No fim de Agosto, o coreógrafo moçambicano Macário Tomé repõe, com novas abordagens, o bailado Ele – Ela sobre identidades sexuais. A peça aborda o homossexualismo acerca do qual o artista diz que, em Moçambique, “não só falta um movimento ‘gay’ bem como a assunção dessa identidade”. Trata-se de um comportamento que – quando avaliado na vida política – “traduz a hipocrisia dos governantes”.
O nascimento da coreografia Ele – Ela baseia-se em várias histórias. Por exemplo, quando, em 2012, Macário Tomé participou no VII Festival Nacional da Cultura – realizado em Nampula – ficou intrigado com alguns aspectos do relacionamento artístico-cultural entre os participantes.
“Captei a interpretação da sociedade nampulense em relação aos artistas chineses cujas manifestações eram muito novas para os locais. Estas diferenças criaram-me uma espécie de tabu: o que é que os artistas chineses vinham mostrar aos moçambicanos? Que mais-valias a sua presença geraria? E como nós poderíamos aproveitá-la? O que eles podiam aprender de nós?”
A verdade é que, de acordo com o coreógrafo, naquele evento os moçambicanos não aproveitaram nada dos chineses – o sentido inverso é válido – porque não havia espaço para a realização de ‘workshops’ a fim de que houvesse interacção entre os artistas. Macário acredita que a sua coreografia – que o estimado leitor terá a oportunidade de ver no dia 29 de Agosto, no Centro Cultural Franco-Moçambicano – provenha dessa diferenciação entre a cultura ocidental e a oriental, “em que nós nos apegamos”.
Caricato e constrangedor
Num outro dia, no Bairro 25 de Junho, na cidade de Maputo, “fui a uma festa em que havia jovens bonitos. Os moços, como homens, apreciavam as meninas. No entanto, instantes depois, aconteceu o caricato: vimos homens a beijarem-se e as mulheres – incluindo aquelas que certos rapazes apreciavam – também numa situação de relacionamento sensual”. A situação que, para Macário Tomé, até aquela altura era um tabu, intrigou-o: “como é esse comportamento humano?”
A partir daí, no contexto das pesquisas que o bailarino faz, começou a perceber que esta promiscuidade também acontece na esfera de governação do país. Por exemplo, “na vida política, há dirigentes que têm duas caras. Em momentos de crise, através da imprensa, transmitem informações que – por não se identificarem com elas – não as assumem perante os seus familiares. Eles são hipócritas”.
Será que nos falta, em Moçambique, um movimento ‘gay’ vibrante? O artista afirma que há duas situações. Por um lado, falta-nos essa manifestação, como também, por outro, a assunção da identidade homossexual.
“É preciso que deixemos de ser hipócritas e de ter dois posicionamentos distintos. É importante que nos identifiquemos como homens que têm uma posição e defendem-na, correndo todos os riscos para se imporem na sociedade”.
Dança contemporânea
A abundância de projectos em torno da dança contemporânea, em Maputo – como, por exemplo, a bienal Kinani, a Semana de Dança, o Laboratório de Dança – mostra a importância que esta expressão artística está a conquistar na capital. Será que estamos perante a sua consolidação no país?
A consolidação da dança contemporânea só existe em Maputo – afirma Macário Tomé – onde se confinam tais iniciativas. No entanto, é preciso ter em conta que “neste momento há bailarinos e coreógrafos moçambicanos que estão no estrangeiro a fazer digressões e a trabalhar com grandes companhias do mundo”.
Por exemplo, “o coreógrafo Panaibra Gabriel Canda está a fazer uma digressão que começou em Janeiro e que, provavelmente, só termina em 2014. Além do mais, existe, em Maputo, o movimento de dança contemporânea Arte na Rua que visa a criação de um novo público, realizando pesquisas em espaços abertos, em que os artistas se encontram, aportando novas ideias, para desenvolvê-las perante pessoas que não têm acesso aos teatros para ver obras de arte”.
Uma lição de cultura
A arte é feita para o consumo social. Mas como é que – no caso da dança contemporânea – ela é percebida pela sociedade? Para Macário, a sociedade moçambicana precisa de uma grande lição de cultura porque, efectivamente, “temos um problema grave: o conceito de que a dança contemporânea é originária do Ocidente, o que não é verdade. Nós vivemos com o movimento contemporâneo. Os nossos antepassados iniciaram-no. A partir do momento em que migramos do campo para as cidades, estamos a fazer esse movimento”.
Entretanto, “se determinado movimento, na dança contemporânea, não for percebido pelo público é normal. O coreógrafo não interpreta as pessoas a pilar ou a fazer necessidades biológicas de forma clara. Ele cria condições para que o espectador abra a sua mente e vá ao encontro do que se está a interpretar”. Ou seja, “no bailado não se ignoram as faculdades mentais e interpretativas do público”. Por outro lado, “a percepção da dança contemporânea por parte do público requer um trabalho apurado de divulgação e discussão em torno não só desta arte como também da dança tradicional”.
Na coreografia Ele – Ela temos dois homens em movimentos eróticos. É um espectáculo muito intimista, rico em situações cómicas mas também de grande tensão. Por isso, o coreógrafo afirma que se fez uma pesquisa para antever as reacções do público.
Em concerto, encontram-se os bailarinos Macário Tomé e Osvaldo Passirivo. A iluminação está a cargo de Caldino Alberto, num projecto de co-produção entre a Culturarte e o Pamoja, uma rede pan-africana de produção e residências artísticas.