A União Europeia, a Commonwealth e a EISA, são unânimes a dizer que estas eleições não prepararam um “level playing field” para todos os participantes e todos eles usaram esta expressão em inglês.
A expressão não existe em português e cada um dos três traduziu isto de maneira diferente: “igualdade em termos competitivos” (UE), “igualdade de condições” (Commonwealth), e, “equilibrar o terreno do jogo, oferecer oportunidades iguais a todos os jogadores” (EISA). A utilidade do conceito “campo nivelado” é que é óbvio que uma equipa de futebol não deve ter de lançar a bola pelo monte abaixo e a do outro lado pelo monte acima. E a importância do conceito é que isto não tem nada a ver com as equipas.
E tal como as equipas de futebol podem ser mais fortes ou mais fracas, ricas ou pobres, o mesmo se pode passar com os partidos. “Level playing field” ou “justo” nunca quer dizer que os partidos são todos iguais. Alguns são grandes, outros são pequenos, alguns são bem organizados outros têm uma organização totalmente errática. Mais importante, em política temos de aceitar que o partido que já está no poder tem à partida uma enorme vantagem.
Em Moçambique, a Frelimo é um partido predominante que é provavelmente maior, mais rico e bem organizado que a oposição e será assim ainda por vários anos. Exactamente como qualquer mulher sabe que num mundo dominado por homens ela tem de ser duas vezes melhor que eles para ter sucesso, assim um partido da oposição em Moçambique tem de trabalhar três vezes mais se quer ganhar. Mas recentemente no Japão, e antes disso na Suécia, na Índia, ou no México, os partidos predominantes foram derrotados.
A Frelimo sabe disto tão bem como a oposição e por isso tenta usar todas as suas vantagens. A questão portanto não é saber se os partidos são iguais mas sim se têm uma oportunidade igual para concorrer às eleições e apresentar a sua ideia aos eleitores. Esta questão já está reconhecida na lei eleitoral que dá a cada partido, seja ele pequeno ou grande, tempo equivalente na rádio ou na televisão, garante justiça na imprensa estatal, e dá mesmo dinheiro equivalente a todos os partidos que concorrem às eleições.
Quando é que os truques são justos?
Inevitavelmente, os partidos politicos tentam “fintar” uns aos outros mas até que ponto a desigualdade torna isto injusto? A Frelimo usou o procedimento engendrado pela Renamo para seleccionar representantes da sociedade civil como membros das comissões eleitorais para garantir que muitos dos membros da “sociedade civil” tinham simpatias pela Frelimo. Era tudo legal; a Frelimo simplesmente viu melhor que a Renamo como usar a lei em seu benefício. Mas apesar disso deixa um amargo de boca.
E criou comissões eleitorais cujas simpatias eram conhecidas de todos e foram assumidas como sendo parciais; acreditou-se que um só partido levava vantagem injusta. A declaração preliminar da União Europeia notava que havia ”falta de confiança geral na independência da CNE”. Isto relacionava-se directamente com o obsessivo secretismo e falta de transparência – documentos que eram secretos e deviam ser públicos, chegavam às mãos da Frelimo mas não da oposição. Um truque comum em muitos paises é um partido tentar ocupar um lugar onde outro partido vai ter um comício de campanha.
Mas em Moçambique, quando a oposição comunica à polícia onde vai fazer o seu comício e a polícia diz à Frelimo, isto torna-se subitamente injusto e o terreno fica desnivelado. Um partido fica com uma vantagem injusta.
Mudança de regras
Uma questão fundamental tem a ver com os cinco documentos que cada candidato tem de apresentar – cópias autenticadas de certidão de nascimento, BI, e cartão de eleitor; registo criminal; e uma carta em que o candidato diz que concorda em contestar e é elegível. Isto tinha sido exigido em todas as anteriores eleições mas duas leis de 2007 (7/2007 e 10/2007) relaxaram a exigência – sensatamente – e requeriam apenas dois documentos, a carta de consentimento e a identificação. Mas a lei 15/2009 passada a 9 de Abril deste ano, tentando corrigir várias inconsistências também reintroduziu mais documentos necessários.
Os partidos tinham mais do que três meses para os recolher mas neste ponto entrou a desigualdade em jogo – inevitávelmente os funcionários agem rapidamente quando se trata de funcionários da Frelimo (que às vezes até são seus chefes no aparelho de estado), enquanto pode levar semanas para os partidos da oposição conseguirem os mesmos documentos. Assim a combinação de uma lei passada à última hora, dificultando mais as candidaturas, e um aparelho estatal hostil, subitamente desnivela o campo – a oposição já está a lançar a bola de baixo para cima.
A Commonwealth marcou o ponto de que a CNE, ao não trabalhar com os partidos para criar um conjunto de regras claras, consistentes e transparentes, piorou muito os problemas. A Frelimo, com mais recursos, podia cobrir todas as eventualidades; o novo partido da oposição, o Movimento Democrático de Moçambique, MDM, ficou constrangido a adivinhar qual seria a interpretação da lei que ia ser aplicada. A CNE pode ter aplicado as leis igualmente para todos, mas ao não dizer aos partidos exactamente quais eram as regras, deu de novo vantagens ao partido mais forte.
O campo foi ainda mais desnivelado pela decisão do Conselho Constitucional que aceitou a exclusão pela CNE do MDM na maioria das províncias. Os méritos legais da decisão vão continuar em debate. Mas aparentemente a única prova usada pelo Conselho Constitucional foi um único documento, secreto, que nunca foi visto pelos outros partidos em questão, e que é contradito nos seus fundamentos por outros documentos emitidos pela CNE. Quando só uma das partes na disputa pode apresentar provas a um tribunal, isto parece injustiça.
Quando estado e partido se sobrepõem
Num estado de partido predominante como Moçambique há uma sobreposição inevitável entre partido e estado. A questão da imparcialidade ou nivelamento do terreno anda à volta de como esta ligação e o poder são usados. Os funcionários públicos tratam igualmente todos os partidos ou abusam do poder? Um dos nossos jornalistas locais ofendeu um administrador distrital com uma notícia publicada no Boletim. O administrador telefonou ao Secretariado Técnico da Administração Eleitoral, STAE provincial e pediu ao STAE que retirasse a credencial ao jornalista. Em princípio, o STAE é um orgão administrativo neutro.
Mas os administradores são poderosos nos aparelhos do partido e do estado e o STAE retirou a credencial. O uso de recursos do estado, em especial viaturas, é outra parte do pacote. Por todo o país, funcionários públicos atrasaram a emissão de documentos para os partidos da oposição e em alguns locais chegaram ao ponto de recusar passar credenciais a delegados de partido nas mesas de votação.
E de 90 000 membros de mesas de voto, mais de mil dessas pensavam que o seu primeiro dever era para com o partido no poder e não para com eleições livres – e encheram as urnas com boletins de voto ou com votos para a oposição ilicitamente invalidados, ou então ficaram a olhar sem reagir quando outros membros da equipa o fizeram. Assumiram que a Frelimo os iria proteger, ou que nunca seriam identificados e acusados, e provavelmente estavam certos.
Nunca é uma coisa só
Nunca é uma coisa sózinha que torna o processo injusto, ou desnivela demasiado o campo. Mas tomadas no seu conjunto, o terreno para disputar estas eleições estava para o lado de um monte cheio de degraus e os grupos de observadores chave estão certos nas suas críticas. Para ser internacionalmente aceite exige-se mais algum equilíbrio e justiça. E em última análise, cabe à Frelimo fazer a opção política – será assim tão grande o risco de perder eleições justas em 2013 e 2014 que precisa de ignorar as críticas internacionais, ou é genuinamente popular e capaz de ganhar eleições livres, justas e transparentes?