O célebre artista plástico moçambicano, Noel Langa, ministra – na sua residência, em Maputo – aulas de arte contemporânea a gente de tenra idade. Nos dias em que o material acaba, as lições ficam comprometidas…
Quando se chega à casa de Noel Langa, a primeira impressão que fica é a de se estar numa organização turística sob o ponto de vista artístico-cultural. O facto não se deve unicamente aos bens de arte que “inundam” o espaço, nem à forma como se estruturou, mas a um conjunto de outros signos aparentemente insignificantes, mas que desempenham um papel fundamental na composição do sentido de arte, cultura e conhecimento.
No primeiro dia de Outubro – altura em que o visitámos –, logo no seu espaço de estar, visualizam-se livros, jornais, paletas de cores, pincéis, incluindo um rádio que o mantém informado. Noel gosta de música também. Quando pinta escuta um bom jazz e/ou blues. Enriquece a sua criação sem, como acontece com os demais géneros musicais, influenciar o processo.
O seu procedimento no que toca à criação é um momento ímpar, um espectáculo. Quando há gente em seu redor não gosta de gerar arte, mas nós já tivemos essa oportunidade. Uma excepção que, para si, por ser isso, se carregou de muito simbolismo.
“É uma pena porque chegou um pouco tarde. Podia ter encontrado um conjunto de crianças que querem tomar as rédeas da casa. Um dia, o mestre Noel terá de ficar como Malangatana. Ele vai desaparecer. Apenas ficará o nome. Então, quem vai pintar? Quem deverá cuidar desta casa? São as crianças. Aprecio o seu entusiasmo. Essa vontade de querer descobrir o que eu descobri. Elas têm sorte porque, no mínimo, possuem alguém que lhes possa orientar, o que eu não tive”, considera.
Conversar com Noel, um homem experiente, calmo, extrovertido, é uma experiência singular. A sua relação com a arte, algo secular, revela-nos que um artista não se torna, nasce assim.
Ainda na infância, na escola, no tempo do recreio, Noel pintava no chão – num processo que implicava carregar uma porção de arreia vermelha até o local para contrastar com a branca – até que um dos seus professores lhe ofereceu uma resma de papel e lápis de cor para garantir a conservação dos desenhos. O artista acredita que “é assim que o bicho da pintura me infecta”.
Dos seus 74 anos de vida, a maior parte foi dedicada às artes. Em resultado disso, compreende-se o seu discernimento aguçado em relação aos potenciais artistas, dentre os seus pupilos. Diz que “nem todos os miúdos têm pendores para a pintura. Eles influenciam-se e vêm ao Centro Cultural Arco-Íris. Há vezes em que enchem a sala, mas ao longo do tempo alguns desaparecem. Os que ficam devem ser muito estimulados”.
Ao longo do seu processo de formação como artista, Noel Langa teve a sorte de trabalhar com Alberto Chissano, outro paquiderme das artes plásticas moçambicanas. Aliás, foi Chissano que o levou a realizar as suas primeiras exposições de arte.
Filho e neto de oleiras, Noel chegou a viver com padres antes de romper com a resistência ideológica do seu pai que queria torná-lo sacerdote. Segundo afirma “a todo o custo, o meu pai queria que eu me tornasse pastor da Missão Suíça. Tanto é que, por algum tempo, vivi com três pastores, tudo feito com a finalidade de incutir em mim a doença de dizer a palavra de Deus. Mas o seu plano não deu certo, eu fiquei nas artes”.
Quando se lhe pergunta, entre as instituições privadas e estatais (no seu país) quais é que demandam mais as suas obras, incluindo o sentido que daí se produz, Noel respira fundo, instala um silêncio, e desabafa:
“Quase que eu ia chorar no princípio do mês de Setembro. Não me vou referir aos nomes das instituições. Mas mandei-lhes cartas de pedido de patrocínio, o que não significava pedido de dinheiro. A empresa que patrocinaria a iniciativa devia seleccionar uma obra de arte, a qual devia ser exposta na província de Gaza em Outubro, no âmbito de um evento que não será realizado. As vantagens que o mecenas teria estão explicadas no documento. Mas a sua resposta não foi animadora”.
Noel congratula-se com a Presidência da República, instituição que, a partir das viagens do Chefe de Estado, “me ajudou a popularizar o meu nome no estrangeiro, mas não é isso que dá vida ao artista. Seria importante que existisse uma instituição que zela pelos interesses do criador”.
Para Noel, afirmar que personalidades como Mankeu, Victor Sousa, Samate, Estêvão Mucavele, entre outros, são artistas e que não têm como se desviar da sua actividade é senso comum. Não há dúvida nenhuma. Por essa razão deviam receber mais estímulo para ficarem despreocupados com a sua subsistência.
Devia-se criar um subsídio para o artista – o que é necessário para permitir que a partir daí, em qualquer evento do Governo, se possa saber onde buscar as obras e realizar mostras de arte. Isso no nosso país não existe. É em resultado disso que Noel Langa só pinta quando tem tinta. Se ele não tiver condições, entendidas como materiais para o trabalho, a prática da pintura – por parte dos formandos – fica interrompida.
Interpretando-se o percurso das artes plásticas em Moçambique, na visão de Noel Langa, fica-se com a impressão de que se está diante de uma história subdividida em três épocas: antes, durante e depois da independência nacional, incluindo os nossos dias. Quando se proclama a nossa liberdade, os portugueses que conheciam Noel e Chissano como artistas levaram consigo os seus objectos artísticos.
“Compravam as obras em grande quantidade. Era animador. Depois disso, instalou-se uma nova modalidade de venda, a cooperação, que consistia na vinda de cidadãos estrangeiros com o mesmo objectivo. Animámo-nos com isso e, infelizmente, não criámos condições para que o cidadão nacional ganhasse o hábito de apreciar as artes. Falhámos! Por isso, actualmente, não há a cultura de visitar museus e mostras de arte”.
Se é verdade que a cooperação teve um impacto positivo, não é menos verdade que isso gerou um efeito pernicioso: “muitos dos meus amigos deixaram de ser artistas. Tornaram-se artesãos. Produziam arte para vender”. Ou seja, depois da cooperação instalou-se a nossa realidade: “se eu lhe disser que há vezes que eu (entendido como Noel, Samate, Mankeu, Mucavele, ou qualquer outro artista) fico sem, pelo menos, cem meticais, não acreditaria”.
Não acredito nas intenções dos políticos
Devido à forma como alguns se comportam no Parlamento – um espaço público – Noel Langa não acredita nas boas intenções dos políticos. Para si, “trata-se de um jogo, diferente do futebol, em que eles fazem discursos ofensivos, agredindo-se publicamente, a fim de, em certo sentido, cegarem a vista dos cidadãos para depois da plenária apertarem-se as mãos e consolidar a sua amizade.
São amigos. Alguns não respeitam os símbolos nacionais. Eles lavam a roupa suja na Assembleia da República. E as crianças vêm e captam isso: Que tipo de educação se pretende propalar no país?”, lamenta a terminar.