haviam linhas que desde o amanhecer marcaram uma inexistência total, o que dificultava a viagem de alguns utentes, aguardando sem esperança pela sua aparição. Pelas ruas, os negociantes ambulantes passavam mal, e houve mesmo quem teve que mover o seu pequeno negócio, como o de guloseimas, para os locais de votação.

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