Discursando durante a abertura do ano judicial, nesta terça-feira(01) em Maputo, o Mais Alto Magistrado da Nação Moçambicana, Filipe Jacinto Nyusi, saudou a todos os actores da Justiça “pelo início de mais um ano lectivo(não é gralha)”, disse que o seu Governo não quer “que a PIC seja o boi expiatório (também não é gralha) do mau desempenho do nosso país” e riu-se das reflexões da Procuradora Geral da República, que se inspirou no Papa Francisco, e do Bastonário da Ordem dos Advogados por ter trazido “teorias do comunismo de Marx com as teorias do imperador Selassie”.
O Chefe de Estado, que disse inspirar-se nos anseios do povo moçambicano para a sua intervenção, começou por falar no “drama causado pelas intempéries”, que na realidade não são mais do que as chuvas normais da época chuvosa anual e que não causariam drama nenhum se o Governo assegurasse habitações de qualidade, saneamento do meio adequado e água potável aos moçambicanos.
Filipe Nyusi reiterou a determinação do seu Executivo em continuar a minimizar o sofrimento das famílias afectadas pela seca ignorando que os furos de água que estão a ser abertos agora, não pelo Governo mais por parceiros de cooperação, podiam ter sido efectuados há mais de um ano.
Sem mencionar as movimentações das Forças Governamentais pelo país, nem se referir aos atentados à vida do presidente do partido Renamo, o Presidente de Moçambique disse que continua determinado na manutenção da paz e acusou o maior partida de oposição pelo reinício da guerra.
Para os magistrados Nyusi reconheceu o óbvio, que o crime organizado transnacional exige “dos Estados novas formas de abordagem para a sua prevenção combate, as quais passam pela adopção de medidas legislativas, a promoção da cooperação internacional e a capacitação de toda a máquina judiciária para melhor lidar com o fenómeno” e disse ser chegada à hora do sector de Justiça “se envolver mais na procura de soluções e deixar de ser a expectadora”.
Nyusi terminou apelando “para que se acelere o processo de reestruturação da polícia, em particular da Polícia de Investigação Criminal(PIC) que constitui um aliado precioso na prevenção e combate ao crime organizado”.
PGR traça retrato do crime organizado que assenta em muitos políticos moçambicanos
A Procuradora Geral da República(PGR), Beatriz Buchili, inspirando-se numa mensagem do Papa Francisco traçou o perfil dos indivíduos que protagonizam o crime organizado no nosso país, “quem fecha o coração desinteressando-se dos outros, de quem fecha os olhos para não ver o que sucede ao seu redor ou se esquiva para não ser abalroado pelos problemas alheios”.
Um retrato que assenta em muitos dos nossos políticos e governantes que a PGR parece ter-se esquecido na sua intervenção, pois embora tenha mencionado a corrupção e o desvio de fundos do erário não se referiu, por exemplo, a operação financeira ilegalmente avalizada por funcionários do Estado e que culminou com o empréstimo de 850 milhões de dólares norte-americanos que nem sequer entraram para os Cofres públicos.
A PGR preferiu apontar o dedo aos cidadãos, por alegadamente não colaborarem com as autoridades. “Mas também é comportamento de indiferença daquele que assiste um morte na via pública e limita-se a tirar fotografias para alimentar as redes sociais, nada faz nem colabora com a investigação. Ou de quem arrenda um imóvel a desconhecido sem preocupação de saber mais sobre o inquilino, ou de quem assiste a um vizinho a enriquecer espantosamente em duas ou três semanas e não se questiona este milagre”, disse Beatriz Buchili.
“O Estado de Direito é a nossa salvação”
Tomás Timbane recordou que a reforma da Polícia de Investigação Criminal é um assunto antigo, já havia sido mencionado até pelo seu antecessor na Ordem dos Advogados. “Tal como dizia o meu antecessor, conhecemos as razões dos que querem a reforma da PIC, mas desconhecemos a motivação dos que pretendem que ela continue no Ministério do Interior”.
“No Informe ao Parlamento em 2015, a Procuradora-Geral da República não tomou posição sobre o sentido das reformas que se pretendem na PIC” continuou Timbane que clarificou, “Sabemos também que não é só tirando a PIC do Ministério do Interior que esses problemas se resolverão. Não obstante, a sua subordinação ao Ministério Público é essencial para que ela exerça melhor o papel de seu auxiliar. A sua existência faz mais sentido como polícia judiciária com recursos humanos capacitados, liderada por um magistrado, bem equipada, valorizada e com agentes regularmente avaliados” disse o Bastonário.
Tomás Timbane também recordou que as “dificuldades do sector judicial são conhecidas, ano após ano os lamentos são aqui sublinhados, mas o compromisso do Governo parece ainda insuficiente para atacar os inúmeros problemas que ele atravessa, desde a corrupção – cujo combate deve ser muito mais do que palavras – a deficiente formação dos profissionais da justiça, até ao sistema de cálculo das custas judiciais, que, como temos referido, é inconstitucional e injusto”.
O Bastonário da Ordem dos Advogados destacou a injustiça para o povo moçambicano que representa o Código das Custas Judiciais. “A pergunta que não se cala é sempre a mesma: afinal a quem beneficia o actual sistema? Certamente aos magistrados e oficiais de justiça, nunca ao cidadão que, com muitas dificuldades, tem de suportar as custas judiciais. Foi, aliás, esse o caminho seguido na recente actualização (injustificada) dos emolumentos dos registos e notariado e que a Ordem dos Advogados contestou junto do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos” declarou Timbane.
O Bastonário, em término de mandato, fez um balanço das actividades da Ordem sob a sua direcção e destacou alguns desafios para os seus sucessores. “A nossa Constituição não tem voz, nem aparentemente autoridade para exigir uma tamanha lei da nossa Assembleia da República. Mas a Ordem dos Advogados, uma ordem em franco crescimento, tem voz, pode e se calhar deve emprestar essa voz à Constituição, pois ela consubstancia o nosso Estado de Direito. E ela empresta a sua voz à Constituição para lançar um apelo aos moçambicanos para que a ergam como sua bandeira, mesmo quando quem tem a obrigação de a defender nem sempre o faz como devia ser. O Estado de Direito é a nossa salvação”, concluiu Timbane.