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EDITORIAL: Pelos 20 anos da Lei de Imprensa

Na tarde da última sexta-feira, figuras de proa do jornalismo moçambicano juntaram-se no Auditório da Rádio Moçambique – o maior órgão de informação do país – e ‘problematizaram’ mais uma vez várias questões que fazem o quotidiano dos meios de comunicação moçambicanos. Porém, ignoraram completamente as condições que tornam as nossas redacções férteis na emergência do fenómeno João, chamemo-lo assim para usar a linguagem do famoso jogador brasileiro Garrincha.

O João é jornalista e trabalha num grande grupo de media. O João, que ganha 5000 meticais líquidos por mês e vive no subúrbio de Khongolote, passou dez (10) anos consecutivos a juntar as pequenas ajudas de custo que recebia de instituições que o convidavam a viajar pelo país porque tinha um sonho: construir a sua própria casa e, por isso, foi investindo o dinheiro em sacos de cimento e limitando os gastos no frango e nas carnes vermelhas.

Porém, consumindo sofregamente em recepções e seminários. Ao fim de dez anos, João mudou para a sua casa de três cómodos. Ele chegava ao serviço cansado, mas contente, e entretinha-se a organizar as roupas amassadas numa carrinha de caixa aberta qualquer.

Até que recebeu uma proposta irrecusável: assassinar o carácter de um dirigente a troco de 50 mil meticais. Ou seja, ganhar num dia o que levaria dois anos a juntar, mesmo auferindo 5000 meticais. Portanto, uma proposta tentadora.

A promessa era simples: o João lavava a imagem de quem lhe corrompera o carácter e, ao mesmo tempo, mudando-lhe o nível de vida, “sujava” a de quem quer que fosse. De um jornalista promissor, João passou a mercenário de informação.

Em pouco tempo, o João comprou uma carrinha em segunda mão e mudou-se para o centro da cidade. Arrendou uma dependência por 15 mil meticais (três vezes o seu salário) e passou a viver à grande e à francesa.

O João não teve, de forma nenhuma, nenhum tipo de remorsos. Aliás, sempre que se põe a pensar na sua trajectória, reconforta-se com o ditado que diz que “a honestidade é elogiada, mas morre de frio”.

Dez anos a poupar e agora queriam cobrar-lhe honestidade? Com chefes que abocanhavam as mais lucrativas viagens para o exterior, por ganância, mesmo quando era ele quem cobria determinados assuntos? Achava normal pela fome que passou, os blocos que não comprou e a carne que não comeu, ao longo de 10 anos, para poder ter uma casa.

Porque as despesas aumentaram e ultrapassam de longe o seu salário que não sobra há anos, João já não se preocupa em conseguir um furo jornalístico, mas em flagrar um escândalo para cobrar aos supostos envolvidos pela sua ou não publicação.

Mal descobriu que nos seus momentos áureos, muitas instituições o convidaram para seminários especializados no estrangeiro, mas o seu chefe desviava-as em seu próprio proveito, João vai agora atrás das instituições que buscam visibilidade mediática exigir viagens a troco de doces reportagens.

Na redacção, nenhum superior hierárquico ousa censurar o seu comportamento, pois todos sabem donde começou o mal e que eles mesmos são tributários do fim do João jornalista e da emergência do João mercenário de informação.

Contudo, João é apenas o produto da erupção e orfanização deliberada dos princípios éticos e deontológicos de uma classe jornalística que, de modo nenhum, poderia estar na serenidade de uma varanda qualquer dos edifícios que estruturam a gangsterização deste país, contemplando impávida e estaticamente a promiscuidade que aumenta exponencialmente o tamanho das bochechas e o peso líquido das barrigas dos gestores da coisa pública…

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