A primeira edição do semanário Charlie Hebdo publicada depois dos ataques a tiros de militantes islâmicos esgotou em minutos nas bancas de jornais de toda a França, esta quarta-feira (14), com pessoas a fazerem fila para comprar exemplares em apoio ao semanário satírico.
“Eu nunca comprei antes, não é bem minha linha política, mas é importante para mim comprá-lo hoje e apoiar a liberdade de expressão”, disse David Sullo, aguardando no final de uma fila de duas dezenas de pessoas num quiosque no centro de Paris.
Uma tiragem de cerca de três milhões de cópias foi programada para o que vem sendo chamado de “edição dos sobreviventes”, superando em muito os habituais 60.000 exemplares. Mas, ainda assim, em muitas bancas o jornal esgotou rapidamente.
“Para mim, é importante comprar e mostrar solidariedade dessa maneira, e não apenas com a presença na marcha”, disse Laurent, de 42 anos, na mesma fila, acrescentando que não estava certo de que conseguiria um exemplar porque não havia reservado um dia antes.
A poucos quarteirões de distância, ao lado da estação de metro Jules Joffrin, no norte de Paris, uma vendedora disse que as pessoas já estavam à espera fora da sua banca quando ela abriu às 6h.
“Eu tinha 10 exemplares. Foram vendidos imediatamente”, disse ela. O quiosque na estação de comboio Gare du Nord informou ter aberto às 5h15 local em vez do horário habitual, às 6h, e as suas 200 cópias esgotaram em menos de 15 minutos.
Dezassete pessoas morreram em Paris em três dias de violência que começaram com o ataque de dois homens islâmicos armados contra a redacção do Charlie Hebdo no dia 7 – no qual 12 pessoas foram mortas – e terminaram com um cerco num supermercado kosher dois dias depois.
Pelo menos 3,7 milhões de pessoas participaram de uma marcha em Paris e outras cidades da França neste domingo para honrar a memória das vítimas, entre as quais jornalistas, policiais e clientes do supermercado.
A primeira página da edição do Charlie Hebdo desta quarta-feira mostra uma caricatura de um Maomé choroso segurando um cartaz com os dizeres “Je suis Charlie” (Eu sou Charlie) sob a manchete: “Tout est pardonné” (Tudo está perdoado).
“Eu escrevi ‘tudo está perdoado’, e chorei”, disse Renald “Luz” Luzier, que criou a imagem, em entrevista colectiva na terça-feira na sede temporária do semanário, no diário de esquerda Libération. “Esta é a nossa capa… não é o que os terroristas queriam que desenhássemos”, disse ele.
“Eu não estou preocupado de modo algum… Confio na inteligência das pessoas, na inteligência de humor.” Alerta do Grão Mufti Dentro da edição, vê-se o humor irreverente habitual do semanário. Uma das tiras mostra jihadistas a dizerem: “Não deveríamos tocar no pessoal do Charlie… caso contrário, eles vão ser vistos como mártires e, uma vez no céu, esses bastardos vão roubar nossas virgens”.
“O que nos faz mais rir é que os sinos de Notre-Dame tocaram em nossa homenagem”, diz o editorial do semanário, que surgiu do movimento de libertação de 1968 e há muito zomba de todas as religiões e dos pilares do poder.
Toda a receita da venda da edição desta semana irá directamente para o Charlie Hebdo, o que dará novo fôlego para uma publicação que vinha lutando com dificuldades financeiras. O preço de capa era de 3 euros (4 dólares). Um pedido de doações também foi ao ar na mídia nacional.
Numa banca no leste de Paris, as filas formavam-se numa manhã ainda escura diante de uma banca normalmente tranquila até que as pessoas chegassem mais perto e pudessem ver um cartaz que dizia “Charlie Hebdo: esgotado”. O vendedor da banca disse que esperava obter mais cópias na quinta-feira, mas se recusava a fazer reservas.
As versões digitais serão publicadas em inglês, espanhol e árabe, e haverá também edições impressas em italiano e turco. No entanto, o grão mufti do Egito alertou o jornal contra a publicação de uma nova caricatura de Maomé, dizendo que era um acto racista que iria incitar ao ódio e aborrecer os muçulmanos em todo o mundo.