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Que, na Hora de Ponta, não se ignore a arte!

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Na sua sexta exposição individual de artes plásticas, intitulada Hora de Ponta, o escultor moçambicano, Nelson Augusto Carlos Ferreira, ou simplesmente Pekiwa – além de abordar um tema popular e transversal – decidiu atingir pessoas que, se encontrando no mesmo local, vêm e vão para geografias diversas. Não é obra do acaso que, desde meados de Agosto até finais de Setembro, as 42 esculturas, geradas entre 2012 e 2014, estarão patentes na galeria da Associação para o Desenvolvimento Cultural, Kulungwane, adstrita à estação ferroviária de Maputo. A boanova é que, desta vez, ninguém terá razões para não absorver os resultados de génio criador, afinal, com este arranjo, estamos diante de uma arte pública.

Se se solicitasse a qualquer moçambicano, sobretudo na cidade de Maputo, para falar sobre a sua experiência em relação às peripécias da Hora de Ponta, estamos em crer, ninguém ousaria recusar, alegando alguma ignorância. Todos, de uma forma genérica, conhecemos os dilemas e dramas que na referida dimensão temporal decorrem, interferindo sobremaneira na nossa vida. De qualquer modo, se os conhecemos, muitas vezes, porque, neles também, estamos envolvidos, muitas vezes não os compreendemos.

Se calhar, haja alguma necessidade de nos afastar um pouco para vê-los em miniatura. Isso mesmo. A mostra de artes plásticas, composta única e exclusivamente de esculturas, algumas das quais, quase com cinco metros de altura, patente até 27 de Setembro, na Associação Cultural Kulungwane, em Maputo, ajuda-nos a realizar esse exercício.

Como, então, o criador argumenta o mote dessa mostra? O argumento é simples: “Assim que me propuseram a necessidade de expor as obras, na galeria da estação desta galeria do espaço Kulungwane, localizada numa estação ferroviária, comecei a pensar em vários assuntos até que acabei por a provar a ideia Hora de Ponta, uma vez que, por aqui, convergem pessoas que chegam de e partem para variados destinos”, diz Pekiwa.

Embora, tendo-se em conta o percurso de Pekiwa, que se acentua com o passar do tempo, já produziu um conjunto de apreciadores fieis às suas criações, há um desiderato sublime que se materializa quando as obras de arte são expostas numa estação dos caminhos-de-ferro: “Compreendo que o público que, por aqui circula, como o que, por diversas razões, não tem oportunidades de apreciar criações artísticas. Então, tendo as obras neste local é muito vantajoso porque, com ou sem um convite formal, as pessoas acabarão, de uma ou de outra forma, absorvendo-as”. Verdade ou não, é facto irrecusável que, em Hora de Ponta, a arte faz-se pública, cumprindo o seu papel social, o que também é essencial porque “o meu trabalho tem como inspiração o quotidiano, em que procuro dar falar sobre algumas peripécias sociais em conformidade com os meus sonhos e imaginações”.

O professor de arte, Ulisses Oviedo, que fez a curadoria da mostra, comunga de algumas ideias do autor das obras e afirma o seguinte: “A Hora de Ponta é o pretexto que utilizamos para atrair as pessoas à exposição que esta título análogo. Este mote foi pensado tendo em conta a mobilidade da moldura humana que, diariamente, ocorre neste espaço. Queremos atingir às pessoas que, por diversas razões, muitas vezes não têm acesso à produção artística”.

A mostra foi preparada durante cerca de dois anos. Todavia, vale a pena esclarecer, apesar de a maioria das obras ser recente, estão também aglutinadas criações geradas a partir de 2010. O artista trabalha com madeira, canoas, material metálico, entre outros, cuja utilidade primária já cumpriram, conferindo-os novos valores e sentidos. E esta maneira de trabalhar a escultura impressiona, favoravelmente, os críticos.

“A particularidade desta exposição é o facto de que quase todas as obras estão na sua segunda vida, uma vez que o artista utilizou objectos e materiais que já tiveram alguma utilidade original, tendo sido, agora, transformados em obras de arte”, comenta o pessoal da Associação Cultural Kulungwana, onde a mostra reside.

A mensagem

Se além do belo, a mensagem é uma das componentes mais importantes de uma criação artística, que conteúdos se pretendem, afinal, disseminar com estas 42 obras que resumem a sentença Hora de Ponta? Comecemos pelo dia-a-dia que lá está. Coincidentemente, a estação central dos Caminhos-de-ferro de Maputo é um forno inquestionável da produção de quotidianos – triste, alegres, nostálgicos, inolvidáveis, imemoráveis…

Diz o artista que “procuro enfatizar a necessidade de se ter alguma harmonia social, a paz e o bem-estar familiar, entre outras mensagens intimamente associadas às peripécias que decorrem na Hora de Ponta como, por exemplo, a solidariedade no seio das pessoas, sobretudo em momentos de imensas dificuldades como quando, e olhando para o exemplo de Maputo, onde o problema é cronico, se quer apanhar um meio de transporte público”.

À guisa de exemplo, a obra com o título da mostra concretiza, visualmente, as palavras do artista: Lá está um homem com um semblante angustiado – o que não significa que as horas de ponta são unicamente enfadonhas – revelando alguma frustração em resultado da situação com que se defronta na nossa urbe-mãe, Maputo, onde os transportes públicos funcionam (?) de forma belicosamente deficiente.

Sanção favorável

Comentando sobre as obras cuja exposição curou, o professor Ulisses Oviedo enfatiza duas palavras-chaves, a autenticidade e a garra com que o artista labora a escultura. “Pekiwa, jovem escultor a tempo inteiro, trabalha já para além das verduras da mocidade, numa linha própria que o define, empregando material próprio, que o define, e que o lança para um resultado visível”.

Já a perita da história de arte moçambicana, Alda Costa, aprecia o artista e a sua criação sob o ponto de vista do autodidactismo invulgar que possui. Este escultor é originário de uma família com tradição nesta forma de arte, mas, de facto, “sem ser um artista com escola, ele é actual e consegue fazer uma transição entre a escultura tradicional e a considerada moderna”.

Num outro desenvolvimento, Alda Costa afirmou que o aproveitamento que Pekiwa faz da madeira – a partir de resíduos como arames, portas, canoas, por exemplo – é muito importante, tal como toda a obra que produz. “Já começou a percorrer este caminho há bastante tempo e, quando nós pensamos que já está a terminar, ele reinventa novas maneiras de trabalhar. Em resultado disso, não nos cansamos de ver esta sua abordagem artística”.

Grandes expectativas

Ao conceber a mostra de arte como sendo, igualmente, uma feira comercial, em que os colecionadores e apreciadores adquirem os bens artísticos, e guiarmo-nos pelas sanções favoráveis que tais criações, aqui, adjectivadas por Oviedo como sui generis – na medida em que são diferentes umas das outras, evitando a intolerável chatice da mesmice – solidificam-se os argumentos para a grandeza das expetactivas do autor em relação ao comportamento de dois públicos distintos, os simples apreciadores e os coleccionadores, aqueles que consomem a arte.

Em relação aos primeiros, e atendendo e considerando que a arte contribui para a construção social das colectividades humanas, “espero que as pessoas que irão visitar a exposição tirem grande proveito, a fim de melhorarem as suas atitudes diárias no campo amoroso, tendo em conta que há, aqui, obras que reflectem sentidos essenciais para o equilíbrio social”.

No caso do segundo e último grupo, diga-se, “as minhas obras têm um público fiel, muito em particular, porque existem coleccionadores de arte que acompanham a minha carreira, ao longo dos anos. Normalmente, eles têm adquirido os artigos. Espero que, desta vez, a experiência não seja diferente”. A nós que, pela natureza do trabalho, muitas vezes, não temos como contrariar a vista quando, inerte, se deixa apaixonar e prender por uma tela, uma fotografia, uma escultura, ficando demoradas horas nessa contemplação, nada mais resta senão enfatizar que, mesmo na Hora de Ponta, não se ignorem as artes.

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