O perfil do professor moçambicano é problemático. Porém, não haveria tantos problemas à volta do professor se o principal provedor e gestor da Educação, isto é, o Governo, olhasse para o docente com olhos de ler. Em anexo o documento na íntegra.
Aires Aly, ex-ministro da Educação, em entrevista ao jornal O País de 30/07/2009, dizia: “Um dos grandes avanços do nosso Governo, (…), foi (…) a oportunidade que demos a muitos moçambicanos de poderem ir à escola.” Isto é importante. Mas esses muitos moçambicanos vão à escola ter com quem? Aparentemente a resposta é simples: ter com o professor. Mas professor com que perfil? O Governo de Aires Aly (e de Aniceto dos Muchangos e de Arnaldo Nhavoto e de Alcido Nguenha e de Zeferino Martins e de Augusto Jone, enfim, de todos ex-ministros da Educação) nunca deu importância à resposta a esta pergunta.No entanto, a resposta vem em todos os dias 12 de Outubro. É o dia do professor moçambicano e dia em que é lembrado com alguma ternura. Nesse dia a comunicação social descreve assiduamente o perfil do docente moçambicano, perfil bem conhecido pela população mas bem ignorado pelo Governo: formação profissional nula ou não adequada e fraco desempenho profissional; precárias condições de deslocação, de habitação e de trabalho; trabalho com turmas superlotadas; salários pagos com atraso e não pagamento de subsídios; falta de regalias e de consideração; falta de apoio profissional; falta de progressão na carreira profissional.
É um perfil problemático, mas, rigorosamente falando, não haveria tantos problemas assim à volta do professor se o principal provedor e gestor da Educação, isto é, o Governo, olhasse para o docente com olhos de ler. É que nos documentos oficiais está tudo escrito, tudo um cosmos, mas na prática é quase tudo um caos.
Formação profissional nula ou não adequada e fraco desempenho profissional
Os muitos moçambicanos que o Governo manda às escolas são actualmente recebidos por 120.000 professores, número apresentado pelo jornal Notícias de 05/06/2015 que acrescenta que os alunos são 7.000.000. Ora, 30% dos 120.000 professores, isto é, 36.000 professores não têm a devida formação, segundo a AIM (no serviço de 11/05/2015), citando Jorge Ferrão, actual ministro da Educação (e Desenvolvimento Humano). Multiplicando 36.000 (professores não formados) por 50 (alunos por turma, numa média romântica), tem-se mais ou menos 1.800.000 alunos assistidos anualmente por professores que não são professores.
E isto repete-se por vários anos. Por causa deste estado de coisas, 94% dos alunos na 3ª classe não sabem ler nem escrever (segundo o “Jornal da Noite” da STV de 16/10/2015). Jorge Ferrão revelou que o número de alunos no sistema escolar iria aumentar por via de 1.320.000 novos ingressos em 2016 (vide o jornal O País de 15/10/2015). Incompreensivelmente, o ministro não se referiu ao perfil dos docentes que deverão atender estes alunos.
Já se vê que estes irão ter com os mesmos professores sem formação ou com níveis de formação abaixo dos níveis estipulados pela Lei do Sistema Nacional da Educação. No seu artigo 33, esta lei determina docentes com formação realizada “em instituições especializadas” para “Conferir no professor uma sólida formação científica, psicopedagógica e metodológica” (nº 2) e “Permitir ao professor uma elevação constante do seu nível de formação científica, técnica e psicopedagógica” (nº 3). Igualmente o Governo viola a alínea e os princípios pedagógicos estabelecidos no artigo 2 da referida lei: “formar o professor como educador e profissional consciente com profunda preparação científica e pedagógica, capaz de educar os jovens e adultos”.
(…) Recrutar um jovem com 11ª ou 12ª classe e colocá-lo numa escola remota, sem formação pedagógica nem apoio profissional, e entregar-lhe em cada ano lectivo 50, 60, 70 alunos, anos a fio, é definitivamente desproporcional e má governação no sector.
Precárias condições de deslocação, de habitação e de trabalho
As condições oferecidas ao professor não correspondem ao que está previsto no EGFAE. Pesquisas de Bagnol e Cabral (1998) mostram que, aquando da sua afectação ou transferência para uma escola, o professor não recebe ajudas de custo, não tem dinheiro para o transporte, chega sozinho a uma escola onde, na maior parte dos casos, não recebe habitação.
E, entretanto, está escrito: “[Constitui direito do funcionário] ter transporte, para si e para os familiares a seu cargo e respectiva bagagem em caso de colocação [ou] de transferência por iniciativa do Estado…” (alínea p do artigo 42 do EGFAE). E mais: já no local de trabalho, os professores, geralmente, trabalham em condições extremamente precárias em escolas construídas com material local, sem quadro e sem giz, sem cadernos e sem canetas, sem manuais e sem programas nem outros materiais fundamentais para o desempenho das suas funções. Os alunos, na maior parte dos casos, do mesmo modo não possuem o material escolar mínimo para trabalhar, o que também dificulta o trabalho do professor. Mas está escrito: “[O funcionário tem direito a] beneficiar de condições adequadas de higiene e segurança no trabalho e de meios adequados à protecção da sua integridade física e mental…” (alínea c do artigo 42 do EGFAE).
Trabalho com turmas superlotadas
As instituições de formação de professores têm níveis de ingresso e egressos muito baixos, pelo menos quando comparados com o número de alunos que o Governo conta sejam assistidos pelos docentes nas escolas. Tal resulta em turmas superlotadas nas quais há alunos que são mal assistidos pelo professor, pior quando este é jovem e inexperiente, ou sem formação e incompetente, ou velho e cansado. Mas está escrito: “[A prioridade é] Melhorar a aprendizagem dos alunos” (vide p 4 do “Plano Estratégico da Educação 2012-2016”).
Salários pagos com atraso e não pagamento de subsídios
Se pagar salários baixos aos professores já é um mal para a configuração do estatuto e dignidade do docente numa sociedade que dizíamos sem exploração do homem pelo homem, os professores ainda têm de ver o seu salário frequentemente travado por cabeças insensíveis e mãos incompetentes.
O atraso do salário chega a ser superior a meio ano (vide o jornal Notícias de 19/10/2015 em que na p 4 se noticia que 60 professores em Mandlakazi ficaram sensivelmente sete meses a aguardarem pelos seus ordenados). Mas está escrito: “O vencimento constitui a retribuição a cada funcionário ou agente do Estado de acordo com a sua carreira, categoria ou função, como contrapartida do trabalho prestado ao Estado e consiste numa determinada quantia em dinheiro paga ao funcionário ou agente em dia e local certos” [destaque nosso] (nº 1 do artigo 48 do EGFAE). Outrossim, os subsídios a que os docentes têm direito são-lhes ignorados. Todavia está escrito: “[Constitui direito do funcionário] receber o vencimento e outras remunerações legalmente estabelecidas” (alínea b do artigo 42 do EGFAE).
Os professores enfrentam ainda a falta de apoio profissional, falta de regalias e de consideração e falta de progressão na carreira profissional.