O Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização moçambicana de defesa de direitos humanos e princípios de boa governação, alerta para a necessidade do Governo renegociar os contratos assinados com os mega-projectos de modo a acabar com os incentivos fiscais de que os investidores se beneficiam.
Este alerta surge na sequência do anúncio da descoberta da presença de petróleo na bacia de Rovuma, Norte de Moçambique, pela companhia norteamericana ANADARKO, notícia que o CIP considera chamar atenção para aspectos que o Governo deve começar a melhorar para se garantir um quadro favorável de gestão de recursos petrolíferos em Moçambique.
“Essa renegociação é a única saída para que Moçambique possa captar mais receitas fiscais e não-fiscais dessa multinacionais. Como se sabe, o quadro legal que regula as contribuições fiscais das empresas dos sectores mineiro e petrolífero foi revisto em 2007, tendo eliminado um conjunto de benefícios fiscais”, refere um comunicado de imprensa do CIP recebido hoje pela AIM.
Esta organização afirma também que em 2009, foi também actualizado o Código dos Benefícios Fiscais (Lei 4/2009), “mas o problema é que a maioria dos contratos em vigor (incluindo com a Anadarko) são anteriores a 2007, o que quer dizer que, no caso de uma exploração comercial futura, Moçambique tem poucas chances de aumentar consideravelmente a sua renda fiscal”.
Actualmente, o Governo, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial reconhecem a inutilidade e o exagero dos incentivos fiscais concedidos aos mega-projectos.
Por isso mesmo, está sendo elaborado e discutido um ante-projecto de Lei dos Mega-Projectos, para além de já ter sido criada uma unidade especial dentro da Autoridade Tributária de Moçambique (instituição de colecta de impostos) para lidar com questões dos mega-projectos.
Ainda no seu comunicado, o CIP denuncia aquilo que considera de falta de clareza na aplicação de fundos sociais e rendas fiscais provenientes das empresas envolvidas na pesquisa e prospecção de petróleo no país.
Segundo o CIP, a prospecção e pesquisa de hidrocarbonetos em Moçambique ganhou novo ímpeto com a aprovação da Lei de Petróleos em 2001, milhões de dólares norte-americanos tem vindo a ser entregues ao Governo para aplicação nos chamados “fundos sociais”.
Esses fundos acompanham os investimentos em prospecção, os quais, entre 2006 e 2009 ultrapassaram os 300 milhões de USD na Bacia do Rovuma, de acordo com dados do Instituto Nacional de Petróleos (INP) e pouco mais de 100 milhões de dólares na Bacia de Moçambique.
Refere-se que esses “fundos sociais” são pagos pelas petrolíferas ao INP destinadas à “capacitação institucional e outros projectos sociais”. As empresas petrolíferas fazem esses pagamentos numa base anual. Por exemplo, a norueguesa Statoil, que faz prospecção de petróleo na Bacia do Rovuma, paga um milhão de dólares/ano e a italiana ENI, que também se encontra a trabalhar nesta bacia, paga 500 mil dólares/ano.
“A questão que se coloca é como é que esse dinheiro é aplicado e como é que os cidadãos podem ter acesso aos dados sobre a sua gestão. No quadro actual, a opinião pública desconhece os montantes exactos que o Governo recebe, por via do INP, desses fundos, muito menos os critérios de gestão que lhes são aplicados”, refere o comunicado de imprensa.
Igualmente, o CIP afirma que não existe um regulamento público sobre a aplicação dos fundos, não sendo também clara a participação das comunidades na definição de prioridades de investimento.
Por isso, nestas situações, algumas multinacionais tomam iniciativas próprias de investir em projectos sociais sem que haja consulta comunitária.
Alguns exemplos disso é o caso da companhia Statoil-Hydro que há dois anos investiu cerca de 80 mil dólares na compra de um frigorífico para armazenar pescaria em Quissanga (província nortenha de Cabo Delgado) e da ANADARKO que desembolsou 200 mil dólares para estender o sinal da Rádio Moçambique, a emissora pública nacional, entre os distritos de Macomia e Palma.
“É, pois, urgente o estabelecimento de regras de gestão dos fundos sociais conforme recomenda a legislação mineira e petrolífera. Por outro lado, é preciso regulamentar urgentemente a legislação fiscal de 2007, definindo a percentagem das receitas fiscais que deve retornar às comunidades onde as operações acontecem, à semelhança do que acontece no quadro da gestão das receitas de exploração florestal”, diz o CIP.