Passava uma dúzia de dias depois de ter recebido o meu tardio salário ‘magro de alimentar passarinho’ quando numa dessas sextas-feira frias de Junho, depois de uma jornada laboral, já a desligar o computador do trabalho e a arumar as pastas, descobri-me sem os importantes cinco meticais para pagar ao cobrador do chapa que me levaria à casa onde lavar-me, comer e descansar chamavam por mim.
Não tinha nem sequer moeda de cinquenta centavos que um possível cobrador destraído confundiria com a moeda de dez meticais por causa da cor de bronze. De onde viria a minha ajuda se os meus colegas haviam todos se ido embora? Costumo ser o último a sair. Lá estava o guarda noturno no portão. Aproximei-me com a vergonha vencida pela necessidade de chegar à casa.
– Viva colega!
– Viva, eh viva chefe Txhukelani! – Respondeu curvado como se falasse com o seu patrão. A forma como me tratava e o fato que eu trajava diminuíram-me a coragem de pedir a despresível quantia que se entrega a um cobrador de chapa em pagamento pelo troço ‘Museu/P.Combatentes’. Mas a necessidade de chegar à casa reforçava a coragem de mendigar. Já me refreava para pedir a tão fundamental esmola.
– Tudo bem contigo colega? – Fi-lo como forma de preparar o tipo para suportar a perda de cinco meticais que lhe seriam úteis.
– Estou mal ‘boss’, – disse ele – preciso de moedas para comprar cigarros, a noite é longa ‘boss’ e faz frio, só tenho um cigarro, conto com a sua ajuda, – acrescentou, enchendo-me de desânimo – só uns dez meticais chefe – rematou.
Fiquei mudo, quase estátua, não esbocei nem um gesto, era como se um fio de electricidade tivesse sido ligado às minhas veias. Precisei de longos minutos para arranjar uma saída.
– Mostra-me o cigarro que tens – pedi para começar a manipular, a fim de me safar da crise.
– Está aquí ‘boss’ – correspondeu, exibindo uma unidade de cigarro, de marca GT, talvez ‘General Tobaco’ seja o signifi cado da sigla, pois há uma indústria de produção de cigarros com essa designação.
– O que é que está escrito aquí no teu cigarro? – Perguntei indicando uma frase grafada ao longo do comprimento do GT, a marca que veio revolucionar a fumaça, salvando os de poucas posses da compra do PALMAR, entre outras marcas caras.
– Fumar é um risco para a saúde – leu o guarda.
– Não te vou colocar em risco de saúde. Dar-te-ia moedas. O meu conselho é que deixes de fumar – disse as últimas palavras em forma de brincadeira e a apertar-lhe a mão, ao que ele foi simpático e correspondeu com um riso desmedido, talvez com vergonha. Eu sentia mais vergonha que ele, mas o que importa é que me safei.
– Ah ah ah Txhukelani, pá! – Apertava-me a mão com mais força, até parecia que lhe soltei cigarros para milhões de noites.
Manifestei a necessidade de lhe largar a mão para tirar o telefone do bolso, a isso ele correspondeu. Fingi estar a efectuar uma chamada. Saí para uma meia distância com o celular posto no ouvido e comecei a conversar sozinho.
Simulei uma preocupação de ter que encontrar alguém que, durante a conversa fantasma, supunha esperar-me na paragem. Ainda com o celular no ouvido, levantei a mão em gesto de despedida ao guarda e saí às pressas, fazendo-me de esquecido quanto ao pedido de cigarros.
Decidira percorrer a pé os razoáveis quilómetros da minha estrada para casa. A sola de sapato mostrava-se prejudicada pelos intermináveis movimentos dos pés.
– kho, kho, kho… – sofria o meu sapato. Concluí que mais iria gastar pagando os serviços de um sapateiro do que pagando os serviços de um cobrador.
– Oh, paciência – disse eu em pensamentos…